"Novos pesares da guerra, novas marés tempestivas nacionais gerarão novas canções folclóricas também"
(Hans Breuer, 1913)
Em 2000, quando eu era o editor de uma pequena revista musical independente, eu recebi um CD intitulado Victory or Death [Vitória ou Morte] pela banda sueca Folkstorm. O CD continha dez faixas de uma dura música industrial e o disco estava decorado com uma Reichsadler [Águia Imperial] de estilo nazista no topo de uma coroa de carvalho. A contracapa estava ornamentada com runas e listava as faixas 'Feldgeschrei' [Alarido no Campo], 'Harsh Discipline' [Disciplina Rígida], 'Propaganda', 'We Are the Resistance' [Nós Somos a Resistência], 'Social Surgery' [Cirurgia Social], para nomear apenas algumas. As palavras nas músicas eram inaudíveis graças aos vocais altamente distorcidos, mas tudo mais sugeria vagamente a natureza extremo-direitista da 'ideologia' do Folkstorm. Surpreendemente, a banda prometia 'Nada de política. Nada de religião. Nada de padrão', uma declaração prudente escrita no próprio disco.
Se a banda se distancia de qualquer referência política enquanto esses sinais sugerem o oposto, que tipo de 'propaganda' seria? A mensagem do Folkstorm tem pouco a ver com a de alguns de seus compatriotas como o Totenkopf, cuja faixa 'Can't be Beaten' sem reservas proclama: 'Mostre-os pelo quê você luta e não sinta remorsos, meu irmão ariano, é hora da guerra racial.' Nem seria a mensagem do Folkstorm uma provocação similar a do punk rocker Sid Vicious ao posar com uma camiseta com uma suástica nela. Se a mensagem não é a disseminação de ódio racial do 'White Noise', nem o 'cuspe na face da sociedade burguesa', então o que é? Nesse artigo, eu argumento que existe um tipo particular de música direitista radical que não promove violência direta, não está relacionada às atividades de organizações políticas ou partidos, e não é um meio de recrutamento para qualquer tendência política. Portanto, eu tomo a declaração 'Nada de política' do Folkstorm a sério, apesar de eu esperar reconceitualizá-la de modo a evitar qualquer tentativa fútil de drenar a mensagem claramente direitista de sua essência. Eu me refiro a essa música como 'apolitéica' (um termo explicado abaixo), e esse artigo irá analisar sua natureza e significância considerando dois gêneros musicais, nomeadamente Neofolk e Martial Industrial, que são os mais utilizados por bandas e artistas para disseminar uma mensagem apolitéica. Eu espero demonstrar que música apolitéica e White Noise são reflexos culturais das duas distintas estratégias polícias que o fascismo foi forçado a seguir nas condições 'hostis' do período pós-guerra.
Antes que eu prossiga, deve ser observado que nem o Neofolk nem o Martial Industrial podem ser considerados 'gêneros musicais fascistas'. Diferentemente do White Noise, que remete especificamente a música ideologicamente motivada, esses dois gêneros são primordialmente construtos tipológicos que abraçam tipos particulares de sons combinados. De fato, quer o Neofolk ou o Martial Industrial possam ser equiparados a propaganda fascista ou neonazista, ou não, foi furiosamente debatido desde meados da década de 90 quando um certo número de bandas desses gêneros começaram a receber - devido a seu uso extensivo de estética fascista - atenção de jornalistas esquerdistas bem como ataques de grupos antifascistas. Em diversas ocasiões, protestos antifascistas, abaixo-assinados e piquetes foram apoiados pelas autoridades que baniram performances de certas bandas de Neofolk/Martial Industrial. Em 2004 a principal banda austríaca de Martial Industrial, Der Blutharsch, teve que cancelar uma performance em Israel, graças a protestos, entre outros, do ministro israelense Natan Sharansky, do membro do Knesset Yossi Sarid, do prefeiro de Tel Aviv Ron Huldai e da Liga Anti-Difamação. No ano seguinte, a mais famosa banda de Neofolk, Death in June, perdeu o direito de vender seu álbum Rose Clouds of Holocaust na Alemanha após uma investigação conduzida pela Bundesprüfstelle für jugendgefährdende Medien (BPjM, Departamento Federal para Mídia Danosa aos Jovens). Nenhuma dessas bandas é parte da cena White Noise, mas ambas abraçam - como eu demonstrarei abaixo - elementos explícitos da Weltanschauung [Visão-de-Mundo] fascista.
Principais termos e conceitos
Há vários termos que jornalistas, servidores públicos e acadêmicos usam para se referir a artistas ou bandas que - sob o ponto de vista dos observadores - executam música impregnada com idéias fascistas ou extremo-direitistas. Alguns desses são termos genéricos que abrangem diferentes gêneros musicais, enquanto outros se referem a gêneros específicos.
O termo 'White Noise' origina da White Noise Records, uma gravadora que lançou o single 'White Power' da banda Skrewdriver em 1983. Skrewdriver foi uma banda britânica que abertamente promovia o ultra-nacionalismo revolucionário por meio de suas gravações, e suas performances às vezes se transformavam em revoltas de skinheads neonazistas. O líder do Skrewdriver Ian Stuart foi membro do British National Front (NF), enquanto a banda em si estava fortemente associada tanto com o NF como com o British National Party (BNP). Em verdade, o Skrewdriver poderia ser considerado a 'ala musical' do NF, já que levantava fundos para a organização e ajudava a recrutar novos membros. Ademais, em 1987, Stuart fundou a rede Blood & Honour que promovia bandas ultra-nacionalistas, organizava seus concertos e servia como nexo para os skinheads neonazistas da Europa e dos Estados Unidos. Já que o Skrewdriver tocava um tipo de Punk Rock conhecido como Street Punk ou Oi!, o termo 'White Noise' originalmente fazia referência a bandas de Punk Rock que propagavam idéias de extrema-direita. Atualmente, graças à variedade genérica de bandas que tocam nos concertos da Blood & Honour, pode-se aplicar esse termo a qualquer rock agressivo que está imbuído com uma mensagem abertamente fascista ou racista.
É de importância crucial ressaltar duas características do White Noise. Primeiro, esse tipo de música é caracterizada por um ultra-nacionalismo abertamente racista ou revolucionário. Bandas White Noise não velam suas mensagems e alguns dos nomes das bandas - sem mencionar títulos dos álbuns e músicas - falam por si mesmos: Race War, Totenkopf, Final Solution, Jew Slaughter, Legion 88, Konkwista 88, Angry Aryans, Brigada NS, RaHoWa, etc. Em segundo lugar, White Noise está associado ou com violência direta contra um 'Outro' ou com a causa política, não importa quão marginalmente, que a inspira. É bem comum que músicos de White Noise não ocultem sua filiação a células ultra-nacionalistas revolucionárias, organizações maiores, ou mesmo partidos eleitorais. Como mencionado acima, o Skrewdriver trabalhava junto ao NF, enquanto a banda romena Brigada de Asalt é parte integral da organização neonazista Noua Dreapta (Nova Direita), presumidamente financiada pelo partido romeno de extrema-direita Partidul Noua Generatie (Partido Nova Geração). Um grande número de bandas White Noise aparecem nos chamados CDs de 'pátio escolar' compilados e lançados pelo extremo-direitista Nationaldemokratische Partei Deutschlands (Partido Nacional-Democrata da Alemanha) para distribuição gratuita entre a juventude alemã.
