28/01/2017

José Alsina Calvés - O "Dasein" e a Quarta Teoria Política

por José Alsina Calvés



Para Aleksandr Dugin [1] toda teoria política se fundamenta em um sujeito: o indivíduo, no liberalismo, a classe social no marxismo, e o Estado ou a raça no fascismo. Em sua proposta de uma Quarta Teoria Política (daqui em diante QTP) nos fala do Dasein como sujeito dessa teoria. O Dasein ou ser-aí é um conceito fundamental da filosofia de Martin Heidegger. Neste artigo tentaremos esclarecer o que significa exatamente o conceito de Dasein e de que maneira se relaciona com as teses de Dugin.

A "Pergunta pelo Ser"

Toda a obra filosófica de Heidegger, e especialmente seu livro O Ser e o Tempo [2] gira ao redor da "pergunta pelo Ser". Para Heidegger o "Ser" é o mais universal dos conceitos, mas ao mesmo tempo é o mais obscuro. O "Ser" não pode ser concebido como "ente" ou coisa, nem pode ser objeto de um determinado predicado. Por outro lado, o "Ser" é o mais compreensível dos conceitos, pois em todo conhecer, em todo predicar sobre um ente, se faz uso do termo "ser", e é compreensível sem mais [3].

A "pergunta pelo Ser" é uma pergunta fundamental, ou mais exatamente, a pergunta fundamental. Essa pergunta já a formularam os gregos, no momento inicial da filosofia: os pré-socráticos, e mais concretamente, Heráclito e Parmênides. Mas o devir da filosofia, já desde Platão e Aristóteles, se distanciou da "pergunta pelo Ser" e se centrou nos entes, ou mais concretamente, o "Ser" dos entes. Este distanciamento do "Ser" alcança seu ponto culminante na filosofia de Descartes, quando o "Ser" se identifica com o "pensar" (cogito, ergo sum). Com o racionalismo a filosofia ocidental culmina seu "esquecimento do Ser" e se centra o "pensar" os entes, quer dizer, controlar os entes. A matematização da física é uma das consequências da filosofia de Descartes, a qual torna possível a técnica moderna, que é para Heidegger, "metafísica realizada".

Em seu intento de retomar a "pergunta pelo Ser" Heidegger propõe um método: a fenomenologia [4]. Este método nos remete a Edmund Husserl [5], mestre de Heidegger. A fenomenologia é um intento de voltar "às coisas mesmas" e de filosofar sem pressupostos. O termo "fenomenologia" remete ao conceito de fenômeno, que significa tudo aquilo que de alguma maneira se manifesta. Não há que limitar a extensão do termo  se manifestar ao puramente sensível: um sentimento, uma obra de arte, uma instituição política, uma doutrina filosófica, se "manifestam" de um modo tã oreal como uma cor, ainda que de maneira distinta [6].

Heidegger não concebe a fenomenologia em si mesma, como Husserl [7], mas como um método capaz de obter um resultado determinado: a constituição de uma ontologia [8]. Portanto, a fenomenologia, segundo Heidegger, se limitará ao exame dos fenômenos ou aspectos dos fenômenos que apresentem alguma importância desde este ponto de vista. Em realidade, estes aspectos se reduzem a um só: o aspecto "Ser".

Agora bem, assentado o método há que apresentar o objeto, pois é necessário que um estudo do "Ser" se inicie com o estudo de tal ou qual ser. De todos os existentes diversos, qual há que tomar em consideração? O único existente que tem a faculdade de se interrogar: cada um de nós mesmos. Toda investigação sobre o Ser da existência em geral deve iniciar-se com a análise da existência humana [9].

Este privilégio atribuído ao ser humano não é arbitrário, nem resultado de preconceitos filosóficos, mas que se impõe pelos dados mesmos do problema. Não enuncia juízos de valor, nem estabelece nenhuma hierarquia: é o resultado da análise fenomenológica que nos mostra que este existente se caracteriza por sua capacidade de reflexão e por sua relação existencial com o tempo. A partir de agora o designaremos como Dasein, que pode traduzir-se como ser-aí.

Análise do Dasein

O objetivo último da filosofia de Heidegger é a construção de uma autêntica ontologia que responda à "pergunta pelo Ser". A analítica existencial, quer dizer a análise do Dasein, tinha que ser, a princípio, uma introdução a essa ontologia. Não obstante, ao ser sua obra principal Ser e Tempo uma obra inacabada, a atenção da mesma se foca na análise do Dasein, e portanto é o que ficou como contribuição fundamental de nosso filósofo.

