por Mircea Eliade
A realidade se adquire por repetição ou participação, repetição de um arquétipo. Se produz ebulição do tempo profano, da duração, da história e aquele que reproduz o fato exemplar se vê transportado à época mítica na qual sobreveio a revelação dessa ação exemplar. Essa suspensão do tempo profano corresponde a uma necessidade profunda do homem arcaico: não suporta a "história" e se esforça para anulá-la de forma periódica.
Transformação do homem em arquétipo por meio da repetição. Por exemplo, os soberanos se consideram imitadores do heroi primordial. Transfiguração da História em Mito. É também frequente a mitificação dos personagens históricos.
Muitas vezes devem lutar contra dragões ou serpentes porque são identificados como senhores do lugar, representam a modalidade pré-formal do universo. Assim os conquistadores devem formar, criar os territórios ocupados.
Na memória popular, a lembrança de um acontecimento histórico ou de um personagem autêntico não subsiste mais do que dois ou três séculos. Isso se deve a que funciona por meio de categorias em lugar de acontecimentos, arquétipos em vez de personagens históricos.
O personagem histórico é assimilado a seu modelo mítico (heroi) enquanto que o acontecimento se inclui na categoria das ações míticas. A memória coletiva é ahistórica. Poderia dizer-se que a memória popular restitui ao personagem histórico dos tempos modernos sua significação de imitador do arquétipo e de reprodutor das ações arquetípicas.
Às vezes ocorre raramente que se tem a ocasião de presenciar enquanto vivo a transformação de um acontecimento em mito. Recalca o caráter ahistórico da memória popular e a impotência da memória coletiva para reter os acontecimentos e as individualidades históricas sem transformá-los em arquétipos, sem anular suas particularidades históricas e pessoais.
Compare as concepções diferentes da existência depois da morte. A transformação do defunto em antepassado.
Tradução por Raphael Machado