Surpreendentemente, o termo 'White Noise' não parece abarcar bandas de Black Metal que promovem idéias ultra-nacionalistas. Nesse caso, jornalistas e estudiosos usam o termo 'National Socialist Black Metal' (ou simplesmente NSBM) para fazer referência ao mesmo tipo de mensagem sócio-política do White Noise quando ela é disseminada na música Black Metal.
Outro termo genérico para música de extrema-direita é simplesmente 'Rock Direitista'. Esse termo ganhou popularidade na Alemanha (Rechtsrock) entre ativistas esquerdistas, estudiosos e instituições governamentais como o Bundesamt für Verfassungsschutz (BfV, Departamento Federal para a Proteção da Constituição) e o BPjM, mas é usando em trabalhos acadêmicos de língua inglesa também. O BPjM afirma que, 'com exceção do jazz e da música clássica, não há gênero musical que não esteja infiltrado por organizações de extrema-direita e que não seja um veículo para conteúdo extremo-direitista. Ele lista oito gêneros musicais que são coletivamente identificados como Rechtsrock: bandas skinheads (obviamente não é um gênero, mas aparentemente o BPjM queria dizer White Noise aqui), NSBM, Hatecore, Techno, Hip-Hop, Folk, cantores-compositores (de novo, não um gênero, mas indivíduos que compõem e tocam suas próprias obras, usualmente acompanhados apenas por violão) e Neo-Folk. Segundo o departamento alemão, são esses gêneros que são comumente usados por músicos que promovem a 'glorificação do Nacional Socialismo a representação de Adolf Hitler e seus partidários como exemplos (ou heróis trágicos)' e que buscam 'instilar ódio racial, clamar por violência contra estrangeiros, judeus ou os que discordam deles'. Tal análise sofre de uma grave deficiência. 'Rock Direitista' per se é um termo 'inchado', e o BPjM o interpreta de modo muito estreito para que ele possa ser aplicado à ampla gama de música direitista. Para ser um direitista ou mesmo um fascista não é necessário ter que glorificar o Nazismo ou buscar instilar ódio racial. O BPjM obviamente atinge o alvo com White Noise e NSBM, mas ao incluir Neofolk - mesmo que assumamos que são apenas as bandas direitistas de Neofolk - dentro de uma definição estreita de Rechtsrock, corre o risco de se equivocar. De modo a explicar essa distinção crucial, precisamos considerar dois conceitos-chave: fascismo e apolitéia.
Nesse artigo, eu subscrevo, metodologicamente, a uma escola dominante dentro dos 'estudos fascistas' que propõe que a ideologia fascista é uma forma de ultra-nacionalismo revolucionário. Essa abordagem é mais extensivamente elaborada por Roger Griffin que define 'fascismo' como:
"(...) uma espécie revolucionária de modernismo político originada no início do século XX cuja missão é combater as forças supostamente degenerativas da história contemporânea (decadência) trazendo uma modernidade e temporalidade alternativas (uma 'nova ordem' e uma 'nova era') baseadas no renascimento, ou Palingenesis, da Nação."
Essa interpretação do fascismo 'implica uma concepção orgânica da Nação que não é necessariamente equiparada ao Estado-Nação ou suas fronteiras existentes, e que está endividada com a moderna noção de soberania do "Povo" como uma entidade e ator histórico supra-individual determinado'. Essa mitologização excessiva da Nação bem como o impulso impetuoso na direção de sua Palingenesis resulta em ter o fascismo a aparência de uma religião política. Como tal, o fascismo gera seu próprio comportamento coletivo culturalmente determinado que possui características específicas, entre as quais 'aventura, heroísmo, espírito de sacrifício, rituals de massa, culto aos mártires, os ideais da guerra e dos esportes e fanática devoção ao Líder' são as mais proeminentes. Essas características não são de modo algum sine qua non do fascismo mas elas são indicativas do compromisso do fascismo com a estetização da vida política, com o ativismo extremo e a política espetacular, e portanto diretamente ligadas a sua tendência de se manifestar como uma forma de religião política.
Ainda que o fascismo seja o enfant terrible do século XX, sua longevidade sócio-política não está lugada aos regimes de Hitler e Mussolini. Após as forças conuntas da URSS e das democracias liberais ocidentais terem esmagado a máquina de guerra fascista, ele foi forçado a evoluir, ou melhor, transmutar em três formas distintas. Os grupos que ainda queriam participar no processo político tiveram que suavizar dramaticamente o seu ardor revolucionário e traduzi-lo 'o máximo possível dentro da linguagem da democracia liberal'. Essa estratégia deu origem aos partidos radicais de extrema-direita que tem se tornado bem-sucedidos eleitoralmente em vários países durante os últimos vinte anos. Ultra-Nacionalistas revolucionários, por outro lado, recuaram para as margens da vida sócio-política e assumiram a forma de células e grupúsculos que mantinham vivo o 'prospecto ilusírio de ter algum impacto revolucionário na sociedade'. A terceira forma de fascismo no pós-guerra foi conceitualizada nos ensinamentos de dois filósofos fascistas, Armin Mohler e Julius Evola. Em Die konservative Revolution in Deutschland 1918-1932, publicado em 1950, Mohler afirma que, já que a revolução fascista foi indeterminadamente adiada graças à dominação política da democracia libera, os verdadeiros 'conservadores revolucionários' se encontravam em um 'interregnum' que iria, porém, abrir caminho espontaneamente à grandeza espiritual do redespertar nacional. Esse tema da 'emigração interior' foi ecoado por Evola em seu Cavalcare La Tigre (Cavalgar o Tigre), publicado em 1961. Evola reconheceu que, enquanto 'o verdadeiro Estado, o Estado hierárquico e orgânico', esteja arruinado, não há 'nenhum partido ou movimento com o qual possamos concordar em absoluto e pelo qual possamos lutar com devoção absoluta, em defesa de alguma idéia superior'. Portanto, l'uomo differenziato deve praticar 'desinteresse, separação de tudo que hoje constitui "política"', e esse era exatamente o princípio que Evola chamava 'apoliteia'. Enquanto apoliteia não necessariamente implica abstenção de atividades sócio-políticas, um indivíduo apolitéico, um 'Aristocrata do Espírito' deve sempre incorporar sua 'distancia interna irrevogável dessa sociedade moderna e seus "valores"'.
