25/11/2017

Kerry Bolton - Foi o Bolchevismo um Produto do Messianismo Tradicional Russo?

por Kerry Bolton



Com o centésimo aniversário da Revolução Bolchevique em Outubro de 1917, a Rússia ainda é em grande parte produto daquele legado. Mas e quanto ao bolchevismo em si? O bolchevismo despertou forças contraditórias. Este artigo defende que a facção vitoriosa não foi a do marxismo doutrinário, mas sim que ela foi moldada pela "Rússia eterna", e metamorfoseada em algo distante do marxismo, como Trotsky e muitos outros marxistas lamentaram. Neste artigo, o bolchevismo é reexaminado como produto de uma longa tradição, focando nas opiniões do dissidente russo Mikhail Agursky.


A Rússia se encontrou em uma encruzilhada a partir do fim do século XIX, na medida em que ela começava a se industrializar e a se "modernizar". O sistema político não estava dando conta dessas demandas. Retratos do czarismo como uma tirania que brutalizava seu povo são um mito, emanando da propaganda muito bem financiada dos EUA, cortesia do banqueiro nova iorquino Jacob Schiff e seu jornalista pago George Kennan. [1] Muito foi realizado sob o czarismo em termos de bem-estar dos trabalhadores e camponeses, mas interesses industriais e financeiros externos, bem como o caos interno não permitiriam uma transição pacífica e gradual. Agentes do Alto Comando Alemão, da inteligência militar britânica e das finanças de Wall Street se debruçaram sobre a Rússia em sua época de caos, cada um querendo impor sua vontade sobre as imensas terras, povo e recursos. [2] As revoluções que ocorreram em fevereiro e outubro de 1917 possuíam dentro delas várias correntes contraditórias que às vezes convergiam. Com a eliminação do velho regime se iniciou uma década de conflito dentro do bolchevismo entre o que foi posteriormente chamado de "cosmopolitismo desenraizado" e o messianismo russo: o primeiro sob Trotsky, o segundo sob Stálin. A facção russa venceu, e o significado disso permanece um fator primário na política mundial. O que é usualmente ignorado ou deliberadamente ocultado, porém, é que enquanto Stálin é acusado de "trair a revolução" com seu "socialismo em um só país", esse rumo foi iniciado por Lênin.

Bolchevismo contra o Comunismo

Desde o começo houve uma ampla percepção no povo russo que diferenciava entre o comunismo com importação estrangeira, e o bolchevismo como manifestação russa. Trotsky e Zinoviev estavam identificados com o primeiro, Lênin com o segundo. [3] Era uma dicotomia que culminaria na expulsão dos trotskistas, e sob Stálin na reafirmação do caminho nacional e imperial leninista. Durante o levante dos marinheiros em Kronstadt em 1921 contra o governo soviético, os sentimentos eram contra Trotsky e Zinoviev, não contra Lênin. [4] Trotsky é lembrado como o "açougueiro de Kronstadt".

A rivalidade entre o socialismo germano-judaico e o socialismo russo vem desde os dias de Karl Marx e da Primeira Internacional. Este faccionalismo, apesar do pavoneado "internacionalismo" dos socialistas, se desenvolvia segundo linhas nacionais. Marx e Engels mantinham a tradicional animosidade germânica contra os eslavos, enquanto o anarquista Mikhail Bakunin e outros socialistas russos eram pan-eslavistas. Este pan-eslavismo e antagonismo entre socialismo russo e socialismo alemão tiveram um impacto primário sobre o bolchevismo e no desenvolvimento da URSS, onde o bolchevismo veio a ser visto por defensores do velho regime como a única escolha de libertação em relação ao capital estrangeiro, à influência política alemã e ao liberalismo ocidental.

