08/05/2015

Lucian Tudor - Othmar Spann: Um Católico Tradicionalista Radical

por Lucian Tudor




Othmar Spann foi um filósofo austríaco de grande influência sobre o pensamento conservador tradicionalista Germânico pós- Primeira Guerra, sendo também considerado um representante do movimento intelectual conhecido como “Revolução Conservadora.” Foi professor de economia e sociologia na Universidade de Viena, onde ministrou não apenas ciências sociais e teorias econômicas, mas também onde influenciou muitos estudantes com sua presente Weltanschauung em suas lições e aulas. Como resultado disso, formou-se um grande grupo de seguidores conhecidos como Spannkreis (“Círculo de Spann”). Tal círculo de intelectuais almejou influenciar políticos que fossem simpáticos à filosofia “Spanniana” e compartilhassem de seus mesmos objetivos.[1]

O próprio Spann foi influenciado por uma variedade de filósofos através da história, incluindo Platão, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino, J. G. Fichte, Franz von Baader, e mais notavelmente pelo pensamento romântico alemão de Adam Müller. Spann denominou sua própria visão de mundo de “Universalismo”, um termo que não deve ser confundido com “universalismo” no senso comum; o primeiro é nacionalista e não se contrapõe a valores identitários e subsidiários, já o último é cosmopolita e não- identitário desprezando diferenças. O termo de Spann deriva da palavra-raiz “universalidade”, que em tal caso é sinônimo a termos relacionados a coletividade, totalidade ou integralidade.[2]

O Universalismo de Spann foi exposto e desenvolvido em vários livros, sendo o mais notável Der Wahre Staat (“O Verdadeiro Estado”), e essencialmente demonstra-se aí o valor da nacionalidade, da integralidade social sobre o individual, dos valores da religião (especialmente católico) sobre os valores materiais, e advoga também um modelo não-democrático, hierárquico, e corporativista de Estado que é a única constituição política verdadeiramente válida.

Teoria Social

Othmar Spann declara: “É verdade fundamental de toda ciência social...que os indivíduos não são verdadeiramente reais, mas a totalidade; e que os indivíduos são reais apenas à medida com a qual fazem parte do todo.”[3] Tal conceito, que será o coração da sociologia de Spann, não é uma negação da pessoa individual, mas uma completa negação do individualismo; individualismo sendo a ideia que nega a existência e a importância de tudo que vá além de si mesmo. A teoria liberal clássica, individualista, sustenta uma visão “atomizante” dos indivíduos e considera apenas estes como verdadeiramente reais; indivíduos nos quais se acredita serem essencialmente desconectados e independentes uns dos outros. É também defendido que a sociedade existe apenas como associação instrumental que resulta de um “contrato social”. Por outra via, os estudos sociológicos têm refutado tal teoria, demonstrando que o todo (sociedade) não se resume meramente a uma soma das partes (indivíduos) e que os indivíduos naturalmente guardam laços psicológicos intrínsecos em relação a outros. Esta é a posição de Othmar Spann, mas ele teve seu único meio de formular isso.[4]

Enquanto que a teoria do individualismo parece, superficialmente, estar correta para muitas pessoas, uma investigação mais profunda em relação a tal conteúdo demonstra sua total falácia. Indivíduos

nunca agem inteiramente independentes porque seu comportamento é sempre pelo menos em parte determinado pela sociedade na qual ele vive, e por seus laços orgânicos com as outras pessoas na sociedade. Spann escreve que, “de acordo com sua visão, o indivíduo já não é auto-determinado e auto-criado, também já não age fundamentado inteiramente em seu próprio ego.”[5] Spann concebe uma ordem social, do todo, como uma sociedade orgânica (uma comunidade) na qual todos os indivíduos pertencentes a ela possuem uma unidade espiritual pré- existente. A  pessoa  do  indivíduo emerge como tal da integralidade social na qual ela nasce e da qual ela nunca está realmente separada, e “sendo também o indivíduo dela derivado.”[6]