Os conceitos de interregnum e apoliteia tiveram um grande impacto no desenvolvimento do "Fascismo Metapolítico" da European New Right (ENR), um movimento que consiste em agrupamentos de think tanks, conferências, revistas, institutos e editoras que tentam - seguindo a estratégia do assim chamado 'Gramscismo direitista' - modificar a cultura política dominante e fazê-la mais suscetível a um modo não-democrático de política. Como Mohler e Evola, os adeptos da ENR acreditam que um dia a supostamente decadente era do igualitarismo e cosmopolitismo darão lugar a uma 'inteiramente nova cultura baseada em valores orgânicos, hierárquicos, supra-individuais e heróicos'. É importante enfatizar, porém, que "Fascismo Metapolítico" foca - quase exclusivamente - na batalha por corações e mentes e não no poder político imediato. Seguindo os preceiros de Evola, a ENR tenta se distanciar de partidos e regimes fascistas tanto históricos quanto contemporâneos. Como o racismo biológico ficou desacreditado no período pós-guerra, e não era 'mais possível falar publicamente das diferenças perceptíveis através da linguagem do "antigo racismo"', os pensadores da ENR apontaram para as incomensuráveis diferenças entre povos, não em termos biológicos ou étnicos, mas sim em termos de cultura. Eles abandonaram um fascismo ultra-nacionalista aberto 'em nome de uma Europa restaurada à (essencialmente mítica) homogeneidade de seus componentes culturais primordiais'.
Como as estratégias do fascismo no ambiente 'hostil' do pós-guerra se relaciona com a música? Enquanto não pode haver nenhum reflexo puramente musical da política partidária direitista, o White Noise se tornou parte e parcela da subcultura ultra-nacionalista revolucionária. E eu sugiro que o 'Fascismo Metapolítico' tem sua própria manifestação cultural no domínio sonoro, nomeadamente, a música apolitéica. Esse é um tipo de música no qual a mensagem ideológica contém referências óbvias ou veladas aos elementos essenciais do fascismo mas é simultaneamente distanciada de qualquer tentativa prática de implementar essa mensagem através de atividade política. Música Apolitéica é caracterizada por posturas extremamente elitistas e um desdém pelo 'materialismo mesquinho e banal'. Tanto artistas apolitéicos como seus fãs conscienciosos parecem se apresentar como 'Aristocratas do Espírito', unidos em seu conhecimento implícito de que o Imperium Internum é o reflexo de uma nova era vindoura de Palingenesis nacional e espiritual. Perdidos na contemplação desse futuro utópico, eles percebem a atual situação como o interregnum. Independentemente da medida em que o mundo contemporâneo europeizado esteja realmente decadente ou espiritualmente empobrecido, ele sempre parecerá pálido ao lado do 'admirável novo mundo' fascista.
O conceito de apoliteia se relaciona com uma noção mais importante, verdadeiramente crucial, nomeadamente, o de Waldgang [Passeio na Floresta]. Dez anos antes do aparecimento do primordialmente livro pessimista de Evola, Cavalcare la Tigre, Ernst Jünger publicou o ensaio Der Waldgang, que antecipou as reflexões de Evola sobre apoliteia. Jünger, o autor do criticamente aclamado In Stahgewittern (1920) - traduzido em Português como Tempestades de Aço - a Der Arbeiter (O Trabalhador) (1932), celebrava a guerra, na qual ele via inserido o processo metafísico da criação de uma nova civilização. Ele portanto simpatizava com o regime Nazista, que parecia ser o instrumento corporificado para pôr esse processo em movimento. Porém, como Griffin observa, Jünger 'permanecia alheio à política, relutante em abandonar as alturas de seu posto metapolítico', apesar de o regime ter efetivamente se beneficiado de suas obras literárias que legitimavam o fascismo na esfera cultural. Em seu livro do pós-guerra Der Waldgang, Jünger critica severamente o Titanic espiritualmente empobrecido que é a Idade Moderna, tomada por 'liquidações, racionalizações, socializações, eletrificações e pulverizações' que não requerem 'nem cultura, nem caráter'. Ainda assim, ele convocava os indivíduos livres a permanecerem 'à bordo' (ou seja, usar o progresso tecnológico para sua vantagem) e, ao mesmo tempo, 'recuar para a floresta' (Waldgang). Para ele, a floresta era o símbolo do 'Ser supratemporal' ou 'o Ego' e, ao 'recuarmos' nela, 'o caminhante na floresta' (Waldgänger) pode resistir à corrupção moral do interregnum. Confrontados com as 'forças demoníacas de nossa civilização', l'uomo differenziato rejeita a escolha aparente ('ou uivar com os lobos ou lutar contra eles') e encontra uma alternativa em 'sua existência como indivíduo, em seu próprio Ser que permanece inabalado'. Interessantemente, Jünger afirma que o
"recuo para a floresta (Waldgang) não é...dirigido contra o mundo da tecnologia, apesar disso ser uma tentação, particularmente para aqueles que lutam para recuperar um mito. Indubitavelmente, a mitologia ressurgirá novamente. Está sempre presente e ergue-se em um momento propício como um tesouro vindo à superfície. Mas o homem não retorna ao reino do mito, ele o reencontra quando o tempo está fora de encaixe e no círculo mágico do perigo extremo."
Enquanto o conceito de Waldgang é claramente outro aspecto de apoliteia (ou talvez o seu reverso), artistas apolitéicos percebem a si mesmos como 'caminhantes na floresta'. Eles necessariamente aludem a mitos - quer pagãos ou, menos frequentemente, cristãos - mas tais alusões não representam uma tentativa de retornar a um passado mitologizado. Nem as posições desses artistas poderiam ser consideradas como antimodernas, muito menos antitecnologicas. Ao contrário, eles escolhem 'tanto a floresta como o navio', na medida em que se opõem ao interregnum decadente com seu comprometimento interior a uma modernidade alternativa reencantada da nação renascida, do invididualismo heróico e de uma ética de honra militar subjetivamente interpretada.