A primeira consideração importante que há que fazer sobre o Dasein é que este nunca deve ser considerado como um existente já fixo, à maneira como "são" uma pedra ou uma mesa. O Dasein não é uma "coisa", ao contrário ele se caracteriza em seu ser pela relação permanente de instabilidade que mantém em si [10]. Tudo que o Dasein é ou pode ser se caracteriza por sua incerteza e se revela como dependente de possibilidades sobre as quais somente a ele cabe decidir. O que o Dasein é, é inseparável de sua existência e se confunde com ela, ou dito de outro modo, a essência do Dasein está em sua existência [11].

Outra característica fundamental do Dasein é que ele é um ser-no-mundo [12]. Aqui se impõe um esclarecimento do termo "no", pois designa habitualmente uma relação de conteúdo a continente: a água está no copo; o banco está na sala. Mas no caso que nos ocupa o sentido do termo "no" deve ser entendido de forma totalmente distinta. A herança do Dasein ao mundo que se anuncia no ser-no-mundo indica que a existência humana não se pode conceber senão com uma relação para com o outro, ou para com o que não é si mesmo. Quando se afirma que o Dasein está no mundo, se diz muito mais que a constatação de uma situação de fato: não há eu senão por e em uma relação com algo absolutamente exterior, que, uma vez organizado, será o mundo de minha experiência.

Este ser-no-mundo não deve ser visto como um atributo que se pode distinguir de outros atributos. O ser-no-mundo não pode ser deduzido de uma situação existentiva anterior, não posso imaginar o Dasein fora do mundo, e posteriormente colocado no mesmo. O ser-em constitui, fundamental e irredutivelmente o próprio ser de nossa existência [13]. Não há mundo sem sujeito, mas tampouco há sujeito sem mundo. O Dasein e o mundo são as duas faces de uma forma de existência indissociável: o ser-no-mundo.

Agora bem, o mundo não está formado somente por coisas. O Dasein encontra no mundo muitos outros Dasein. A descrição do mundo circundante implica a existência de outros Dasein, de um Mitdasein [14]. Mas antes de ver como se relacionam para formar o Dasein coletivo, o povo ou comunidade, devemos analisar a pluralidade e as formas dos Dasein.

Pluralidade dos Dasein

A forma mais imediata de existir do Dasein é a quotidianeidade. A existência quotidiana não é, nem pode ser, solitária. Cada um de nós vive em uma dependência radical em relação aos outros, mas se analiso a quem estou submetido em particular, não posso responder. Em relação a João, Pedro ou Maria posso comprovar que sou livre, mas em seu conjunto minha existência é totalmente heterônoma. Devo dormir de noite e trabalhar de dia se quero que meus assuntos funcionem; devo me vestir de uma determinada maneira se quero ser admitido em tal reunião; posso me subtrair a certas obrigações renunciando à condição social que implicam, mas isso me leva a outras possibilidades submetidas a outras pressões.

Este tirano anônimo é um sujeito neutro, impessoal, o "se" do diz-se, vista-se agora assim, escuta-se essa música. É o "um" (no alemão Man) [15]. O verdadeiro sujeito da existência quotidiana é este "se" ou "um" impessoal, que rende culto à banalidade média. Toda exceção deve ser destruída e o nivelamento universal é procurado encarniçadamente e a propósito de tudo. O secreto e a personalidade são combatidos sem trégua. O "um" fomenta a instauração de uma existência "aberta", completamente difundida e exposta a todos os ventos [16].

Essa é a forma inautêntica de ser do Dasein, mas não por ser inautêntica ela é menos real. Mas o Dasein pode existir de outras formas, alcançar sua autenticidade através do "resolução" [17]. É o único que põe ao Dasein na possibilidade de ser "si mesmo".

Aqui encontramos o fundamento de uma nova sociologia [18]. Passamos de uma sociedade fundada no "se" e na publicidade, a uma comunidade fundada no "Ser". Resolução é, ao mesmo tempo, abrir-se ao Ser, decidir-se a abandonar a queda, permanecer constantemente no Ser e fazer um projeto para pagar as dívidas para conosco [19].

