30/01/2014

Entrevista com Aleksandr Dugin - Unidos pelo Ódio

por Manuel Ochsenreiter



Professor Dugin, a grande mídia e os políticos consagrados ocidentais descrevem a situação recente na Ucrânia como um conflito entre pró-europeus e a aliança de oposição democrática e liberal de um lado e um regime autoritário com um ditador como presidente do outro lado. Você concorda?

Dugin: Eu sei dessas histórias e eu considero esse tipo de análise totalmente errada. Não podemos dividir o mundo de hoje no estilo da Guerra Fria. Não existe um “mundo democrático” que está contra um “mundo antidemocrático”, como muitas mídias ocidentais reportam.

Seu país, a Rússia, é um dos núcleos desse chamado “mundo antidemocrático”, quando acreditamos nos nossos principais meios de comunicação. E a Rússia com o presidente Vladimir Putin tenta intervir na política interna da Ucrânia, nós lemos ...

Dugin: Isso está completamente errado. A Rússia é uma democracia liberal. Dê uma olhada na Constituição Russa: Temos um sistema eleitoral democrático, um parlamento em funcionamento, um sistema de livre mercado. A Constituição é baseada no padrão ocidental. Nosso presidente Vladimir Putin governa o país de forma democrática. Não somos uma monarquia, não somos uma ditadura, não temos um regime comunista soviético.

Nossos políticos na Alemanha chamar Putin um "ditador"!

Dugin: (risos) Com base em que?

Por causa de suas leis sobre os LGBT, seu apoio para a Síria, os processos contra Michail Chodorchowski e o “Pussy Riot”...

Dugin: Então eles o chamam de “ditador” porque não gostam da mentalidade russa. Cada ponto que você mencionou é democraticamente legítimo. Não existe apenas um único elemento “autoritário”. Sendo assim, não devemos confundir isso: Mesmo se você não gosta da política russa, não se pode negar que a Rússia é uma democracia liberal. O presidente Vladimir Putin aceita as regras democráticas do nosso sistema e respeita elas. Ele nunca violou uma única lei. Portanto, a Rússia é parte do campo democrático liberal e o padrão da Guerra Fria não funciona para explicar a crise Ucraniana.

Assim como podemos descrever esse conflito violento e sangrento?

Dugin: Nós precisamos de uma análise geopolítica e civilizacional bastante clara. E nós temos que aceitar fatos históricos, mesmo que eles não estejam na moda hoje!

O que você quer dizer?

Dugin: A Ucrânia de hoje é um Estado que nunca existiu na história. É uma entidade recém criada. Essa entidade possui pelo menos duas partes completamente diferentes. Essas duas partes possuem uma identidade e cultura diferentes. Há a Ucrânia Ocidental que é unida em sua identidade euro-oriental. A vasta maioria das pessoas vivendo na Ucrânia Ocidental se considera como européia oriental. E essa identidade se baseia na rejeição completa de qualquer idéia pan-eslava junto com a Rússia. Os russos são considerados como inimigos existenciais. Nós podemos dizê-lo assim: Eles odeiam russos, a cultura russa e obviamente a política russa. Isso constitui uma parte importante de sua identidade.

Você não está chateado com isso como russo?

Dugin: (ri) De modo algum! É uma parte da identidade. Não significa necessariamente que eles querem ir à guerra contra a Rússia, mas eles não gostam de nós. Nós deveríamos respeitar isso. Olhe, os americanos são odiados por muitos povos mais e eles aceitam isso também. Assim quando os ucranianos ocidentais nos odeiam, isso não é nem ruim nem bom - é um fato. Vamos simplesmente aceitar isso. Nem todo mundo tem que nos amar!

Mas os ucranianos orientais gustam de vocês russos mais!

Dugin: Não tão rápido! A maioria das pessoas vivendo na parte oriental da Ucrânia partilha de uma identidade comum com o povo russo - histórica, civilizacional e geopolítica. A Ucrânia Oriental é um país absolutamente russo e eurasiano. Assim há duas Ucrânias. Nós vemos isso muito claramente nas eleições. A população está dividida em qualquer questão política importante. E especialmente no que concerne as relações com a Rússia, nós testemunhamos quão dramático esse problema se torna: Uma parte é absolutamente anti-russa, a outra parte é absolutamente pró-russa. Duas sociedades diferentes, dois países diferentes e duas identidades nacionais e históricas diferentes vivem em uma entidade.

Então a questão é que sociedade domina a outra?

Dugin: Essa é uma parte importante da política ucraniana. Nós temos as duas partes e temos a capital Kiev. Mas em Kiev nós temos ambas identidades. Não é nem a capital da Ucrânia Ocidental nem da Ucrânia Oriental. A capital da parte ocidental é Lviv, a capital da parte oriental é Kharkiv. Kiev é a capital de uma entidade artificial. Esses são todos fatos importantes para compreender esse conflito.