Neofolk e Martial Industrial: as origens
Indubitavelmente os exemplos mais óbvios de música apolitéica - que se revela através da música, letras, nomes de bandas, títulos de álbuns e músicas, arte das capas, estilo de vestimenta bem como é sutilmente articulado em performances ao vivo - pode ser encontrado em certas obras de Neofolk e Martial Industrial. A partir de um ponto de vista 'técnico', os dois gêneros podem parecer musicalmente diferentes. Os artistas típicos de Neofolk cantam canções 'folclóricas' melancólicas ao acompanhamento de violões, violinos e piano, enquanto os projetos típicos de Martial Industral criam sonoplastias bombásticas e sinistras que comumente envolvem vários samples de marchas militares, sons de batalha ou discursos beligerantes. Os gêneros se relacionam - o que não é surpresa - com a interpretação evoliana da origem idealizada da atualmente dessacralizada música moderna ocidental. Sob seu ponto de vista, como exposto em Cavalcare la tigre, 'a música ocidental mais moderna tem sido caracterizada por um distanciamento cada vez maior de sua linhagem, tanto da linha melodramática, melódica, heroicamente romântica e pretensiosa (cujo último exemplar é tipicamente representado pelo Wagnerismo), e da linhagem trágico-patética (precisamos apenas fazer menção às principais idéias de Beethoven)'. Ainda que seja improvável que o próprio Evola fosse apreciar os exemplares mais extremos de Martial Industral, é significativo que ambos gêneros - não importa o quão 'tecnicamente' diferentes eles sejam - se encaixem em sua descrição.
Música Apolitéica é organicamente acomodada dentro do Neofolk e do Martial Industral já que suas raízes se encontram nas traduções culturais nacionais e revolucionárias. Enquanto o Martial Industral claramente descende da música Industrial, Peter Webb e Stéphane François corretamente afirmam que o Neofolk, também, é uma emanação da música Industrial. O Industrial pode ser brevemente e, inevitavelmente de modo inadequado, caracterizado como uma fusão entre Rock e música Eletrônica, misturado com experimentações avant-garde e provocação Punk. Apesar do gênero ter nascido 'geneticamente' em meados dos anos 70 com o estabelecimento da gravadora Industrial Recordas, Karen Collins rastreou o primeiro uso do termo 'industrial' aplicado à música no prefácio de Musica Futurista de Francesco Balilla Pratella em 1912. Luigi Russolo, outro músico futurista e colega de Pratella, foi o autor de um manifesto de 1913 entitulado L'Art des bruits (A Arte dos Barulhos) no qual é possível aparentemente encontrar a primeira conceitualização do Martial Industrial. Considerando a variedade de barulhos naturais e artificiais que poderiam ser empregados para a projetada 'revolução da música', Russolo escreve: 'E nós não podemos esquecer os próprios barulhos da Guerra Moderna. O poeta Marinetti, em uma carta das trincheiras búlgaras de Adrianópolis descreveu para mim...em seu novo estilo futurista, a orquestra de uma grande batalha.' Apesar de o Futurismo de Russolo não tê-lo atraído para o Fascismo Italiano, Pratella e Filippo Marinetti se tornaram - como muitos outros Futuristas - apoiadores ardentes do regime de Mussolini. Obviamente, a música Industrial moderna foi influenciada por outras tendências culturais e musicais (Dadaísmo, musique concrète, Pop, Rock, Eletrônico e Pós-Punk), mas sua emergência (ou melhor, reemergência) em meados da década de 70 foi um resultado da evolução 'espiritual' da música Futurista.
À parte das influências gerais que moldaram a música Industrial, o Neofolk se inspira fortemente nas tradições folclóricas nacionais. O primeiro ponto de referência é uma onda das assim chamadas 'root revivals' que varreram o mundo europeizado algumas décadas após a Segunda Guerra Mundial, alcançando seu apogeu nas décadas de 60 e 70. Várias características principais caracterizaram 'root revivals': Em primeiro lugar, a revitalização e imitação da música tradicional nacional; em segundo lugar, a adaptação da música folclórica à gêneros musicais modernos, especialmente ao Rock e Pop; e, em terceiro lugar, a politização da música folclórica. Como Britta Sweers afirma, 'no contexto dos vários ressurgimentos folclóricos no século XX, a terminologia [música folk] sempre foi combinada com significados políticos ou ideológicos, em particular com a idéia de música tradicional ou folk como um contraponto à música popular (ou seja, comercial)'. Politicamente, a maioria das bandas e cantores-compositores folk foram influenciados por idéias esquerdistas enquanto os 'eventos de Maio de 1968' tiveram um forte impacto no desenvolvimento dos 'roots revivals'. A orientação esquerdista dos artistas folk era particularmente evidente na Alemanha, onde o roots revival encontrou um problema de legitimidade dado que a Volkmusik foi 'destruída' pelos 'kurzbehoste [os de calças curtas] dos grupos juvenis alemães e dos exércitos de soldados e partidários Nacional-Socialistas' através do seu 'uso agressivo das canções e da tradição'.
Apesar de os 'roots revivals' nos EUA e Europa terem - em certa medida - contribuído para a emergência do Neofolk na década de 80, as bandas apolitéicas de Neofolk aparentemente buscam inspiração não nas canções folk de protesto esquerdista dos anos 70, mas nos ressurgimentos folclóricos prévios que ocorreram no final do século XIX e início do século XX. Esses ressurgimentos variaram através dos países europeus. Na Grã-Bretanha, por exemplo, o fenômeno estava associado com colecionadores de canções folclóricas como Cecil Sharp, Ralph Vaughan Williams e Lucy Broadwood, que tomaram a iniciativa - bem-sucedida - de aumentar a apreciação popular da música folk e 'preservar' uma tradição folclórica distintamente inglesa. Na Alemanha, o ressurgimento folclórico se desdobrou dentro de vários clubes e movimentos como os Der Wandervogel (Pássaro Migratório). Esse movimento surgiu em 1896 'em reação a aspectos da vida e estética burguesas e apresentava uma contracultura às onipresentes e harmônicas Männergesangsvereine (sociedades de corais masculinos) do final do século XIX'; ele 'objetivava resgatar uma identidade nacional para a Alemanha, baseada em suas canções'. Na Itália, um dos mais famosos colecionadores de canções folclóricas foi ninguém mais, ninguém menos do que Francesco Balilla Pratella, que abandonou o movimento Futurista após a Primeira Guerra Mundial e dedicou o resto de sua vida à música tradicional de sua Romagna natal, 'para o grande desgosto de Marinetti'. Notavelmente, ao mover-se da música Futurista ao folk tradicional italiano, Pratella antecipou o surgimento do Neo-Folk a partir do milieu Industrial na década de 80.
'Europa esta morta' - 'Procurando por Europa' - 'Europa, Desperta!'