A sociedade não é resumidamente um agregado mecânico de indivíduos fundamentalmente díspares, mas um todo, uma comunidade, que precede suas próprias partes, os indivíduos. “Universalistas defendem que os laços de associação mental e espiritual entre indivíduos existem como entidade independente...”[7] Spann esclarece que isso não significa que o indivíduo é “desprovido de autossuficiência mental,” mas que ele percebe seu ser pessoal apenas como membro do todo: “ele apenas é capaz de formar a si mesmo; ele apenas pode sustentar a si mesmo como ser dotado de mentalidade ou espiritualidade, quando ele goza de íntima e multiforme comunhão com outros seres similarmente dotados.”[8] Então,

Toda realidade espiritual presente no indivíduo apenas vem a ser e apenas faz parte do ser como algo que despertou...a espiritualidade que faz parte do ser de um indivíduo (diretamente ou mediada) é sempre em algum sentido a reverberação da influência que outro espírito exerce em tal indivíduo. Isso significa que a espiritualidade humana apenas existe em comunidade, nunca em isolamento....Nós podemos dizer que a espiritualidade individual apenas existe em comunidade, ou melhor em uma ‘comunidade espiritual’ [Gezweiung]. Toda essência espiritual e realidade existem como uma ‘comunhão espiritual’ e apenas em ‘espiritualidade comum’[Gezweiheit].[9]

É também importante esclarecer que o conceito de Spann de sociedade não a concebeu como desprovida de corpos espirituais diferentes e separados de cada um. Pelo contrário, ele reconheceu a importância de vários sub-grupos, referidos como “todos parciais”, como partes constituintes e elementos diferentes ainda que relacionados, e harmonizados pelo todo sob o qual eles existem. O todo ou a totalidade podem ser entendidos como a unidade dos indivíduos ou “todos parciais”. Para se ter uma imagem simbólica, “Totalidade [o Todo] é análogo à luz branca antes de ser refratada por um prisma em diferentes cores”, na qual a luz branca é a totalidade supratemporal, enquanto que o prisma é o tempo cósmico que “refrata a totalidade em diferentes e individuadas realidades temporais.”[10]

Nacionalidade e Tipo Racial

Volk (“povo” ou “nação”), que significa “nacionalidade” em sentido étnico e cultural, é uma entidade inteiramente diferente além de condicionada à sociedade ou ao todo, mas para Spann as duas palavras têm importante conexão. Spann era um nacionalista e, definindo Volk em termos de pertencimento a uma “comunidade espiritual” com uma cultura comum, acreditava que o todo social está sob normais condições apenas quando formado por um tipo étnico homogêneo. Só quando pessoas compartilham mesmo background cultural, os laços profundos que estavam presentes nas sociedades ancestrais podem existir. Ele também desenvolve o “conceito de comunidade cultural concreta, a ideia de nação – em contraste com a ideia de irrestrito e cosmopolita intercurso entre indivíduos.”[11]

Spann advogou a separação de grupos étnicos sob diferentes estados e foi também defensor do pan-Germanismo porque acreditava que o povo germânico deveria se unir sob a égide de um único Reich. Também acreditava na nação Alemã como intelectualmente superior a todas as outras nações (noção que pode ser considerada resultado inoportuno de suas tendências pessoais), Spann também acreditava terem os alemães o dever de guiar a Europa da crise da modernidade liberal para uma ordem sã similar à que existiu na Idade Média.[12]

Em relação ao tema da raça, Spann objetivou formular uma visão racial que estivesse de acordo com a concepção cristã de ser humano, a qual levasse em consideração não apenas o aspecto biológico mas também o espiritual e psicológico. Por isso rejeitou a concepção comum de raça como entidade biológica, por não acreditar que tipos raciais derivavam de herança biológica, já que ele não acreditava que o caráter pessoal fosse determinado por hereditariedade. Antes, raça é para Spann um caráter ou tipo cultural e espiritual, assim a “pureza racial” de uma pessoa é determinada não apenas pela pureza biológica mas antes estaria relacionada à proporção com que seu caráter e estilo de comportamento se conforma a uma qualidade espiritual específica. Em sua comparação entre as teorias raciais de Spann e Ludwig Ferdinand Clauss (um influente psicólogo racial), Eric Voegelin conclui:

Na teoria racial de Spann e nos estudos de Clauss encontramos a raça como ideia de total ser: para estes dois acadêmicos pureza racial ou pureza de sangue não é propriedade genética em sentido biológico, mas antes uma pureza peculiar da forma humana em todas as suas partes, uma posse de um sinal ou selo mental perceptível em sua expressão física e psicológica.[13]

Deve ser sabido que enquanto Clauss (assim como Spann) não acreditava que o caráter espiritual era apenas produto da genética, ele de fato enfatiza que a raça física tem importância porque a forma racial corporal deve estar essencialmente de acordo com a forma física racial com que esta é associada, e com a qual está sempre conectada. Como escreve Clauss,

O estilo da psique se expressa em sua própria arena, o corpo. Mas para que tal seja possível, tal arena deve ser ela mesma regida por um estilo, que deve permanecer em harmonia com o da psique: todas as características das estruturas somáticas são, assim como eram, meios de expressão do aspecto desta. A psique racialmente constituída adquire um corpo também assim constituído com o fim de expressar seu estilo composto de sua própria experiência de maneira pura e consumada. O estilo expressivo da psique é inibido se o estilo do corpo não se conforma perfeitamente a ele.[14]

Do mesmo modo Julius Évola, cujo pensamento foi influenciado tanto por Spann quanto por Clauss, e que expandiu a psicologia racial de Clauss para incluir conteúdo espiritual e religioso, também afirma que o corpo tem certo nível de importância.[15]

Por outra via, o aspecto negativo da teoria de Othmar Spann é que ele termina ignorando inteiramente o aspecto racial físico e de fato a maioria de suas obras nem mencionam tal isso. A consequência foi também que Spann tolerou e até aprovou críticas feitas por seus estudantes às teorias raciais Nacional Socialistas que enfatizam o aspecto biológico; questão que depois comprometeria sua relação com tal movimento mesmo que se pense que ele era um de seus defensores.[16]

O Verdadeiro Estado

O Universalismo de Othmar Spann era em essência uma forma Católica de “Tradicionalismo Radical”; ele acreditava na existência de princípios eternos sobre os quais toda ordem política, econômica ou social deveria ser construída. Enquanto que os princípios da Revolução (Anti)-Francesa – de liberalismo, democracia e socialismo – eram contingentes às circunstâncias históricas, relacionadas à história do mundo, existem outros princípios acima destes sobre os quais a maioria dos estados medievais e antigos foram fundados e que são eternamente válidos, derivados da ordem Divina. Enquanto que formas estatais específicas do passado que foram baseadas em tais princípios não podem ser exatamente redivivas na atualidade como foram por certos detalhes históricos e anacrônicos, os princípios sobre os quais tais ordens foram edificadas são atemporais e eternos, e devem ser reinstituídos no mundo hodierno, pois os sistemas derivados da Revolução (Anti)-Francesa são inválidos e desarmônicos.[17] Este modelo atemporal é o Wahre Staat ou “Verdadeiro Estado” – um Estado monárquico, corporativo e elitista – que é central à filosofia Universalista.

1.Economia

No campo econômico, Spann, como Adam Müller, rejeitou tanto o capitalismo como o socialismo, advogando o restabelecimento do sistema corporativo e orgânico, similar ao arranjo de guildas e das províncias rurais da Idade Média; um sistema no qual as linhas de trabalho e produção são organizadas e estabelecidas pelas corporações de ofício que estariam subordinadas ao Estado e à Nação, e a atividade econômica seria portanto guiada e auxiliada por administradores antes que pelo próprio arbítrio. O valor de cada bem ou commodity produzido em tal arranjo seria determinado não pela quantidade de trabalho a ele dedicado (teoria do valor do trabalho de Marx e Smith), mas por seu “uso orgânico” ou por sua “utilidade social”, que significa sua serventia ao todo social e ao estado.[18]

A maior razão para que Spann rejeite o capitalismo é por seu individualismo, e também por sua tendência a criar desarmonia e enfraquecer os laços espirituais entre indivíduos no todo social.