A Alemanha disputava com a Rússia para ser o centro mundial do socialismo. Para a facção do bolchevismo que triunfou na Rússia essa era uma continuação da perspectiva messiânica da Rússia não menos que o misticismo da ortodoxia russa que vê a Rússia como tendo uma missão de refazer a humanidade. O que foi inicialmente chamado de Nacional-Bolchevismo se desenvolveu como parte intrínseca do socialismo russo. Agursky defendeu que a teoria marxista era uma "camuflagem histórica" para "processos históricos e geopolíticos mais profundos". [5]

Marx Russofóbico

Agursky se remete ao elogio de Lênin a Alexander Herzen em 1912 como o fundador do socialismo russo. Herzen havia estado em conflito com Marx e Engels. [6] O elogio de Lênin a Herzen foi, portanto, ideologicamente significativo. Lênin concluiu enfatizando o caráter russo do pensamento de Herzen: "Herzen foi o primeiro a levantar o grande estandarte da luta ao levar a sua palavra livre e russa às massas". [7] Isso está muito longe da atitude de Marx, quando ele escreveu a Engels que não desejava aparecer com Herzen, "não sendo da opinião de que a Velha Europa deva ser rejuvenescida com sangue russo". [8] Lênin focou em repudiar o liberalismo o que, como Agursky mostra, era uma antipatia que depois forneceu um chão comum entre os bolcheviques e aqueles que em um primeiro momento reagiram contra o bolchevismo, incluindo ex-oficiais czaristas e emigrados. É essa antipatia comum pelo liberalismo e um desejo dos bolcheviques de fazer da Rússia o centro de uma nova humanidade, como deseja o cristianismo ortodoxo, que permitiu uma reconciliação com o novo regime. Muitos retornaram à Rússia para se tornarem importantes na cultura soviética. Em outro sentido, internacionalistas marxistas, posteriormente chamados "cosmopolitas desenraizados" por Stálin, aqueles como Trotsky e Zinoviev (líder da má-fadada Comintern) foram expurgados em um processo que Agursky chama de "nacionalização", iniciada por Lênin.

O teórico trotskista Cyril Smith [9] defende que o socialismo russo não tinha nada a ver com Marx, que possuía o anti-eslavismo de um chauvinista alemão. Essa rivalidade entre socialismo russo e alemão por supremacia foi importante no desenvolvimento do bolchevismo.

Smith escreve:

"A Rússia tem, inevitavelmente, pairado como uma grande sombra nesse relato do desenvolvimento do marxismo, então é importante esclarecer a relação do próprio Marx com as origens do 'marxismo' naquele país. Como é sabido, a hostilidade de Marx e de Engels em relação à Rússia em suas primeiras obras políticas era tão profunda que ela às vezes se aproximava de um racismo anti-eslavo... Marx detestava aqueles, como A. I. Herzen (1812-1870) e M. A. Bakunin (1814-1876), que argumentavam que havia uma estrada nacional específica da Rússia para o socialismo, emergindo de qualidades especiais do 'espírito russo'. Quando as ideias socialistas se desenvolveram na Rússia, elas não tinham nada a ver com Marx..." [10]

Agursky afirmou que a Rússia havia, por volta de 1917, se tornado bastante influenciada por uma burocracia repleta de alemães e pelo capital financeiro estrangeiro. O bolchevismo foi uma revolta contra influências estrangeiras. A revolução foi uma de libertação nacional, não de revolução internacional inspirada por um eslavófobo germano-judaico. Marx e Engels, tal como qualquer outro alemão xenófobo, consideravam uma invasão russa da Europa com pavor, como o fim da civilização. "A retrógrada Rússia", afirmava Marx, devia ser civilizada pelo Ocidente, isto é, deveria passar pela fase do capitalismo, antes de alcançar o socialismo. [11] A necessidade de uma fase capitalista no desenvolvimento de uma nação é parte essencial da dialética histórica marxista, e portanto, a escravidão e o colonialismo eram historicamente justificados pelo marxismo, apesar de não ser mais proveitoso para a esquerda dizer isso. Durante a Guerra da Crimeia a russofobia de Marx e Engels se mostrou particularmente veemente. [12]

A Missão da Rússia

Por outro lado, os russos consideravam que eles possuíam uma missão de superar e reviver o decrépito e decadente Ocidente com o vigor russo. Os bolcheviques foram herdeiros dessa missão messiânica que havia sido proclamada por Dostoievski e outros. Dostoievski viu os socialistas russos se tornando "os mais fervorosos...campeões...do espírito russo". [13] Que eles empreenderam essa missão em nome do bolchevismo, ao invés de em nome da ortodoxia cristã, foi mais uma questão de rótulo. Esse messianismo russo-eslávico havia sido defendido por Herzen, afirmando que os russos ainda eram uma raça de juventude e saúde. [14]