Europa - ou mais um conceito altamente mitologizado e idealizado de Europa - é central para o ethos da música apolitéica. Em verdade, Europa há muito tem sido objeto popular de mitologização. Uma estátua modernista em frente ao Parlamento Europeu em Strasbourg representa Europa como uma mulher sentada em um touro. A estátua representa o antigo mito grego da abdução de Europa pelo lascivo Zeus disfarçado como um touro branco. Ao longo dos séculos o mito foi objeto de milhares de obras de arte, mas nos tempos modernos a idéia de Europa gerou ainda mais interpretações: um bastião do Cristianismo, uma parte do 'Mundo Livre', uma vanguarda da civilização, um lugar imprensado entre as potências capitalistas e socialistas ou, mais recentemente, dividida pelo ex-presidente americano George W. Bush em uma 'nova Europa' favorável à Guerra do Iraque e uma 'velha Europa' que duvidava da validade da campanha militar. Esses são construtos mitológicos aplicados a uma mesma região geográfica. Fascistas, ou Eurofascistas, construíral sua própria Europa mitológica como uma 'entidade cultural homogênea ou comunidade racial primordial'. Com relação à música direitista radical, pode-se distinguir os três temas líricos e artísticos principais aludidos no título dessa seção: a morte da Europa; Europa no interregnum; e o renascimento da Europa.
Sob o ponto de vista do Waldgänger, há várias causas para a morte da Europa. Foi, em primeiro lugar, uma consequência do estabelecimento da Nova Ordem Mundial, marcada pela dominação dos valores liberal-democratas e da rejeição dos mitos fascistas europeus. Em uma entrevista com a banda apolitéica anglo-holandesa H.E.R.R., um dos vocalistas, Troy Southgate, que também é um prolífico autor da Nova Direita, afirma:
"Na Europa...as abominações gêmeas da Americanização e da democracia liberal estão devorando a própria alma de nossa civilização. O individualismo substituiu a individualidade, a economia tem prioridade sobre as idéias, e a sociedade consumista de massa atropela barbaramente o politeísmo, a identidade e a diversidade".
Se a democracia liberal é a inimiga da identidade cultural européia, interpretada em termos fascistas, então a Conferência de Yalta de 1945 - onde os líderes da Grã-Bretanha, Estados Unidos e URSS discutiram a reorganização pós-guerra da Europa - foi claramente o início da marcha fúnebre. 'Death in June' deixa a mensagem clara:
'Sons of Europe
Sick with liberalism
Sons of Europa
Chained with capitalism...
On a marble slab in Yalta
Mother Europe
Was Slaughtered'
[Filhos da Europa
Cansados do liberalismo
Filhos da Europa
Agrilhoados com o capitalismo...
Sobre uma tábua de mármore em Yalta
Mãe Europa
Foi trucidada]
A Morte da Europa (ou, talvez, seu 'mero' declínio) também está ligada ao crescente multiculturalismo dos Estados europeus. Em sua análise da 'cena Euro-Pagã', Stèphane François afirma que tais bandas 'condenam a sociedade multicultural, vista como a manifestação do declínio dos valores europeus e a vitória do universalismo ocidental corruptor'. Josef Maria Klumg do Von Thronstahl, uma das bandas apolitéicas mais influentes e prolíficas, corrobora claramente essa noção:
"O assim chamado 'multiculturalismo'...cria uma população mestiça sem qualquer cultura real...o 'choque de culturas' já causou muito dano nas grandes cidades alemães, onde você pode ver e sentir o 'Declínio do Ocidente' spengleriano simplesmente caminhando por algumas ruas."
O músico russo Ilya Kolerov (Wolfsblood) ecoa a preocupação de Klumb pela identidade cultural européia. Enquanto ele afirma que não gosta 'nem do comunismo, nem do nazismo, nem da moderna democracia judaica', Kolerov admite abertamente: 'Talvez, eu seja parcialmente racista. Eu não quero que Moscou se torne uma cidade asiática. Eu quero ver franceses e ingleses puros nas ruas de Paris ou Londres." O argumento de Kolerov se baseia nas 'novas teorias racialistas' do etnopluralismo promovidas pela Nova Direita Européia e propagadas na Rússia pelo filósofo 'fascista metapolítico' Aleksandr Dugin. A teoria etnopluralista defende o pluralismo etnocultural globalmente mas é crítica do pluralismo cultural (multiculturalismo) em qualquer sociedade específica. Distorcendo um chamado democrático pelo direito de todos os povos e culturas de serem diferentes, a teoria tenta portanto legitimar o exclusionismo europeu e a rejeição da miscigenação. Em termos etnopluralistas, a "mistura de culturas" e a supressão das "diferenças culturais" corresponderia à morte intelectual da humanidade e poderia até mesmo pôr em perigo os mecanismos de controle que garantem sua sobrevivência biológica.'
Toroidh, uma das bandas de Henrik N. Björkk (à parte da já defunta Folkstorm), elabora musicalmente outra explicação para a morte da Europa em European Trilogy. Em uma entrevista conduzida pela revista britânica Compulsion Online seguindo-se ao lançamento de Europe is Dead, a segunda parte da trilogia, Björkk conta a seus leitores: 'A European Trilogy é baseada no caótico século XX - as guerras mundiais, os conflitos étnicos e o sonho de uma Europa unida. A Europa que conquistou o velho mundo, e colonizou o novo, e que desapareceu com a Segunda Guerra Mundial.' Björkk presumidamente ergue o espectro da visão eurofascista da 'guerra civil européia' perdida no século XX, perdida não para um país europeu ou outro, mas para os não-fascistas. Em qualquer caso, o 'sonho de uma Europa unida' de Bkörkk claramente não tem nada a ver nem com a Comunidade Econômica Européia, ou com a União Européia mas é, ao invés, de uma Europa unida fascista, uma noção que era extremamente popular dentro de certos círculos Fascistas italianos e Nazistas.
A visão de uma Europa morte é articulada não apenas nas letras, títulos de canções e entrevistas de artistas, mas é também graficamente expressa em capas e encartes de álbuns. Na maioria dos casos o tema da morte da Europa é representado em imagens melancólicas de esculturas de cemitérios, pessoas de luto com as cabeças baixas, soldados mortos e seus pertences, campos de batalha e trincheiras abandonadas. É claro que as imagens representadas não implicam que um dado álbum irá - quer musicalmente ou liricamente - focar exclusivamente na morte da Europa. A maior parte das bandas apolitéicas combina os três temas eurocêntricos, ainda que cada tema tenha suas representações gráficas específicas.
A banda alemã Darkwood tem sua própria trilogia que lida com a 'luta pela Europa'. A primeira parte é intitulada In the Fields, e sua capa mostra um baixo-relevo de uma mulher triste se ajoelhando sobre um joelho, sua cabeça baixa em uma mão e uma flor na outra. A capa da segunda parte, Heimat & Jugend (Pátria e Juventude), mostra uma imagem de um cemitério belga. A terceira parte Flammende Welt (Mundo em Chamas), tem em sua capa outro baixo-relevo, este representando um médico militar presumidamente servindo com as forças do Eixo (ele porta um capacete de aço M35) carregando seu camarada caído ou gravemente ferido.