Apesar de não acreditar no benefício da total eliminação da competição no aspecto econômico, Spann esclarece que a extrema competição glorificada pelos capitalistas cria um sistema onde ocorre a “guerra de todos contra todos” e na qual os empreendimentos não são levados a cabo pelo todo social ou pelo estado, mas por interesses individuais. A economia universalista tem como fim a harmonia social e econômica, e valoriza “a energia vitalizante da interdependência pessoal de todos os membros da comunidade...”[19]

Mais além, reconhece Spann que o capitalismo também resulta em tratamento desigual dos capitalistas em relação a quem está abaixo destes. Também acreditava que por mais que as teorias de Marx fossem falhas, “...apesar de tudo fez um ótimo serviço ao atentar à desigualdade de tratamentos imposta ao trabalhador pelo patrão na ordem individualista de sociedade.”[20] Spann, assim, rejeita o sistema socialista em geral porque enquanto o socialismo aparenta ser Universalístico superficialmente, ele termina de fato sendo uma mistura de elementos Universalistas e individualistas. Não reconhece o primado do Estado sobre o indivíduo além de defender uma sociedade na qual todos têm a mesma posição, eliminando distinções e diferenças saudáveis, e que todos devem receber a mesma quantidade de bens. “O verdadeiro Universalismo busca a multiplicidade orgânica, a desigualdade,” e também reconhece as diferenças mesmo ao militar pela harmonia entre as partes.[21]

2.Política

Spann afirma que todo o sistema político democrático é uma inversão da ordem política única verdadeiramente válida, que é de ainda maior importância que o arranjo econômico. O maior problema da democracia é desta permitir, primeiramente, a manipulação do governo por capitalistas e financistas poderosos cujo caráter moral é na maioria das vezes questionável e cujas metas são na maioria das vezes em desacordo com o bem da comunidade; secundariamente, democracia tolera também o triunfo de demagogos interessados em si mesmos, que são hábeis em manipular as massas. Mesmo em sua base teórica, a democracia é falha, de acordo com Spann, pois seres humanos são essencialmente desiguais e indivíduos estão sempre presentes em realidades diferenciadas em suas qualidades e também estão vocacionados a diferentes posições na ordem social. Democracia também, por permitir às massas a decisão de matéria governamental, acaba excluindo o natural e válido direito dos mais aptos e verdadeiramente hábeis indivíduos de comandar o destino do Estado, pois “oferecer à maioria as rédeas do destino significa o domínio do menor sobre o maior.”[22]

Finalmente, Spann nota que “a demanda por democracia e liberdade é intrinsecamente individualista.”[23] No Verdadeiro Estado Universalista, o individual se submete ao todo e é guiado por um senso de auto-sacrifício e dever a serviço do Estado, oposto à supremacia da vontade individual sobre a vontade dos outros. Além disso, o indivíduo não possui direitos simplesmente por possuir caráter “racional” ou simplesmente por ser humano, como defenderam os pensadores do Iluminismo, mas porque tais direitos são derivados da ética e do todo social particular ao qual pertence além da lei e do Estado. [24] O Universalismo também reconhece as inerentes desigualdades entre seres humanos, defendendo uma organização hierárquica da ordem política, onde haveria apenas “igualdade entre iguais” e na qual há “subordinação dos intelectualmente inferiores aos intelectualmente superiores.”[25]

No Verdadeiro Estado, indivíduos que demonstram sua vocação de liderança, sua natureza superior, e seu caráter ético justo ascendem os níveis hierárquicos. O Estado seria guiado e administrado por uma poderosa elite cujos membros seriam selecionados dos maiores níveis hierárquicos por sues méritos; isto é essencialmente uma aristocracia meritocrática. Aqueles pertencentes às posições inferiores seriam ensinados a aceitar seu lugar na sociedade e a respeitar seus superiores, apesar de todas as partes do sistema serem “a despeito de tudo, indispensáveis à sua sobrevivência e desenvolvimento.”[26] Ademais, “a fonte do poder de governo não é soberania do povo, mas a soberania dos mais aptos e hábeis.”[27]

