04/11/2016

Aleksandr Dugin - O Último Presidente: Um Ensaio sobre William Jefferson Clinton

por Aleksandr Dugin



(1999)

O Enigma de William Clinton

Clinton é o último presidente americano desse milênio. De certa maneira, ele é o último acorde de uma cadência, ele é o presidente do "fim da história" fukuyamiano. Sua imagem psicológica, política e ideológica são à sua maneira marcas do pós-moderno. Ele é um dos maiores sucessos que o Ocidente teve em sua estrada rumo à dominação mundial total.

Porém, o significado objetivo dessa figura emblemática é radicalmente diferente de sua imagem geral. Ele não é de forma alguma como um heroi cultural, "o grande vitorioso". Aqui devemos perscrutar o enigma de William Clinton, porque há este enigma. Sua banalidade, indistinção e previsibilidade pseudo-leviana portam realmente um sentido mais profundo.

Clinton se tornou o presidente americano quando o país que havia originalmente apresentado a própria essência da "pós-história" estava apto a revelar sua ditadura civilizada ao resto da humanidade. O planeta Terra atual é, de certa forma, uma colônia americana, e neste contexto William Clinton se tornou o "senhor desse mundo".

Desde a perspectiva ideológica, Clinton tem três elementos separados nele, todos unidos em um grande todo de forma a fazer dele o presidente em um momento tão importante para os EUA e todo o mundo ocidental.

Examinemos estes elementos.

Um Democrata Atípico

William Clinton foi eleito pelo Partido Democrata. No sistema bipartidário dos EUA, os democratas são usualmente considerados como "de esquerda". Eles são diferentes da direita por suas demandas sociais; demandas de elevação de impostos para as camadas mais ricas da população, e de redução de impostos para os mais pobres; apoio às demandas de várias minorias (sexuais, raciais, religiosas); pacifismo; orientação para uma redução do orçamento militar; prioridades de "valores humanos básicos" acima de interesses americanos; simpatia por formas moderadas de social-democracia; a ideologia de "direitos humanos"; apoio a organizações multinacionais (como a ONU); a busca por uma "conspiração direitista" por trás de toda crise; comportamento leve e sorridente; o "globalismo" resultante, ou seja, a busca pela criação de Um Mundo, um mundo sem nações, Estados, povos e fronteiras.

Invertendo essas teses nós chegamos à retórica republicana clássica: demandas por cortes em gastos sociais; prontidão para redução dei mpostos para os mais ricos, para que cada classe seja igual em termos de impostos; prioridade para normas da maioria moral sobre os "pervertidos"; militarismo; demandas por aumento do orçamento militar; prontidão para apoiar interesses americanos acima de todo o resto; antissocialismo e anticomunismo; livre iniciativa; crítica a organizações multinacionais (incluindo a ONU); busca por uma "conspiração esquerdista" por trás de toda crise; comportamento apreensivo e quase-ascético; a ideologia básica da dominação americana sobre todo o planeta ao invés de um ideal de "Um Mundo".

Porém, o democrata Clinton não porta todas as características básicas. Por várias razões, seus camaradas o acusaram várias vezes de ser "direitista demais", ou seja, parecido demais a políticos republicanos. O segredo ideológico de Clinton é que nele podemos enxergar os próprios elementos da "direita" e da "esquerda" que são típicos de nossa época. Clinton representa a figura ideal de um liberal, um liberal e não um democrata ou um liberal-democrata.

O ponto é que o liberalismo é o modelo ideológico exclusivo que se tornou máxima norma do politicamente correto ao fim do século XX, quando todos os outros modelos ideológicos já se desintegraram. Estes foram outrora os modelos que se opuseram à tendÊncia supramencionada, e assim ocorreu a reestruturação da arena política.

O liberalismo enquanto tal é uma ideologia, cujo aspecto econômico se baseia em ideologias "direitistas" ("economia de mercado", "republicanismo"), e cujo aspecto político em "esquerdistas" ("democracia", "libertarianismo"). O denominador comum dessa síntese é uma estratégia internacional, melhor caracterizada pelo termo "atlantismo", que almeja atingir um controle estratégico sobre todo o planeta para o Ocidente, através de membros da OTAN. Porém, não faz diferença como classificamos esse atlantismo, poderia ser como "globalismo" (infiltração de valores universais e individualistas do "american way" sobre todos os povos de modo a criar uma "humanidade unificada" a partir das menores partículas possíveis) ou simplesmente como "americanismo" (forçar outros países a ficarem subjugados aos interesses estratégicos dos EUA); ambas variantes do atlantismo diferem em nuances e métodos apenas, mas servem ao mesmo propósito, domínio ocidental total.