Flammende Welt começa com a faixa instrumental solenemente agourenta 'For Europe', e eventualmente conclui com a canção 'In Ruinen', que indubitavelmente alude ao livro de Evola Gli uomini e le rovine (literalmente 'os homens e as ruínas', mas usualmente traduzido para o português como Homem Entre as Ruínas), publicado em 1953, antecipando portanto o Cavalcare la Tigre de 1961. Henryk Vogel, o homem por trás de Darkwood, comenta: 'o final aberto "Em Ruínas" não é apenas o estado após o conflito europeu mas também uma premonição sombrio do que está por vir...Na última música [In Ruinen], vocais sussurrados anuncia que haverá uma resistência cultural - a qual será necessária não apenas para a Europa.' Em outro comentário sobre a música, Vogel pondera que o desenvolvimento da Europa após a guerra e afirma que 'eles decidiram pelo Plano Marshall e compraram nossas almas com ouro. Mas algumas almas não podem ser compradas, e uma Europa Secreta continua viva - como expresso em "In Ruinen".' Similarmente, Ian Read da banda britânica Fire + Ice responde à pergunta de se ele ainda acredita na Europa: 'Todo o mundo está rapidamente se tornando o mesmo e isso é dolorosamente óbvio na Europa que está rapidamente perdendo qualquer essência que já possui. Em verdade, este Espírito permanece apenas em algumas pessoas especiais que o cultivam.'
Para os fascistas, 'uma Europa Secreta' está oculta no interregnum, enquanto a Europa da 'mortal' ordem liberal-democrata e da sociedade multicultural 'homogeneizadora' triunfam. Aqueles que se sentem devastados pela suposta perda de uma velha Europa de hierarquia aristocrática, comunidade etnocultural orgânica, sacrifício e heroísmo não tem outra solução senão 'recuar para a floresta' e encontrar a resposta para a situação atual lá.
"He walked to the forest, to the lair of the wolf
Said: 'I'm looking for Europe, I'll tell you the truth.'
Some find it in a flag, some in the beat of a drum
Some with a book, and some with a gun
Some in a kiss, and some on the march
But if you're looking for Europe, best look in your heart."
[Ele caminhou até a floresta, para o lar do lobo
Disse: 'Estou procurando por Europa, vou lhe dizer a verdade'
Alguns a encontram em uma bandeira, outros na batida de um tambor
Alguns com um livro, e alguns com uma arma
Alguns em um beijo, e outros na marcha
Mas se você busca pela Europa, melhor procurar no seu coração.]
Referências a Ernst Jünger estão em todo lugar em textos e imagens de música apolitéica. Pelo menos duas bandas Neo-Folk dedicaram álbuns ao escritor alemão: Sagittarius (Die Grosse Marina), e Lady Morphia (Recitals to Renewal). O segundo álbum apresenta uma faixa chamada 'The Retreat into the Forest' [O Recuo à Floresta] na qual um cantor recita um trecho da tradução inglesa do Der Waldgang de Jünger. Em 2001 a gravadora alemã Thaglasz, que evoluiu de um fã-clube do Death in June, lançou a verdadeiramente pan-européia compilação em três LPs chamada Der Waldgänger. Como poderia se esperar, muitas das faixas são nomeadas com base em livros e artigos de Jünger, e alguns tem títulos que refletem uma certa elaboração das idéias em seu ensaio supramencionado: 'Innere Emigration' (Emigração Interior) do This Morn' Omina, 'A Solitary Order' [Uma Ordem Solitária] do Luftwaffe e o provocativo 'Waldgang & Apoliteia' do Von Thronstahl.
Von Thronstal, cuja música, nas próprias palavras de Klumg, 'reflete a nostalgia pela verdadeira Identidade e Alma européias', 'nosso lar secreto que é Europa', demonstra a mais aguda perspicácia no que concerne o 'fascismo metapolítico'. Uma das faixas da banda é chamada 'Interregnum' e está inclusa no álbum Pessoa/Cioran, dedicado a Fernando Pessoa e Emil Cioran. Pessoa foi um poeta modernista português que misturava 'um sentimento nacionalista elitista, que favorecia líderes autoritários, com certo viés poético avant-gaarde e um misticismo anticlerical'. Apesar de sarcasticamente crítico do Estado Novo de Salazar (especialmente após ter banido organizações secretas como a Maçonaria e os Rosacruzes), Pessoa abraçou o Salazarismo e, em 1936, um ano após sua morte, o governo republicou alguns poemas de seu livro Mensagem (1933) para celebrar o aniversário do regime. Cioran foi um filósofo romeno que, no curso da década de 30, simpatizou tanto com os regimes fascistas italiano e alemão, bem como era extremamente próximo do movimento fascista romeno Guarda de Ferro, também conhecido como a Legião do Arcanjo Miguel. O líder da Guarda de Ferro, Corneliu Codreanu, também foi honrado com uma compilação especial dupla, Codreanu: Eine Erinnerung an den Kampf (Codreanu: uma reminiscência da luta), que incluiu muitos artistas do Neofolk e do Martial Industrial.
Compilações temáticas são meios importantes para a expressão da idéia da Europa no interregnum. Tributos musicais a indivíduos (geralmente ícones genuínos tanto para neofascistas como para 'fascistas metapolíticos'), tais como Ernst Jünger, Corneliu Codreanu, Julius Evola, Leni Riefenstahl, Arno Breker, e Friedrich Hielscher, revelam que essas figuras - de um modo ou outro associadas com o fascismo - são verdadeiros expoentes da Europa agora morta e, ao contribuir suas faixas para essas compilações, artistas apolitéicos reconfirmam sua fidelidade aos princípios da 'Europa orgânica'. O sentimento e percepção do interregnum é, talvez, melhor descrito na música 'Runes and Men' do Death in June (outra alusão ao Glu uomini e le rovine):
"Then my loneliness closes in
So, I drink a German wine
And drift in dreams of other lives
And greater times"
[Então minha solidão aperta o cerco
E eu bebo um vinho alemão
E vago em sonhos de outras vidas
E tempos mais grandiosos]
A específica expressão estilística do tema do interregnum se encontra fora do próprio reino da música. Enquanto pode-se corretamente considerar que as imagens de ruínas retratadas nas capas de álbuns e/ou encartes faz referência ao tema da morte da Europa, parece mais razoável - dada a enorme popularidade de Evola entre os artistas apolitéicos - ligar tais imagens ao tema do interregnum. O mesmo se aplica a imagens de florestas. É claro que quando artistas ilustram seus álbuns com tais imagens (às vezes os próprios artistas são retratados nelas), é possível concluir que eles simplesmente gostam de florestas. Pode-se também interpretar florestas como símbolos do enraizamento orgânico duradouro e/ou da dissociação voluntária da assustadora decadência da modernidade. Ambas explicações são legítimas e muito provavelmente corretas em muitos casos. Porém, o legado de Jünger, cujo fantasma assombra a cena Neofolk/Martial Industral, não pode ser ignorado; portanto, a imagem de floresta pode muito bem aludir à idéia do 'recuo à floresta' que significa a existência durante o interregnum.