Othmar Spann, de acordo com sua erudição religiosa católica, acredita na existência de uma realidade supra-sensível, metafísica e espiritual que existe separadamente e acima da realidade material, e da qual o reino material não passa de uma imperfeita reflexão. Ele afirma que o Verdadeiro Estado deve ser regido pela espiritualidade Cristã, e que seus líderes devem ser guiados pela piedade e pela devoção às leis Divinas: o Verdadeiro estado é essencialmente teocrático. A liderança de tal Estado receberia legitimidade não apenas por seu caráter religioso, mas também por possuir “capacidade espiritual válida”, que “precede o poder como este é representado na lei e no Estado.”[28] Também conclui Spann que “a história ensina que é a validade dos valores espirituais que constituem os laços espirituais. Eles não podem ser realocados por fogo e espada nem por qualquer outra forma de força. Todo governo que prevalece, e toda ordem que a sociedade também efetivou, é resultado de domínio interior.”[29]

O Estado que Spann almejou restaurar é federalista por natureza, unindo os “todos parciais” – Corporações e regiões locais dotadas de certo nível de auto-governo – com respeito à Autoridade maior. Como escreveu Julius Évola, em uma descrição de acordo com a visão de Spann, “o verdadeiro Estado existe como um todo orgânico compreendido por distintos elementos abrangendo unidades parciais [todos], em que cada unidade possui uma vida hierarquicamente ordenada em si mesma.”[30] Através da história do mundo, a ordem hierárquica e corporativa de Verdadeiro Estado aparece e reaparece; nos antigos Estados de Esparta, Roma, Pérsia e na Europa Medieval. As estruturas de estados destes tempos “ofereceu aos membros de tais sociedades um profundo sentimento de segurança. Tais grandes civilizações têm sido caracterizadas pela harmonia e estabilidade.”[31]

A modernidade liberal criou a crise na qual a harmonia das antigas sociedades foi destruída pelo capitalismo e na qual os laços sociais foram enfraquecidos (senão eliminados) pelo individualismo. Spann também afirma que todas as formas de liberalismo e individualismo são chagas que nunca deveriam ter tido sucesso e eliminado totalmente a realidade original e primeva. Ele profetizou que após a I Guerra Mundial o povo alemão reaveria seus direitos e criaria uma revolução que restauraria o Verdadeiro Estado, que recriaria aquela “comunidade que liga o homem às eternas e absolutas forças presentes no universo,”[32] e cuja revolução subsequentemente ressoaria através da Europa, ressuscitando na vida política hodierna os imortais princípios do Universalismo.

A Influência de Spann e sua Recepção

Othmar Spann e seu círculo mantiveram grande influência na Alemanha e na Áustria, e mais ainda neste último país citado. A filosofia de Spann se tornou a base da ideologia da Heimwehr Austríaca (“Home Guard”) que foi liderada por Ernst Rüdiger von Starhemberg. Os líderes do denominado “Estado Áustro-Fascista”, incluindo Engelbert Dolfuss e Kurt Schuschnigg, foram também parcialmente influenciados pelo pensamento de Spann e do “Círculo de Spann”. [33] Então, apesar do fato de que tal Estado tenha sido o único a objetivar a realização de suas ideias, Spann não apoiou o Áustro-Fascismo pois como pan-Germanista desejava que o povo alemão se unificasse sob um único Estado, por isso a adesão ao movimento Nacional Socialista de Hitler, no qual ele acreditava estar pavimentando o caminho para o Verdadeiro Estado.


A despeito de repetidas tentativas de influenciar a ideologia Nacional Socialista e os líderes da NSDAP, Spann e seu círculo foram rejeitados pela maioria dos Nacional Socialistas. Alfred Rosenberg, Robert Ley, e vários outros autores associados às SS fizeram vários ataques à Escola de Spann. Rosenberg era revoltado pelo fato de Spann negar a importância do sangue em sua posição católica teocrática; ele escreveu que “a escola Universalista de Othmar Spann refutou com sucesso o individualismo materialista medíocre...[mas] Spann é contrário à sabedoria helênica tradicional, ao afirmar que Deus é a medida de todas as coisas e que a verdadeira religião se encontra apenas na Igreja Católica.”[34]