Tal messianismo, herdado pelo socialismo russo, e trazido à fruição pelo bolchevismo, permitiu uma convergência até com um misticismo e gnosticismo difusos. A dicotomia dualista do gnosticismo se traduzia prontamente na dicotomia dualista do bolchevismo. Crenças apocalípticas gnósticas e sectárias de que o mundo era corrupto foram traduzidas em revolução. Agursky afirma que "seitas místicas russas desempenharam um papel extremamente importante na revolução bolchevique". [15]

A URSS sempre se referiu ao "Ocidente decadente" da mesma maneira que o fez o historiador conservador Oswald Spengler. É notável que o fundamental livro Declínio do Ocidente de Spengler se tornou um best-seller na Rússia Soviética já em 1923, quando ele foi traduzido. [16]

Herzen como pai do socialismo russo viu a Rússia tendo uma missão de liderar a revolução universal para renovar a humanidade. O marxismo alemão permaneceu comprometido com a supremacia da Pátria. Daí, os social-democratas alemães estarem entre os mais zelosos apoiadores do militarismo durante a Primeira Guerra Mundial. A preocupação primária de Lênin ao lidar com a Alemanha era garantir que uma revolução socialistas não ocorresse ali. Os comunistas alemães, de sua parte, mantinham a russofobia de Marx e Engels. Liebknecht, líder do Partido Social-Democrata Alemão, escreveu em Deve a Europa se tornar Cossaca? sobre a Rússia como semibarbárica e uma ameaça à liberdade europeia e, principalmente, germânica. Essa russofobia foi continuada por seu sucessor, Bebel. Durante os anos 80 do século XIX, Bebel afirmou a russofobia do partido, encorajada por Engels, que demandava um forte exército alemão. [17]

Bolchevismo

O caráter da Rússia como uma superpotência intrínseca molda a maneira pela qual o líder da Rússia desenvolverá seu regime, a não ser que ele seja como Iéltsin, por exemplo, alguém atipicamente interessado em integrar a Rússia na chamada "comunidade global", politicamente, economicamente e culturalmente, a curta duração indicando a profundidade da tradição russa. O bolchevismo de Lênin se tornou nacionalista e geopolítico, e noções de revolução mundial expressadas por partidos comunistas estrangeiros [18] foram postos a serviço da política externa russa. Aqueles que não podiam servir para isso foram postos para correr, e isso inclui particularmente os comunistas alemães, e a Comintern. Desde o conflito entre Marx e Herzen, Agursky diz que a "herança nacional do socialismo russo foi absorvida por Lênin em sua completude, apesar de transformado e sintetizado". [19]

O bolchevismo desprezava o liberalismo, epitomizado pelos democratas constitucionais ou o partido dos cadetes. Após o trifundo do bolchevismo muitos até mesmo entre oficiais czaristas e emigrados se reconciliaram com o bolchevismo por causa de sua criação de um Estado russo forte e centralizado. Agursky mostra que esse apoio direitista e ex-czarista ao bolchevismo foi sincero e baseado em princípios, e não oportunista.

A Okhrana, polícia secreta russa, havia cultivado contatos com os bolcheviques, considerando eles preferíveis aos mencheviques, aos socialistas revolucionários e aos cadetes. O editor do órgão bolchevique, Pravda, era um agente da Okhrana. O chão comum entre bolcheviques e a Okhrana era a oposição ao liberalismo, com o qual os mencheviques estavam alinhados. Os bolcheviques com sua oposição ao marxismo alemão e a outros marxismos ocidentais, foram considerados pela Okhrana como patriotas russos. [20] Em comparação com essas facções, Lênin e outros líderes bolcheviques eram bem tratados quando presos. [21]