A idéia de renascimento (palingenesis) da Europa é um elemento importante e integral da música apolitéica eurocêntrica. Essa noção implica que, apesar da morte da Europa, seguida por um interregnum indefinido duranto o qual os 'Aristocratas do Espírito' são forçados a realizar um Waldgang, uma Europa mítica (ou, melhor, sombria) de 'fascistas metapolíticos' inevitavelmente ressurgirá. A banda alemã Belborn inseriu essa idéia de forma metafórica em uma canção chamada 'Phoenix':
"In dieser kalten Welt aus Eis
Sind wir das Feuer das bewahrt
Die Wahrheit in des Wesens Kern
Den Schöpfungsgeist in Wort und Tat.
Vogel aus der Götter Hand
Hebe uns empor
Setze die Welt in Brand."
[Nesse mundo frio de gelo
Nós somos o fogo que mantém
A verdade na semente essencial
O Espírito criativo em palavra e ação
Pássaro das próprias mãos dos Deuses
Ergue-nos alto
Ateia fogo ao mundo]
Refletindo sobre o 'renascimento espiritual' da Europa em uma entrevista com a revista romena Letters from the Nuovo Europae, Belborn, porém, nega a morte da Europa, mantendo que ela estava apenas dormindo: 'Não é preciso parir algo novamente que nunca morreu! Europa está apenas dormindo no momento porque Morfeu era e é ocupado demais. Europa desperta!!!' Em qualquer caso, ambas idéias - o Renascimento da Europa e seu Despertar - são metáforas mitológicas que revelam o impulso palingenético da música apolitéica. A banda de Troy Southgate Seelenlicht expressa isso citando Demian de Hermann Hesse (1960) na capa interior do álbum Gods and Devils: 'O pássaro rompe o ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer, deve primeiro destruir um mundo.' Além da similaridade das metáforas dos pássaros nestes textos dos álbuns de Belborn e Seelenlicht, ambos apontam para a morte da ordem atual que irá gerar uma nova. Nesse contexto, a destruição necessária não é a da 'Europa orgânica' mas do atual 'McMundo' da democracia liberal. Essa conotação da noção de palingenesis é efetivamente articulada por Howard Williams em seu artigo sobre o emprego dos termos 'metamorfose' e 'palingenesis' por Immanuel Kant: 'Quando uma mudança palingenética ocorre, a estrutura existente assume uma aparência totalmente inapropriada, que está fora de sintonia com a verdadeira natureza do organismo. Aqui o nascimento de uma nova estrutura pode ocorrer apenas com a morte completa da velha.'
Portanto, não é coincidência que, por exemplo, a banda americana Luftwaffe associa palingenesi com Kalki, uma Deusa hindu que irá pôr fim à presente era (Kali Yuga) de decadência e degeneração, em 'Kalki's Army':
"We'll tear this world to shreds
We'll rip your world to shreds
Your corporations will burn
Your institutions will burn
Your churches will burn
You will burn!...
Within the Meta-Kronosphere
This moment is decried
You would have thought
Your actions were your own
But history has moved your hand
Now history has given us this day
The dark ages are over
Our age is come."
[Nós vamos despedaçar seu mundo
Nós vamos rasgar seu mundo em pedaços
Suas corporações vão queimar
Suas instituições vão queimar
Suas igrejas vão queimar
Sua bandeira vai quemar
Você vai queimar!...
Dentro da Meta-Kronosfera
Esse momento é execrado
Você teria pensado
Que suas ações eram suas próprias
Mas a história moveu sua mão
Agora a história nos deu este dia
As eras de trevas acabaram
Nossa era começou.]
A associação de palingenesis com Kalki pode ser encontrada nos escritos da mística nazista francesa Maximiani Portaz, melhor conhecida como Savitri Devi. Durante os anos do Terceiro Reich ela ativamente propagandeou uma crença de que Hitler era um avatar de Kalki, destinado a esmagar 'as forças das trevas combinadas do Judaísmo, do Marxismo, e do Capitalismo Internacional'. O impacto dos escritos de Savitri Devi sobre o neonazismo bem como sobre o 'fascismo metapolítico' é considerável. A banda apolitéica alemã Turbund Sturmwerk cita seu O Relâmpago e o Sol na contra-capa de seu álbum epônimo: 'Não se importe com quão sangrento o golpe final poderá ser!...Nós estamos aguardando por isso e pelo triunfo de todos aqueles homens que, através dos séculos e hoje, jamais perderam a visão da Ordem eterna, decretada pelo Sol...' Esse 'leitmotif' - obviamente, nem sempre um resultado da adoção dos delírios de Devi - reaparece repetidamente nas letras e entrevistas de artistas apolitéicos. Henryk Vogel, por exemplo, assume que 'é possível que tudo vá ruir e virar pór e que uma nova geração surgirá das cinzas desse sistema materialista para instaurar uma nova ordem de esplendor e luz'.
Interessantemente, a idéia de renascimento da Europa também revela a si mesma através dos nomes das gravadoras que lançam - quase exclusivamente - música apolitéica. Em 1981 Douglas Pearce fundou a New European Recordings, cuja discografia inclui os álbuns de sua banda (Death in June), bem como de outros projetos como Boyd Rice and Friends, Fire + Ice, TeHÔM e Strength Through Joy. Em 2002 a gravadora belga Neuropa Records foi fundada para lançar álbuns por tais bandas como Toroidh, Horologium, Un Défi d'Honneur, Levoi Pravoi, Oda Relicta e outras.
É importante notar que a palavra 'palingenesis' ela mesma ganhou popularidade no meio apolitéico. O que é ainda mais importante é que ela é interpretada por fãs conscienciosos em um sentido 'fascista metapolítico', mesmo se o termo não aparecer realmente. Veja, por exemplo, um review da faixa instrumental 'Palingenesis', composta pela banda sueca de Martial Industsrial Arditi, pelo sabor tanto desse tipo de interpretação apolitéica intuitiva e da música Martial Industrial:
"'Palingenesis' começa com uma percussão bombástica que imediatamente incendeia a alma. O tambor ecoa dos alto-falantes com incrível definição e profundidade. Uma caixa se une ao tímpano acrescentando dimensão e impingindo uma tonalidade definitivamente marcial à canção. Sintetizadores solenes contribuem com um senso de atmosfera que é bem antigo e resignado. 'Palingenesis' pinta uma imagem mental de soldados alinhados prontos para marchar para o combate, resignados com seus destinos, e unidos por honra e sangue."