Abrir-se ao Ser é abrir espaço à essência, o que implica abrir espaço para as verdades que queremos ocultar. Abertura é passar de um estado de ocultação a um estado de descoberto. Resolução não é decisão no sentido de vontade de domínio, mas decisão no sentido de persistência referida à verdae. Resolver-se é permanecer de maneira inconmovível no Ser. É um salto ontológico que funda e abre, e que cria o espaço da clareira do Ser [20].

Não há somente Dasein individual: há também um Dasein coletivo. A resolução do Dasein não tem sentido individualista, porque resolver-se a ser verdadeiramente o que se é, é decidir-se a ser com os outros, pois ser-um-com-o-outro pertence à essência do homem. Assim, o "destino coletivo" não é o conjunto de "destinos individuais", como tampouco pode conceber-se o ser-um-com-o-outro como o simple estar juntos vários sujeitos. O "destino coletivo" é o gestar-se histórico da comunidade, do povo [21]. O "destino coletivo" não é uma associação acidental de indivíduos com base em um contrato. As associações se constituem co mbase em contratos, mas uma comunidade já somos, não há que construí-la; em todo caso, há que reencontrá-la a base de resolução e retorno ao início [22].

O Dasein, assim entendido, é o melhor candidato a sujeito da Quarta Teoria Política

A Quarta Teoria Política e os Sujeitos

Uma das contribuições mais importantes de Dugin concerne sua teoria dos sujeitos. Cada uma das grandes teorias políticas da modernidade se caracteriza por ter um sujeito próprio: o indivíduo no liberalismo, a classe no marxismo e a raça ou o Estado no fascismo. A Quarta Teoria Política (QTP) que se opõe de forma radical à modernidade e ao liberalismo como sua teoria mais representativa deve ter também um sujeito. Neste ponto, Dugin é um pouco ambíguo. Em algumas passagens de sua obra se refere de forma explícita a Heidegger como fundamento filosófico da QTP e ao Dasein como sujeito [23]. Em outras passagens propõe diversas hipóteses sobre o sujeito da QTP, onde junto ao Dasein figuram outras alternativas [24].

Em nossa contribuição apostamos no Dasein como sujeito da QTP e em geral no pensamento heideggeriano como sua fundamentação filosófica. Ainda que neste artigo não possamos expôr o tema em toda sua extensão e profundidade, vejamos alguns de nossos argumentos.

Dasein e "Contrato Social"

O mito do "contrato social" é fundamental na constituição liberal da sociedade humana. O indivíduo se considera anterior à sociedade, e esta nasce do "livre" contrato entre indivíduos que se associam em benefício mútuo. Mas se considerarmos o ser humano como Dasein, o "contrato social" se revela como uma mentira.

Tal como vimos o Dasein é ser-no-mundo, quer dizer, não podemos imaginar o Dasein fora do mundo e colocado no mundo como quem coloca um livro em uma estante. Mas o mundo não está formado somente por coisas, mas também por outros Dasein. O Dasein não é somente ser-no-mundo, mas também ser-com-os-outros.

O ser humano não é um átomo isolado, que se associa com os outros. Vem ao mundo no seio de uma comunidade primária, que é a família, integrada por sua vez em outras comunidades maiores. O que no liberalismo é "sociedade" (associação voluntária em proveito mútuo) na QTP é "comunidade", algo a que não se pode renunciar, pois forma parte da estrutura existencial do próprio Dasein.

A essência da comunidade se refere à morte, pois esta é um dos elementos existenciários fundamentais do Dasein como ser-para-a-morte. Heidegger põe como exemplo a união dos soldados na frente bélica [25], para depois estendê-la a toda a comunidade. O culto aos mortos e aos antepassados é o elemento fundacional de toda religião (de religió, que re-liga) que não somente une entre si os membros de uma comunidade, mas sim a todos eles com a "terra" como "terra dos mortos" [26].

Dasein e Tempo

Na ideologia da modernidade, em suas distintas variantes, é fundamental o conceito de tempo. O tempo é concebido como algo absoluto, de desenvolvimento linear e que tende a uma "etapa final". Todas as ideologias da modernidade são progressistas.


Este conceito de tempo bebe de diversas fontes. O "tempo absoluto" de Newton, as "idades" da história do positivismo de Comte e a filosofia dialética de Hegel (compilada posteriormente por Marx) são suas expressões mais manifestas.