A mídia ocidental bem como "nacionalistas" ucranianos discordariam fortemente do termo "artificial" para o Estado ucraniano.

Dugin: Os fatos são claros. A criação do Estado da Ucrânia com as fronteiras de hoje não foi resultado de um desenvolvimento histórico. Foi uma decisão burocrática e administrativa da União Soviética. A República Socialista Soviética da Ucrânia foi uma das 15 repúblicas constituintes da União Soviética de sua criação em 1922 a seu fim em 1991. Ao longo dessa história de 72 anos, as fronteiras da república mudaram muitas vezes, com uma parte significativa do que hoje é a Ucrânia Ocidental sendo anexada pelo Exército Vermelho em 1939 e a adição da antiga Criméia Russa em 1954.

Alguns políticos e analistas dizem que a solução mais fácil seria a partição da Ucrânia em um Estado oriental e um Estado ocidental.

Dugin: Não é tão fácil quando parece porque teríamos problemas com minorias nacionais. Na parte ocidental da Ucrânia muitas pessoas que se consideram russas vivem hoje. Na parte oriental vive uma parte da população que se considera como ucraniana ocidental. Você vê: Uma simples partição do Estado não pode realmente resolver o problema, mas pode até criar um novo. Nós podemos imaginar uma separação da Criméia, porque essa parte da Ucrânia é um território puramente russo.

Por que parece que a União Européia está tão interessada em "importar" todos esses problemas para sua esfera?

Dugin: Não está no interesse de qualquer aliança européia, está no interesse dos EUA. É uma campanha política liderada contra a Rússia. O convite de Bruxelas à Ucrânia para se unir ao Ocidente trouxe imediatamente o conflito com Moscou e o conflito interno da Ucrânia. Isso não é surpreendente de forma alguma para qualquer um que conheça a sociedade e história da Ucrânia.

Alguns políticos alemães disseram que eles ficaram surpresos pelas cenas de guerra civil em Kiev...

Dugin: Isso diz mais sobre os padrões de política e educação histórica de seus políticos do que sobre a crise na Ucrânia.

Mas o presidente ucraniano Viktor Yanukovych recusou o convite do Ocidente.

Dugin: É claro que ele recusou. Ele foi eleito pelo leste pró-russo e não pelo oeste. Yanukovych não pode agir contra o interesse e a vontade de sua própria base eleitoral. Se ele aceitasse o convite ocidental-europeu ele seria imediatamente um traidor aos olhos de seus eleitores. Os apoiadores de Yanukovych querem a integração com a Rússia. Para ser claro: Yanukovych simplesmente fez o que seria lógico para ele fazer. Sem surpresas, sem milagre. Simples política lógica.

Há agora uma aliança oposicional bastante pluralista e politicamente colorida contra Yanukovych: Essa aliança inclui típicos liberais, anarquistas, comunistas, grupos de direitos homossexuais e também grupos nacionalistas e até neonazistas e hooligans. O que mantém esses diferentes grupos e ideologias unidos?

Dugin: Eles são unidos por seu puro ódio contra a Rússia. Yanukovych é aos seus olhos o proxy da Rússia, o amigo de Putin, o homem do Oriente. Eles odeiam tudo que tem relação com a Rússia. Esse ódio os mantém unidos; esse é um bloco de ódio. Para ser claro: O ódio é sua ideologia política. Eles não amam a União Européia ou Bruxelas.

Quais são os principais grupos? Quem está dominando as ações da oposição?

Dugin: Esses são claramente os grupos neonazistas mais violentos no chamado Euro-Maidan. Eles incitam à violência e provocam uma situação de guerra civil em Kiev.

A grande mídia ocidental afirma que o papel desses grupos extremistas é dramatizado pela mídia pró-russa para difamar a totalidade da aliança oposicional.

Dugin: É claro que eles afirmam. Como eles querem justificar que os governos europeus e da União Européia apoiam neonazistas racistas e extremistas fora das fronteiras da União Européia enquanto dentro da União Européia eles agem das formas mais melodramáticas e dispendiosas mesmo contra os mais moderados grupos de direita?

Mas como podem por exemplo os grupos de direitos homossexuais e grupos liberais de esquerda lutarem ao lado de neonazistas que são bastante conhecidos por não serem nada amigáveis para com gays?

Dugin: Em primeiro lugar, todos esses grupos odeiam a Rússia e o presidente russo. Esse ódio os torna camaradas. E os grupos liberais de esquerda não são menos extremistas que os grupos neonazistas. Nós tendemos a pensar que eles são liberais, mas isso é terrivelmente equivocado. Nós encontramos especialmente na Europa Oriental e na Rússia muito comumente que o lobby homossexual e os grupos ultranacionalistas e neonazistas são aliados. Também o lobby homossexual possui idéias bastante extremistas sobre como deformar, reeducar e influenciar a sociedade. Não devemos esquecer isso. O lobby gay e lésbico não é menos perigoso para qualquer sociedade do que neonazistas.