H.E.R.R. reproduz quase a mesma 'pintura mental' em sua música 'A New Rome':
"Marching through the rain
We are soldiers again
We are raised from the fields
With our swords and our shields...
A city to win
With the sun on our skin
We failed in the past
But today she will last."
[Marchando através da chuva
Somos soldados novamente
Fomos recrutados dos campos
Com nossas espadas e nossos escudos...
Uma cidade para conquistar
Com o Sol em nossa pele
Nós falhamos no passado
Mas hoje ela durará.]
Estética militar é, não surpreendentemente, um dos elementos estilísticos mais empregados pela música apolitéica. Quando tais projetos e artistas como Death in June, Boyd Rice, Dernière Volonté, Les Joyaux de la Princesse e Krepulec se vestem com uniformes militares ou quase militares para performances ou fotografias promocionais, eles enfatizam sua imagem musical e lírica como 'soldados culturais' que mantém a bandeira hasteada na luta contra 'a era de decadência e demoloucura', como o título de uma das músicas do Von Thronstahl afirma.
Evitando a política profana pela guerra espiritual
O semanário alemão da Nova Direita Junge Freiheit, em 1996 publicou um curto artigo sobre novas tendências musicais.
"Alemanha se tornou o centro de uma cultura musical enraizada nas correntes antimodernas da cena 'Gótica'. Romantizando o pathos e o poder arcaico (archaische Gewalt), a música abrange desde, por um lado, melodias classicamente influenciadas à, do outro, Industrial duro. Essa mistura contém uma força explosiva, a qual aqueles no mainstream musical que mantém guarda contra a velha tradição devem temer. Se o mítico e o irracional, bem como o desejo por instrospecção anti-Iluminista e transcendência viva, encontrarem uma voz na cultura jovem, o consenso estético do Ocidente será quebrado."
Esse artigo foi possivelmente a primeira tentativa de envolver os artistas Neo-Folk/Martial Industral na luta 'Gramsciana direitista' pela hegemonia cultural. Desde então, tem publicado entrevistas com artistas apolitéicos e reviews musicais entusiasmados. Na França, porém, a recepção da música Neofolk/Martial Industrial por pensadores da Nova Direita tem sido ambivalente. Por exemplo, o líder da Nova Direita francesa, Alain de Benoist, que gosta de música folclórica, acha perturbador quando artistas folk (como Death in June) acrescentam 'elementos da subcultura nazista' a sua música, e os considera provocadores. Por sua vez, Christian Bouchet, o fundador da Nouvelle Resistance (Nova Resistência), abraça o que eu chamo de música apolitéica, em oposição ao White Noise. A Nova Direita russa, associada principalmente com as organizações neo-eurasianistas de Aleksandr Dugin, especialmente a Ievraziiskii Soyuz Molodezhi (UEJ, União Euroasiática Jovem), tem uma opinião positiva da música apolitéica, e um líder da divisão local da UEJ de Kazan até possui uma pequena companhia (Arcto Promo) que organiza festivais musicais - chamados 'Finis Mundi' - que às vezes incluem bandas apolitéicas. O caso britânico é mais direto já que Troy Southgate, o líder da Nova Direita britânica e o fundador do grupo Nacional-Anarquista é ele mesmo um artista apolitéico. Ele também é o editor da revista da Nova Direita Synthesis; Journal du Cercle de la Roise Noire, na qual ele publica, inter alia, seus reviews de álbuns Neofolk/Martial Industrial.
Significativamente, todos os movimentos e grupos que, de uma maneira ou de outra, se voltam para essas bandas em uma tentativa de infiltrar certas subculturas jovens são metapolíticos, ao invés de políticos. Essas organizações então eventualmente descobrem que eles tem mais em comum com bandas do que com partidos genuinamente políticos, movimentos ou mesmo grupos neofascistas violentos. Similares aos músicos apolitéicos, que 'funcionam como um tipo de ponto de referência metapolítica para aqueles que se encontram desiludidos com o estado do mundo moderno', esses grupos da Nova Direita focam no terreno cultural em sua tentativa de influenciar a sociedade e torná-la mais suscetível a modos autoritários e antidemocráticos de pensamento.
Obviamente, há exceções. Troy Southgate já foi um membro do NF, mas ele abandonou a organização muito antes de ter começado a participar de projetos 'fascistas metapolíticos' musicais. Anthony Wakeford do Sol Invictus também já foi membro do NF e, em 2007, ele escreveu uma mensagem arrependida para o seu website dizendo que ele não tinha interesse ou simpatia pelas idéias do NF há mais de 20 anos, e que se juntar àquela organização havia provavelmente sido a 'pior decisão de sua vida, e uma da qual ele se arrependia'. Ademais, a possibilidade de que alguns músicos apolitéicos sejam membros de organizações políticas radicais ou de extrema-direita não pode ser descartada, mas é crucial que essa participação seja mantida em segredo e não propagada.
A razão pela qual artistas apolitéicos evitam envolvimento com atividades políticas abertamente direitistas não reflete preocupação por suas reputações (apesar de eles a valorizarem), mas sim a falta de correspondência entre a 'guerra espiritual' e a 'política profana'. Por exemplo, membros da banda Neofolk russa Ritual Front, que definem o conceito da banda como 'Tradição, antiguidade, modernidade, Deuses, morte, vida, guerra, luta, o caminho do guerreiro', ao mesmo tempo desdenhosamente afirmam: 'Nós não somos uma banda Oi nem participantes do underground skinhead que estão engajados na política diretamente!' Tanto os partidos políticos de direita radical e os grupúsculos racistas/nenazistas também parecem desprezar os 'revivalistas espirituais', que provavelmente se recusariam a tocar em concertos de campanha ou a pedir para se livrarem de 'inimigos raciais'.
A questão, porém, permanece sobre se bandas apolitéicas podem funcionar como instrumentos para popularizar e promover idéias genuinamente fascistas, a adoção das quais pode eventualmente levar seus ouvintes a contribuir à causa política, mesmo se tais bandas - talvez honestamente - não queiram isso. A resposta, sem dúvida nenhuma, é 'sim'. A música é um instrumento poderoso de (má)educação: a idealização do fascismo, enquanto super-enfatiza seus 'valores' e deliberadamente oculta (e até mesmo normaliza) seus crimes e práticas genocidas durante o período entre-guerras e a Segunda Guerra Mundial, efetivamente contribui para uma leitura errada da história moderna, especialmente por fãs conscienciosos. Nós podemos apenas conjecturar sobre se uma vontade individual se satisfará com apenas 'vagar em sonhos de outras vidas e tempos mais grandiosos' ou se eventualmente se tornará envolvida com tentativas de implementação prática desses 'sonhos'.
(...)