Além de insistirem na realidade do aspecto biológico, outros Nacional Socialistas também criticaram as propostas políticas de Spann. Eles afirmaram que seu modelo de Estado hierárquico criaria uma divisão destrutiva entre povo e elite por insistir em separação absoluta; isso destruiria a unidade que eles estabelecessem entre liderança e povo. Porém, o Nacional-Socialismo em si mesmo mantinha elementos de elitismo apesar do populismo, e também arguiam que todo alemão tinha potencial de liderança, e que assim, se aperfeiçoado dentro da Volksgemeinschaft (“Comunidade do Povo"), o povo alemão não necessitaria de divisão em elite superior sobre massa inferior, em sentido estrito.[35]

Como esperado, as críticas liberais a Spann denunciaram que sua posição anti-individualista era supostamente muito radical, os social democratas e marxistas arguiam que o Estado Corporativo não garantiria os direitos dos trabalhadores e dariam dominância a líderes burgueses. Ambos acusaram Spann de ser um reacionário irrealista que queria reviver a Idade Média.[36] Porém, devemos também apreciar aqui o que Edgar Julius Jung, sendo ele mesmo um Universalista altamente influenciado pelo trabalho de Spann, mencionou:

Nós somos censurados por atuarmos ao lado ou à retaguarda das forças políticamente ativas, por sermos românticos que falham em ver a realidade ou que divagam em sonhos de uma ideologia do Reino que se volta para o passado. Mas forma e ausência de forma representam princípios sociais eternos como a batalha entre microcosmo e o macrocosmo que perdura no eterno movimento do pêndulo. As formas contingentes que perecem no tempo são sempre novas, mas os grandes princípios de ordem (mecânica ou orgânica) sempre se mantêm os mesmos. Assim, se olharmos para a Idade Média como um norte, encontrando ali a grande forma, nós não estaremos apenas compreendendo melhor o presente mas entendendo-o mais concretamente como uma era em si incapaz de se enxergar por trás dos bastidores.[37]
Edgar Jung, que foi um dos maiores Conservadores radicais oponentes de Hitler, expôs uma filosofia que era marcadamente similar à de Spann, apesar haver diferenças que gostaríamos de expor. Jung acreditava que nem o Fascismo nem o Nacional Socialismo seriam precursores ao restabelecimento do Verdadeiro Estado mas antes “simplesmente outra manifestação da tradição secular, liberal e individualista que emergiu da Revolução (Anti)-Francesa”.[38] Fascismo e Nacional Socialismo não eram guiados pela referência ao Divino e são ainda infectados por individualismo, que ele acreditava estar exposto no fato de seus líderes serem guiados por suas próprias ambições e não por um dever em relação a Deus ou um poder maior que eles mesmos.

Edgar Jung também rejeitou o nacionalismo em sentido estrito, apesar de simultaneamente desenvolver o valor de Volk e o amor à pátria, e advogar a reorganização do continente Europeu numa base federalista com a Alemanha sendo a nação líder da federação. Também em contraste com a visão de Spann, Jung acreditava que a herança genética tinha grande importância no caráter dos seres humanos, apesar de acreditar no papel secundário em relação a fatores culturais e espirituais além de ter criticado o racialismo comum científico por seu “materialismo biológico”.

Jung afirmava que o que ele via como elementos superiores raciais em uma população deveriam ser fortalecidos e os elementos inferiores, enfraquecidos: “Medidas para o favorecimento de componentes valorosos racialmente no povo Alemão e pela prevenção de correntes inferiores devem ser efetivadas hoje e não amanhã.”[39] Jung também acreditava que os membros das elites do Reich, enquanto tal estivesse aberta para aceitar membros de níveis menores da hierarquia que demonstrassem qualidades de liderança, deveriam se casar apenas com outros componentes da mesma classe, criando-se uma nova nobreza possuidora de qualidades de força e liderança tanto geneticamente quanto espiritualmente dotados para desenvolvê- las.[40]