O Dasein subverte completamente essa ideia do tempo. Isso não significa que o Dasein seja alheio à temporalidade. Ao contrário: como ser-para-a-morte [27] o Dasein se relaciona estreitamente com a temporalidade. O problema da temporalidade conduz a analítica existencial a seu ponto culminante. Tal como já explicamos, o Dasein não é algo fixo, não é uma coisa, mas um processo ou drama que se desenvolve pelo tempo (e não no tempo) e que é constituído por este tempo, ao mesmo tempo que o tempo é constituído pelo Dasein.

Da mesma maneira que não podemos conceber o Dasein fora do mundo, nem colocado no mundo, porque o Dasein é ser-no-mundo, tampouco podemos concebê-lo fora do tempo, nem colocado no tempo. A temporalidade constitui o sentido original do "ser" do Dasein, mas precisamente essa temporalidade desenvolve o "contar o tempo" [28]. Em outras palavras, o Dasein institucionaliza o tempo: não é uma função do tempo, o tempo que é uma função do Dasein [29].

Partindo dessas premissas, Dugin afirma que o tempo é uma categoria política. Na sociedade moderna ou pós-moderna o tempo é linear e progressivo, mas em outro tipo de sociedade ele pode ser cíclico, ou mesmo regressivo. A QTP reivindica uma concepção do tempo reversível, que é socialmente dependente. A experiência da década de 1990, é, segundo Dugin, bastante demonstrativa: os povos da URSS estavam convictos de que ao capitalismo se seguia o socialismo, mas então se passou o oposto: o capitalismo emergindo dos restos da sociedade comunista. Reconhecendo a reversibilidade do tempo político e histórico, a QTP desenvolve um novo ponto de vista pluralista da ciência política e alcança a perspectiva necessária para a construção ideológica.

Para a QTP não há etapas nem épocas, mas pré-conceitos e conceitos. As construções teológicas da sociedade tradicional são algumas das variáveis possíveis, junto com o socialismo, a teoria keynesiana, o livre-mercado, a democracia parlamentar ou o nacionalismo. Tudo isso é possível na medida em que se toma o Dasein como sujeito da QTP e na medida em que este Dasein institucionaliza o tempo.

Dasein e Historicidade

O problema da historicidade do Dasein está estreitamente ligado ao da temporalidade. O Dasein é histórico porque é temporal, quer dizer, é pela temporalidade que a historicidade resulta possível [30].

O que queremos dar a entender quando falamos que algo é histórico? Quando falamos que um castelo é histórico isso não implica que o castelo esteja em ruínas, mas que ele já existia quando ocorreram os fatos que o tornaram célebre. É, pois, histórico o que já não é, ou o que todavia é, mas com uma existência desprovida de eficácia atual, como uma relíquia do passado. Mas também podemos definir como histórica uma ação contemporânea porque prevemos que determinará eventos que estão por vir.

Para Heidegger a historicidade tem sempre a ver com um sujeito humano [31]. O primariamente histórico é o Dasein. Os objetos e os eventos só são históricos de forma secundária e relativa.

A existência autêntica do Dasein se caracteriza como aceitação de sua finitude e sua relação com a morte [32]. O que vive autenticamente não tem por que se comportar na prática de forma diferente do que adota uma vida banal, mas tudo o que ele faz o faz com clarividência de seu não-valor. A autenticidade implica uma maneira particular de se temporalizar e se confunde com esta.

Para que o Dasein possa antecipar sua morte ele deve ser capaz de se "dirigir a" seu porvir, ele deve ser futuro. Não se coloca na situação de sua existência, mas torna presentes, dominando-os, os diversos elementos que determinam suas possibilidades em cada instante determinado, quer dizer, seu presente, seu futuro e seu passado. Não pode existir autenticamente senão aceitando o levar sobre si o peso de seu passado: deve reconhecer-se seu herdeiro [33].

Portanto, a existência autêntica é a que assume a dupla herança de seu abandono no mundo, e do que foi feito no mundo, quer dizer, seu passado mundano. A autenticidade é herdeira sob pena de abdicar de sua resolução.

Na medida em que o Dasein esteja mais resoluto em sua existência e seja mais dono de seu patrimônio, tanto menos aparecerá o que ele faz ou o que lhe suceda como efeito do azar. Se ele esquece seu passado, abandona as rédeas de seu destino. Portanto, só o existente resoluto tem, de verdade, um destino [34], porque só ele pode determinar o que em sua vida lhe é imposto e o que ele pode impôr.