Nós sabemos de tal aliança também de Moscou. O blogueiro liberal e candidato à posição de prefeito em Moscou Alexej Nawalny foi apoiado por tal aliança de direitos homossexuais e grupos neonazistas.

Dugin: Exatamente. E essa coalizão-Nawalny também foi apoiada pelo Ocidente. O ponto é, não é de modo algum algo relativo ao conteúdo ideológico desses grupos. Isso não é interessante para o Ocidente.

O que você quer dizer?

Dugin: O que aconteceria se uma organização neonazista apoiasse Putin na Rússia ou Yanukovych na Ucrânia?

A União Européia começaria uma campanha política; todas as imensas corporações midiáticas ocidentais cobririam isso e fariam escândalo

Dugin: Exatamente este é o caso. Assim é apenas uma questão de que lado tal grupo se situa. Se o grupo está contra Putin, contra Yanukovych, contra a Rússia, a ideologia do grupo não é um problema. Se o grupo apoia Putin, a Rússia ou Yanukovych, a ideologia imediatamente se torna um imenso problema. É tudo sobre o lado geopolítico que o grupo assume. Não é nada além de geopolítica. É uma ótima lição que está ocorrendo na Ucrânia. A lição nos diz: A geopolítica está dominando estes conflitos e nada mais. Nós testemunhamos isso também com outros conflitos, por exemplo na Síria, Líbia, Egito, na região do Cáucaso, Iraque, Irã...

Qualquer grupo tomando posição em favor do Ocidente é um "bom" grupo mesmo que seja extremista?

Dugin: Sim e qualquer grupo tomando posição contra o Ocidente - mesmo que esse grupo seja secular e moderado - será chamado de "extremista" pela propaganda ocidental. Essa abordagem domina exatamente o campo de batalha geopolítico hoje. Você pode ser o mais brutal e radical combatente salafista, você pode odiar judeus e comer órgãos humanos na frente da câmera, desde que você lute pelos interesses ocidentais contra o governo sírio você é um aliado respeitado e apoiado do Ocidente. Quando você defende uma sociedade multirreligiosa, secular e moderada, todos ideais do Ocidente aliás, mas você toma posição contra os interesses ocidentais como o governo sírio, você é o inimigo. Ninguém está interessado no que você acredita, é apenas sobre o lado geopolítico que você escolhe se você está certo ou errado aos olhos da hegemonia ocidental.

Prof. Dugin, especialmente na Ucrânia grupos de oposição se dizendo "nacionalistas" discordariam fortemente do senhor. Eles dizem: "Nós estamos contra a Rússia e contra a União Européia, nós assumimos uma terceira via!" A mesma coisa ironicamente diria o combatente salafista na Síria: "Nós odiamos os americanos tanto quanto o governo sírio!" Há algo como uma terceira via possível nessa guerra geopolítica de hoje?

A idéia de assumir uma posição independente entre os dois blocos dominantes é muito comum. Eu tive entrevistas e diálogos interessantes com uma figura de liderança da guerrilha separatista chechena. Ele me confessou que ele realmente acreditava na possibilidade de uma Chechênia Islâmica livre e independente. Mas depois ele compreendeu que não há "terceira via", não há possibilidade disso. Ele compreendeu que ele luta contra a Rússia ao lado do Ocidente. Ele era um instrumento geopolítico do Ocidente, um proxy da OTAN no campo de batalha caucásico. A mesma feia verdade atinge o "nacionalista" ucraniano e o combatente salafista árabe: Eles são proxies ocidentais. É duro aceitar isso porque ninguém gosta da idéia de ser um idiota útil de Washington.

Para dizer com clareza: A "terceira via" é absolutamente impossível?

Dugin: Não há espaço para isso hoje. Há potência terrestre e potência marítima na geopolítica. A potência terrestre é representada hoje pela Rússia, o poder marítimo por Washington. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tentou impor uma terceira via. Essa tentativa se baseou precisamente naqueles erros políticos sobre os quais falamos ainda há pouco. A Alemanha entrou em guerra contra a potência marítima representada pelo Império Britânico, e contra o poder terrestre representado pela Rússia. Berlim lutou contra as principais forças globais e perdeu a guerra. O fim foi a destruição completa da Alemanha. Assim quando mesmo a poderosa Alemanha daquela época não foi forte o bastante para impôr uma terceira via como que os grupos menores e mais fracos querem fazer isso hoje? É impossível, é uma ilusão ridícula.

Alguém que afirma hoje lutar por uma "terceira via" independente é na realidade um proxy para o Ocidente?