Enquanto que Jung constantemente combateu o Nacional Socialismo até o fim da vida, até depois do Anschluss, Othmar Spann se manteve defensor entusiástico do Nacional Socialismo, sempre acreditando que ele poderia eventualmente influenciar a liderança do III Reich a adotar sua filosofia. Tal ilusão se manteve em sua mente até a tomada da Áustria pela Alemanha em 1938, logo depois de Spann ser detido e preso por ser considerado adversário ideológico, apesar de ser solto depois de poucos  meses, acabou confinado em sua casa de campo.[41] Depois da II Guerra ele nunca reaveria de novo qualquer influência política, mas ele deixaria sua marca no domínio da filosofia. Spann exerceu grande influência sobre Eric Voegelin e também sobre os intelectuais da Neue Recht (Nova Direita) como Armin Mohler e Gerd-Klaus Kaltenbrunner.[42] Ele também teve influência sobre o pensamento Tradicionalista Radical, mais notavelmente sobre o Barão Julius Évola, o qual escreveu que Spann “seguiu uma linha similar à minha mesma”,[43] apesar de haver óbvias diferenças entre tais pensadores. A filosofia de Spann também, apesar de falhas e limitações, não tem sido inteiramente desprovida de interesse e utilidade.

Notas

1. Mais detalhadas informações aqui providas acerca da vida de Othmar Spann pode ser encontrada no livro de John J. Haag, Othmar Spann and the Politics of Totality: Corporatism in Theory and Practice (Ph.D. Thesis, Rice University, 1969).
 2. Veja Othmar Spann, Types of Economic Theory (London: George Allen and Unwin, 1930), p. 61. Devemos certificar o leitor de que este livro é o maior trabalho sobre Spann a ter sido publicado em inglês e também foi publicado sob o título alternativo de History of Economics.
3. Othmar Spann citado em Ernest Mort, Christian Corporatism, Modern Age, Vol.3, No.3 (Summer 1959), p.249. Online: http://www.mmisi.org/ma/03_03/mort.pdf
4. Para uma pesquisa mais profunda e científica sobre os estudos de Spann sobre sociedade, veja Barth Landheer, “Othmar Spann’s Social Theories.” Journal of Political Economy, Vol. 39, No.2 (April, 1931), pp.239-48. Deveríamos certificar nossos leitores que a teoria social anti-individualista de Othmar Spann é mais similar àqueles sociólogos da “Extrema Direita” como Hans Freyer e Werner Sombart. Deve ser também lembrado que sociólogos de quase todos os espectros políticos são opostos ao individualismo em algum grau, mesmo que do “Centro Moderado” ou da “Extrema Esquerda.” Além disso, anti- individualismo é a típica posição da maioria dos sociólogos de hoje, que reconhecem atitudes individualistas – que são, com certeza, ainda um assunto nas sociedades hodiernas assim como foi assunto a 100 anos atrás- têm efeito nocivo na sociedade como um todo.
5. Othmar Spann, Der wahre Staat (Leipzig: Verlag von Quelle und Meyer, 1921), p.29. Citado em Eric Voegelin, Theory of Governance and Other Miscellaneous Papers, 1921-1938 (Columbia: University of Missouri Press, 2003), p.68.
6. Spann, Der wahre Staat, p.29. Citado por Voegelin, Thory of Governance, p.69.
7. Spann, Types of Economic Thoery, pp.60-61.
 8. Ibid., p.61.
9. Spann, Der Wahre Staat, pp.29 & 34. Citado por Voegelin, Theory of Governance, pp.70-71.
10. J. Glenn Friesen, “Dooyeweerd, Spann and the Philosophy of Totality,” Philosophia Reformata, 70 (2005), p.6. Online aqui: http://members.shaw.ca/hermandooyeweerd/Totality.pdf
11. Spann, Types of Economic Theory, p.199.
12. Veja Haag, Spann and the Politics of “Totality,” p.48.
13. Eric Voegelin, Race and State (Columbia: University of Missouri Press, 1997), pp. 117-18.