O existente inautêntico, que esqueceu seu passado, renuncia ao exercício de sua liberdade real. Enrolado ao longo de sua vida deixa de ter um destino para se converter em uma coisa que evolui. O existente resoluto, ao contrário, extrai de sua impotência fundamental uma potência prática: a de saber o que acontece e poder inserir sua vontade nas lacunas do mecanismo mundano.

Agora bem, sendo a existência humana existência-em-comum, tudo que possamos predicar do Dasein individual, é também aplicável ao Dasein coletivo, comunidade ou povo. Se o Dasein individual pode levar uma existência autêntica ou inautêntica, o mesmo ocorre com o Dasein coletivo. Neste sentido afirma Heidegger que "nosso ser, nós mesmos, é o povo" [35].

Aprisionados no conceito moderno do tempo entendemos um evento histórico como algo que ocorre no tempo, e nós mesmos seríamos pontos que ocorrem no contínuo espaço-temporal. Mas a história é criada pela liberdade, o tempo da história não é o tempo da física, e a produção humana não está "na" história, ela "é" a história [36]. Fazemos a história a partir das decisões, e as levamos a cabo projetando o futuro a partir do que já somos no passado, desde uma tradição.

Dugin raciocina de maneira semelhante quando apela ao conservadorismo como repúdio a esta lógica da história própria da modernidade [37]. Mas Dugin distingue diversas interpretações da palavra conservadorismo: distingue um conservadorismo tradicionalista, (o de autores como Julius Evola ou René Guénon), um conservadorismo fundamentalista (cujo representante mais pristino seria o fundamentalismo islâmico), um conservadorismo liberal (liberalismo que se assusta com suas próprias consequências) e um conservadorismo revolucionário (os autores da chamada Revolução Conservadora, entre os quais se coloca o próprio Heidegger).

Os autores da Revolução Conservadora, com os quais se identifica Dugin, em suas diversas versões, partem do princípio da decadência, que se opõe ao princípio progressista da história. Não obstante, diferentemente de outros conservadores, eles acreditam que a semente da própria decadência se encontra já nas origens mesmas. É exatamente o que nos diz Heidegger sobre o "esquecimento do Ser" que acontece nas origens da filosofia europeia. Os filósofos pré-socráticos começaram a "pensar o Ser", mas com Platão já se inicia a confusão entre o Ser e o ente.

Toda a história do pensamento europeu seria a longa história de uma decadência e de um esquecimento. A decadência não começa com o protestantismo ou com o racionalismo, como sustentam os tradicionalistas, nem com o marxismo ou com o totalitarismo, como dizem os conservadores liberais, nem mesmo com o cristianismo como afirma Alain de Benoist. A decadência começa nas próprias origens.

Para Dugin, os conservadores revolucionários não pretendem deter o tempo, nem voltar ao passado. Querem retirar da estrutura do mundo as raízes do mal para abolir o tempo, ou melhor, a ideia moderna de tempo, como uma qualidade destrutiva da realidade [38]. Em última instância é o Dasein e sua historicidade o que determina o tempo.

Dasein e Geopolítica dos "Grandes Espaços"

Para Dugin, a alternativa possível à globalização não são os Estados nacionais, nem tampouco movimentos fundamentalistas como o Islã com pretensões universais [39]. A alternativa é um mundo multipolar, com grandes espaços autocentrados que correspondam às grandes civilizações.

A aceitação dessa pluralidade de civilizações permitiria unir sob uma mesma bandeira uma multiplicidade de comunidades, respeitando suas peculiaridades, mas oferecendo a elas uma ideia central comum no marco de uma civilização concreta [40].

Dugin propõe o conceito geopolítico de Eurásia como modelo, e como expressão política do que seria a civilização eslavo-ortodoxa. Em realidade, as grandes civilizações das quais fala Dugin coincidem com os limites de extensão das grandes religiões.