No que Agursky chama de "Construção de Deus" entre os bolcheviques, Maxim Gorky, um socialista russo à maneira de Herzen, e uma influência primária sobre a cultura e ideologia soviéticas, se refere a "Deus [sendo] ressuscitado pela alma coletiva russa expressada como uma única vontade popular". [22] Ele até mesmo considerou as "Centúrias Negras", um movimento de massas antissemita da extrema-direita entre camponeses e operários, como um núcleo revolucionário. Muitos deles foram para o bolchevismo, novamente a oposição ao liberalismo e ao capitalismo sendo o fator comum. [23] Tanto Lênin quanto Stálin afirmaram que o liberalismo e o partido dos cadetes eram o inimigo, não as "Centúrias Negras". [24] Lênin, Stálin, Kamenev e Rykov, à época da Revolução de Fevereiro, falaram sobre uma revolução nacional, e Stálin se referiu marcadamente ao povo russo como "único aliado verdadeiro" de um "exército revolucionário russo". [25] Agursky afirmou que os maiores aliados dos bolcheviques foram a "direita radical", "que tornaram a revolução bolchevique possível". [26] As "Centúrias Negras" sempre foram anticapitalistas. O bolchevismo, para muitos russos, parecia preferível aos essencialmente judaicos mencheviques e socialistas revolucionários, e uma "ditadura do proletariado" era preferível ao liberalismo dos cadetes. [27]

Lunatcharsky, primeiro comissário soviético para a educação, e um homem de cultura que garantiu que a herança russa não seria devastada por marxistas zelosos e niilistas, foi outra figura importante da ideia de "construção de Deus" [28] Lunatcharsky, tão cedo quanto 1907, considerou que o bolchevismo era uma influência limitadora da destruição revolucionária. [29] Em 1928 ele citou a Bíblia no centésimo aniversário de Tolstói, afirmando que a Bíblia defendia o direito do campesinato contra o capitalismo. [30]

Lênin - Patriota Russo

O próprio Lênin era inequívoco em explicar que a revolução bolchevique era necessária para redimir a Rússia nacionalmente da degeneração, escrevendo durante a Primeira Guerra Mundial que "os proletários grão-russos" amam seu idioma e seu país. As "massas grão-russas" guiariam o mundo a uma nova humanidade. Os trabalhadores revolucionários queriam uma "Grã-Rússia livre, independente e orgulhosa". [31] Ele via a Rússia como uma potência mundial, não como o centro de uma revolução marxista mundial. Lênin escreveu da Rússia deixando de ser "desgraçada e impotente", para se tornar "poderosa e abundante". A revolução havia despertado os "poderes criativos do povo...para construir uma Rússia verdadeiramente poderosa e abundante". [32] O patriotismo, longe de ser um sentimento burguês para dividir a classe trabalhadora era, escreveu Lênin no Pravda em 1918, um sentimento "profundamente entranhado" e as "pátrias" eram o produto de milênios de desenvolvimento. A aparente traição do patriotismo pelo Armistício com a Alemanha, o Tratado de Brest-Litovsk, era infeliz, mas necessária, e não indicava um distanciamento do bolchevismo em relação ao patriotismo. Lênin inequivocamente afirmou que a revolução socialista deveria ser vista como uma tática para preservar a "independência e liberdade" da Rússia. [33]

Em 1919 Stálin repetiu o princípio leninista, que se tornaria a premissa stalinista, de que o governo soviético é verdadeiramente um "governo nacional", libertando a Rússia do "imperialismo mundial"; [34] a globalização da época. Stálin, como Spengler, Jung, Fichte ou o russo Berdyaev, escreveu das almas dos povos e da americana como uma "alma industrial-comercial", enquanto expressava a tradição messiânica do russo sacrificado e martirizado como salvador mundial. [35]

Convergência com a Direita

Agursky descreve o bolchevismo como um triunfo da vontade popular, na tradição do populismo russo. Lênin e outros líderes bolcheviques foram empurrados junto a isso. O bolchevismo se tornou uma revolta populista contra influências estrangeiras, economicamente, politicamente e culturalmente. O poeta Riurik Ivnev elogiou a revolução como um resultado messiânico: "Eu fui ensinado por Dostoievski/a compreender minha Rússia". [36] Os eruditos da Rússia se converteram ao bolchevismo, o interpretando em termos messiânicos, místicos e até cristãos. Essa tendência produziu duas coleções de poesia em 1917 e 1918; Skify ("Citas"). O editor era Ivanov-Razumnik, que considerava a revolução como genuinamente "russa", nem "estrangeira" nem marxista. Esses eslavófilos pró-bolcheviques acreditavam que a Rússia era a nova Cítia que expurgaria o mundo da decadência. Alexander Blok via a Rússia dessa maneira, delarando que o "velho mundo" pereceria perante os novos citas. Andre Bely, uma grande e duradoura influência sobre a cultura soviética, antroposofista e amigo de Rudolf Steiner, via o bolchevismo em termos místicos, cristãos, escrevendo da "Rússia, a Portadora Divina, que derrota a serpente", crucificada e ressuscitada. [37] Lunatcharsky via o russo em termos dostoievskianos como libertador messiânico do mundo. [38]