William Clinton é um democrata naquelas esferas que não concernem economia ou política externa. Ele sorri bastante, é doce, tolerante, simpatiza com minorias e com feminismo, expressa uma orientação social (elevar o nível dos serviços médicos), gosta de falar em "direitos humanos". Ao fazê-lo, ele se aproxima bastante do estereótipo clássico de um democrata, tentando até superar Kennedy.

Ao mesmo tempo, Clinton está bem próximo à direita política sempre que há qualquer questão sobre impostos, livre iniciativa e especialmente seguir o "american way" em questões internacionais, onde os EUA da era Clinton pôs em prática estratégias crueis e agressivas do atlantismo "direitista" (Iraque, Bósnia, Afeganistão).

Segundo testemunho de amigos, Clinton está preocupada sobre como ele será visto na sequência de presidentes americanos. Desde a perspectiva ideológica, ele é o presidente "ideal", "o último presidente" no mesmo sentido em que Nietzsche falou sobre "o último homem".

A Conspiração Sexual

Toda a história política de Clinton tem sido acompanhada por escândalos sexuais. A psicanálise da vida sexual de Clinton é um dos temas favoritos de psicólogos e jornalistas americanos. Nós não sabemos menos sobre sua vida íntima, preferências sexuais e perversões do que sabemos sobre os desvios da exibicionista Madonna. Poder-se-ia pensar que um político pragmático que está no topo do poder político do pais mais importante do mundo seria capaz de controlar seu apetite ou, pelo menos, cuidar de ocultar seus segredos. O retrato psicológico de Clinton não nos leva a pensar que estamos lidando com um fraco inútil incapaz de controlar seus apetites.

Deve haver algum outro mecanismo ou razão por trás disso tudo. O psicanalista Paul Lovinger apresentou a seguinte versão: William Clinton e sua esposa Hillary ("Billy e Hilly") representam o análogo contemporâneo da parelha divina, um tipo de remake do "deus" e "deusa" mitológicos antigos. É exatamente assim que a audiência americana infantil criada por desenhos, fantasias hollywoodianas e terror, os vê. Hillary é a Grande Mãe da América. Ela se preocupa com os pobres, e tanto as mulheres ativas quanto os homens passivos confiam nela. Sua função pública corresponde à da antiga deusa grega Hera. 

Já o próprio Bill Clinton é a encarnação do lúdico Zeus, cercado por ninfas e pela equipe da Casa Branca. Suas escapadas tem um sentido psicológico, além do mitológico. Ele é a prova do poder prolífico e da atratividade universal do macho americano. O fato de que Hillary, sendo constantemente chifrada por seu esposo, está sempre pronta para defendê-lo diante dos inimigos, ilustra o fato de que não estamos lidando com emoções humanas espontâneas, mas com um psicodrama cuidadosamente planejado encenado no palco do teatro global. (Para mais informações, Paul Lovinger: "Bill Clinton se encontra com os Psiquiatras", 1998)

Há também outra versão, um tanto paradoxal, do pano-de-fundo secreto por trás dos escândalos sexuais do primeiro casal do planeta. Ela se baseia na ideia de que Clinton, representando ideias "direitistas" ("republicanas"), se diverte constantemente de forma descuidada para ocultar o fato de que sua política carece todos os traços realmente democratas.

Hillary Clinton uma vez veio com uma versão de que todos os escândalos (sejam adultérios reais ou supostos) foram criados pelos "direitistas". Por outro lado, estes mesmos "direitistas" continuam a culpar Clinton por ser um "nazista", já que ele acredita em uma teoria da conspiração, que é bastante próxima a, bem, vocês sabem o que...

Fim de Jogo

William Clinton não é objeto de crítica. Ele apresenta em si mesmo, em suas ações e palavras, a imagem objetiva de como as coisas são. Ele é o espelho da história, um ator adequado e humilde desempenhando seu papel, de modo que não possamos alterar nem uma única entonação de sua fala, sem falar nas próprias palavras. Ele tem sido culpado por não tomar qualquer decisão, mas nenhuma decisão é possível após o fim da história. Algumas pessoas afirmam que ele não mudou uma única coisa na história americana, mas é impossível mudar qualquer coisa nessa vida.

O último presidente, o batista de cabelos brancos, o senhor globalista desse mundo, com poder total sobre o planeta, é incapaz de completar qualquer coisa. 

Seus olhos injetados nos trazem à mente a fisionomia de Volodin, de "O Diabrete" de Sologub, impotentemente e tristemente testemunhando: "Isso foi tudo. Vocês esperavam algo mais? Ah, convenhamos, sejam realistas...isso foi definitivamente tudo".

Fim de jogo.