Agora bem, para que isso seja possível é necessário que estes grandes coletivos humanos sejam autênticos povos e portanto vivam seu Dasein coletivo com autenticidade. O contraexemplo é Europa. Com a União Europeia, a Europa não vive seu autêntico Dasein. Na Constituição Europeia não há a menor referência que seja às raízes culturais da Europa. Nem mesmo é necessário que um Estado esteja na Europa geograficamente para que este seja admitido na União. Uma nação como a Turquia, de tradição cultural muçulmana e situado geograficamente na Ásia poderia ser admitida na UE. De fato, os que lutam na Europa pela própria identidade são considerados os piores inimigos da UE.

Em contraste, a Rússia de Putin (influenciado pelo pensamento de Dugin) é, de fato, o motor de um autêntico espaço eurasiático. Fiel a suas raízes culturais, ela superou o comunismo, mas o incorporou a sua história, rechaçando o auto-ódio que destruiu moralmente países como a Alemanha, o projeto de Putin se perfila como única força capaz de se opôr ao mundialismo unipolar dos EUA e seus servos da UE.

A Quarta Teoria Política é a alternativa de futuro, e a filosofia de Heidegger oferece uma fundamentação filosófica, ontológica e existencial para a mesma.

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1 La Cuarta Teoría Política. Traducción de Fernando Rivero y Alexandre Villacian, Barcelona, Ediciones Nueva República, 2013.

2 El Ser y el Tiempo. Traducción de José Gaos, Madrid, Fondo de Cultura Económica de España, 1998 (Primera edición en alemán, Tübingen, 1927)

3 El Ser y el Tiempo, pp. 12-13.

4 El Ser y el Tiempo, p. 37.

5 Husserl, E. (1962) La Filosofía como ciencia estricta. Buenos Aires, Ed. Nova (primera edición 1910); (1913) Ideas relativas a una fenomenología pura y a una filosofía fenomenológica. México, Fondo de Cultura Económica.

6 De Walhens, A. (1952) La Filosofía de Martin Heidegger. Madrid, CSIC, p. 19.

7 Não vamos nos ocupar aqua das diferenças entre Heidegger e Husserl, seu antigo mestre. Entre outras coisas, Heidegger rechaça a “redução” fenomenológica e a pretensa “neutralidade” da fenomenologia, ao considerá-la a negação mesma da atividade filosófica.

8 Ontologia é o estudo do “ser” enquanto “ser”.

9 El Ser y el Tiempo, pp. 48-50.

10 El Ser y el Tiempo, p. 54.

11 El Ser y el Tiempo, pp. 54-55.

12 El Ser y el Tiempo, p. 65.

13 El Ser y el Tiempo, pp. 66-67.

14 El Ser y el Tiempo, pp. 134-135.

15 El Ser y el Tiempo, pp. 143-144

16 O desaparecimento da intimidade no uso que muitos fazem das redes sociais, a imediatez em tudo, os programas de teleporcaria onde se comercializa com intimidades são bons exemplos dessa ditadura do “um”, ainda que sejam fenômenos que Heidegger não chegou a conhecer.

17 El Ser y el Tiempo, p. 324.

18 Gil, E. (2014) Heidegger y la política. Madrid, Editorial Retorno, biblioteca filosófica, p.41

19 El Ser y el Tiempo, p. 323.

20 Heidegger y la política, p. 42.

21 El Ser y el Tiempo, p. 415.

22 Heidegger y la política, p. 43.

23 La Cuarta Teoría Política, pp. 39-41.

24 La Cuarta Teoría Política, pp. 52-54.

25 Heidegger y la política, p. 71.

26 Charles Maurras definiu a nação como “terra dos mortos”, ainda que a palavra “patria” tivesse sido mais adequada que o termo “nação”, que tem ressonâncias liberais.

27 El Ser y el Tiempo, pp. 256-257.

28 El Ser y el Tiempo, p. 257.

29 La Cuarta Teoría Política, p. 90.

30 El Ser y el Tiempo, pp. 406-407

31 El Ser y el Tiempo, p. 409.

32 El Ser y el Tiempo, p. 413.

33 El Ser y el Tiempo, p. 414

34 El Ser y el Tiempo, p. 414.

35 Heidegger, M. (1991) Lógica. Lecciones de Heiddeger (semestre de verano de 1934). Legado de Helene Weiss. Barcelona, Ed. Anthropos, p. 17.

36 Heidegger y la política, p. 45.

37 La Cuarta Teoría Política, pp. 110-114.

38 La Cuarta Teoría Política, p. 122.

39 La Cuarta Teoría Política, p. 147.

40 La Cuarta Teoría Política, p. 147.