Entre os primeiros da direita a elogiar o bolchevismo esteve Vasily Sulgin que foi, antes da revolução, vice-presidente da organização conservadora União Nacional Pan-Russa. Ele via o Exército Vermelho como revigorando as Forças Armadas Russas. Ele previu a emergência de um líder que seria energizado pelo bolchevismo e motivado pelo nacionalismo. [39]

O romancista e poeta, Ieronim Yaskinsky, um nacionalista, considerava os bolcheviques como profundamente enraizados na Rússia, gerando fortes herois russos. Ele se tornou uma figura literária soviética.

O nacionalista de direita, professor Nikolai Ustrialov, anteriormente da Universidade de Moscou, tendo apoiado o reduto antibolchevique do Almirante Kolchak no Extremo Oriente Russo, depois de 1920 começou a defender o nacional-bolchevismo. Ele previu a aproximação do bolchevismo ao nacionalismo. [40] Ele era um hegeliano que via a história se desdobrando dialeticamente. [41] Como outros nacionalistas de direita que passaram para o bolchevismo, Ustrialov via o Estado soviético como tendo eliminado a podridão do liberalismo. A destruição causada pelo bolchevismo era um purgatório historicamente necessário que havia ressuscitado a Rússia. Os slogans sobre internacionalismo serviam aos interesses nacionais e imperiais da Rússia. [42] Harbin, China, onde ele e outros emigrados se assentaram, se tornou um centro da intelligentsia nacional-bolchevique. Entre os auto-declarados adeptos do nacional-bolchevismo estava Vladimir Lvov, que havia sido procurador do Santo Sínodo Russo. [43] Muitos retornaram à Rússia e desempenharam um papel influente especialmente na cultura da URSS. [44]

O Legado de Lênin

Agursky afirma que o "socialismo em um só país" de Stálin não era uma invenção; ele havia sido mesmo antes de 1917 uma grande influência sobre o bolchevismo. Para a "maioria dos bolcheviques" o objetivo não era a revolução mundial, mas uma revolução dominada pela Rússia; o anseio messiânico de Moscou como a "Terceira Roma" remodelando a humanidade à imagem russa. [45] A questão foi resolvida pelos Grandes Expurgos da década de 30. A Comintern foi fechada, comunistas estrangeiros, especialmente os alemães, foram varridos, e a maior parte do Comitê Central do PC alemão que havia conseguido fugir de Hitler foi executada na URSS. [46]

Talvez a ação mais simbólica tenha sido a restauração da Igreja Ortodoxa sob Stálin, cujo comprometimento pessoal com o ateísmo é duvidoso, ao ponto de hoje ele ser representado como santo em alguns ícones ortodoxos. O legado perdura. O Partido Comunista da Federação Russa, liderado por Zyuganov, tendo preservado um papel importante na política, com uma orientação nacional-bolchevique, pediu à Igreja em 2008 que canonizasse Stálin. [47] Em 2014, a Lavra da Trindade de São Sérgio em Moscou, um centro da ortodoxia, publicou um calendário comemorando a vida de Stálin, começando de seus dias como seminarista. Mikhail Babkin, um importante historiador russo especializado em estudos da Igreja Ortodoxa Russa, comentou que "O elo entre o Patriarcado de Moscou da Igreja Ortodoxa Russa e Stálin permanece estreito". [48]