14. Ludwig F. Clauss, Rasse und Seele (Munich: J. F. Lehmann, 1926), pp.20-21. Citado em Richard T. Gray, About Face: German Physiognomic Thought from Lavater to Auschwitz (Detroit: Wayne State University Press, 2004), p. 307.
15. Para uma visão da teoria racial de Evola, veja Michael Bell, “Julius Évola’s Concepto f Race: A Racismo f Three Degrees.” The Occidental Quarterly, Vol. 9, No. 4 (Winter 2009-2010), pp. 101-12. Online aqui: http://toqonline.com/archives/v9n2/TOQv9n2Bell.pdf. Para uma comparação mais próxima entre a teoria de Évola e Clauss, veja Julius Evola’s The Elements of Racial Education (Thompkins & Cariou, 2005).
16. Veja Haag, Spann and the Politics of Totality, p.136.
17. Uma explicação mais profunda do “Tradicionalismo Radical” pode ser encontrada no Capítulo 1: “Revolução – Contrarrevolução – Tradição” in Julius Evola, Homens Entre as Ruínas).
18. Veja Spann, Types of Economic Theory, pp.162-64.
 19. Ibid., p.162.
20. Ibid., p.226.
21. Ibid., p.230.
22. Spann, Der wahre Staat, p.111. Citado em Janek Wasserman, Black Vienna, Red Vienna: The Struggle for Intellectual and Political Hegemony in Interwar Vienna, 1918-1938 (Ph.D. Dissertion, Washington University, 2010), p. 80.
23. Spann, Types of Economic Theory, pp.212.
24. Para um comentário sobre direitos naturais individuais, veja Ibid., pp.53 ff.
25., Spann, Der Wahre Staat, p.185. Citado em Wassermann, Black Vienna, Red Vienna, p.82.
26. Haag, Spann and the Politics of Totality, p.32.
27. Othmar Spann, Kurzgefasstes Sytem der Gesellschaftslehre (Berlin: Quelle und Meyer, 1914), p.429. Citado em Voegelin, Theory of Governance, p. 301.
28. Spann, Gesellschaftslehre, p.241. Citado em Voegelin, Thory of Governence, p.297.
29. Spann, Gesellschatslehre, p.495. Citado em Voegelin, Theory of Governance, p.299.
30. Julius Evola, The Path of Cinnabar (London: Integral Tradition Publlishing, 2009), p.190.
31. Haaag, Spann and the Politics of Totality, p. 39. 32. Ibid., pp.40-41.
33. Veja Günter Bischof, Anton Pelinka, Alexander Lassner, The Dolfuss\Schuschnigg Era in Austria: A Reassessment (New Brunswick, NJ: Translaction Publishers, 2003), pp. 16, 32, & 125 ff.
34. Alfred Rosenberg, The Myth of the Twentieth Century (Sussex, England: Historical Review Press, 2004), pp. 458-59.
35. Veja Haag, Spann and the Politics of Totality, pp. 127-29.
36. Veja Ibid., pp.66 ff.
37. Edgar Julius Jung, “Germany and the Conservative Revolution,” em: The Weimar Republic Sourcebook, edited by Anton Kaes, Martin Jay, and Edward Dimenberg (Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1995), p.354.
38. Edgar Julius Jung, “People, Race, Reich,” em Europa: German Conservative Foreign Policy 1870-1940, editado por Alexander Jacob (Lanham, MD, USA: University Press of America, 2002), p101.
40. Para uma visão mais profunda da vida e pensamento de Jung, ver Walter Struve, Elites Against Democracy: Leadership Ideals in Bourgeois Political Thought in Germany, 1890-1933 (Princeton, NJ.: Princeton University, 1973), pp 317 ff. Veja também Edgar Julius Jung, The Rule of the Inferiour, 2 vols. (Lewinston, New York: Edwin Mellon Prezz, 1995).
41. Haag, Spann and the Politics of Totality, pp 154-55.
42. Veja nossas prévias citações de Voegelin, Theory of Governance and Race and State; Armin Mohler, Die Konservative Revolution in Deutschland 1918-1932 (Stuttgart: Friedrich Vorwerk Verlag, 1950); “Othmar Spann” in Gerd-Klaus Kaltenbrunner, Vom Geist Europas, Vol.1 (Asendorf: Muth- Verlag, 1987).
43. Evola, Path of Cinnabar, p.155.