Mesmo muitos ex-apoiadores do Czar passaram a considerar o apocalipse da revolução que desceu sobre a Rússia dialeticamente como uma necessidade histórica, e um prenúncio de um novo começo. A Rússia havia se tornado estagnada e estava se tornando uma colônia de estrangeiros, economicamente, politicamente e culturalmente. Ela precisava de uma cirurgia drástica. Reformar não era o bastante, muito menos com o liberalismo ocidental. Ainda há uma forte corrente de opinião entre os comunistas zyuganovistas, entre eurasianistas e outros tanto da direita e da esquerda russa, que acreditam que sem o bolchevismo a Rússia teria afundado em um lamaçal de decadência; que a partir das horrendas dores de parto da revolução e da guerra civil a Rússia renasceu, e restaurou as possibilidades de destino previstas por Dostoievski e outras figuras religiosas e literárias misticamente e messianicamente inclinadas ao longo dos séculos. É uma corrente que continua a existir em círculos influentes, e que persistiu na Rússia, seja sob o czarismo, o bolchevismo ou o putinismo.

Referências

[1] K. R. Bolton, Revolution from Above (London: Arktos Media Ltd., 2011), 57-65.
[2] Bolton, ibid. Also see Dr. Richard Spence’s Wall Street and the Russian Revolution 1905-1925 (Walterville, Oregon: Trine Day, 2017).
[3] Mikhail Agursky, The Third Rome: National Bolshevism in the USSR (London: Westview Press, 1987), 233. O Dr. Agursky foi um assessor da indústria militar soviética, se tornando depois um dissidente que migrou para Israel e buscou fazer carreira no meio acadêmico. Seu pai, Solomon, havia sido líder da seção judaica do Partido Bolchevique, e o historidor oficial do partido. O livro de Agursky é leitura essencial para compreender desenvolvimentos históricos na URSS.
[4] Agursky, ibid., 234.
[5] Ibid., xiii.
[6] Ibid., xiii.
[7] V. I. Lenin, “In Memory of Herzen,” Sotsial-Demokrat No. 26, 8 May 1912; https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1912/may/08c.htm
[8] Agursky, 21.
[9] John Plant, “Marking the Death of Cyril Smith,” https://www.marxists.org/reference/archive/smith-cyril/obituary.htm
[10] Cryil Smith, “Marx at the Millennium” (1998) https://www.marxists.org/reference/archive/smith-cyril/works/millenni/smith2a.htm
[11] Agursky, 17.
[12] Ibid., 18-19. See: Karl Marx and Frederick Engels, The Russian Menace to Europe, edited by Paul Blackstock and Bert Hoselitz (London: George Allen and Unwin, 1953).
[13] Dostoyevsky, Diary of a Writer, quoted by Agursky, 55.
[14] Agursky, 11.
[15] Ibid., 61.
[16] Ibid., 229.
[17] Ibid., 62-63, 65. 
[18] Ibid., 72.
[19] Ibid., 73.
[20] Ibid., 105.
[21] Ibid., 102.
[22] M. Gorky, Ispoved (“Confession,” 1907), cited by Agursky, 88.
[23] Agursky, 116-117.
[24] Ibid., 118.
[25] J. Stalin, Works, cited by Agursky, 150.
[26] Ibid., 151.
[27] Ibid., 152.
 [28] Ibid., 88.
[29] Ibid., 92.
[30] “Lunatcharsky Takes Bible as Tolstoy Celebration Text,” Jewish Telegraphic Agency, 13 September 1928.
[31] V. I. Lenin, Collected Works, quoted by Agursky, 144.
[32] Ibid., quoted by Agurksy, 193.
[33] Ibid., quoted by Agursky, 204.
[34] Agursky, 205.
[35] Ibid., 207.
[36] R. Ivnev, “Rossia,” 1922.
[37] A. Bely, Kristos voskrese, 1923.
[38] Lunatcharsky, cited by Agursky 206.
[39] Ibid., 238-239.
[40] Ibid., 240.
[41] Ibid., 243.
[42] Ibid., 245.
[43] Ibid., 247-251. 
[44] Ibid., 257.
[45] Ibid., 306.
[46] K. R. Bolton, Stalin: The Enduring Legacy (London: Black House Publishing, 2012), 6-9.
[47] Adrian Blomfield, “Could Joseph Stalin Be Made a Saint?,” The Telegraph, 22 July 2008; www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/russia/2445683/Could-Josef-Stalin-be-made-a-saint.html
[48] “Russian Orthodox Church Slammed for Stalin Calendar,” Radio Free Europe, 8 January, 2014; www.rferl.org/a/russia-stalin-calendar/25224022.html