Dugin: Na maioria dos casos, sim.

Moscou parece ser bastante passiva. A Rússia não apoia quaisquer proxies, por exemplo, nos países da União Européia. Por que?

Dugin: A Rússia não possui uma agenda imperialista. Moscou respeita a soberania e não interferiria nas políticas domésticas de qualquer outro país. E essa é uma política honesta e benigna. Nós testemunhamos isso mesmo na Ucrânia. Nós vemos muito mais políticos e diplomatas da União Européia e mesmo dos EUA viajando para Kiev para apoiar a oposição do que vemos políticos russos apoiando Yanukovych na Ucrânia. Nós não devemos esquecer que a Rússia não possui interesses hegemônicos na Europa, mas os americanos tem. Falando francamente, a União Européia não é uma entidade européia genuína - é um projeto imperialista transatlântico. Ela não serve aos interesses dos europeus mas aos interesses da administração de Washington. A "União Européia" é na realidade anti-européia. E o "Euro-Maidan" é na realidade "anti-Euro-Maidan". Os neonazistas violentos na Ucrânia não são nem "nacionalistas", nem "patriotas", nem "europeus" - eles são puramente proxies americanos. O mesmo para os grupos de direitos homossexuais e organizações como o FEMEN ou grupos liberais de esquerda.


26/01/2014

Takis Fotopoulos - As Verdadeiras Causas da Crise Catastrófica na Grécia e a "Esquerda"

por Takis Fotopoulos



1. A integração da Grécia na União Europeia é a verdadeira causa da sua crise catastrófica 

A quase total destruição das classes mais baixas na Grécia não se deve às causas que lhe são atribuídas habitualmente pela "esquerda". [1] Na realidade, contrariamente às "explicações" mistificadoras apresentadas por essa esquerda e também pela direita, a verdadeira causa é a plena integração da economia grega na globalização neoliberal, através da sua entrada na UE. Foi isso que determinou a total transformação da Grécia num protetorado econômico e político da Elite Transnacional. [2] 

O catalisador para esta crise foi o incumprimento não oficial da Grécia que, no entanto, foi apenas a consequência da destruição da sua estrutura de produção, em resultado da abertura e da liberalização de mercados impostas pela UE, decorrente da entrada da Grécia em 1981. Portanto, não é de admirar que tanto a esquerda (com exclusão da esquerda comunista) como a direita – na realidade, todo o establishment grego – estejam plenamente unidas em não contestar a principal causa da atual destruição econômica: o fato de a Grécia ser membro da UE. 

Por outras palavras, contrariamente às mistificadoras promessas pré-eleitorais do SYRIZA (que é uma parte orgânica da euro-esquerda que acaba de escolher o seu líder, A. Tsipras, como candidato para presidente da Comissão da UE), não é possível que um estado-membro da UE/UEM possa recusar-se a aplicar as políticas impostas pela globalização neoliberal, como a História confirma com Mitterrand, Lafontaine, Hollande e outros. É igualmente enganador afirmar, como faz o SYRIZA, que, se for eleito para o poder, inverterá a legislação catastrófica imposta pela famosa 'Troika' (que representa o FMI, a UE e o BCE) nos últimos três anos. 

As promessas mistificadoras acima referidas baseiam-se no mito de que o neoliberalismo é uma espécie de ideologia errada ou de doutrina [3] defendida por "maus" políticos como Thatcher, Merkel, Blair, etc. No entanto, a globalização neoliberal é, na verdade, um fenômeno sistêmico que significa também que o crescimento econômico dos membros da UE já não assenta principalmente no mercado interno mas no mercado internacional (dentro e fora da UE) e que são as Corporações Transnacionais (CTN) que controlam a produção e o comércio mundiais, e – através da Elite Transnacional [4] – as instituições políticas, militares e culturais internacionais. 

Assim, só se os governos da UE fossem conquistados pela euro-esquerda e depois forçassem as CTN com sede na UE a funcionar apenas no interior da área da UE – impondo nesse processo estritos controles sociais sobre o movimento de capitais e de mercadorias de outros blocos econômicos (i.e. Extremo Oriente e América) – só então a economia europeia podia ser indiferente ao seu nível de competitividade e viver no nirvana da euro-esquerda, feliz para sempre. Mas, na verdade, a UE está a avançar exatamente na direção oposta para uma maior integração na Nova Ordem Mundial definida pela globalização neoliberal! Isso é claramente visível nas atuais negociações entre a UE e os EUA para uma Área Transatlântica de Comércio Livre. 

2. A globalização capitalista só pode ser neoliberal 

As euro-elites, pura e simplesmente, não podem dar-se ao luxo de perder mais competitividade. Na verdade, a verdadeira razão para a criação da UE e, posteriormente, da Zona Euro não teve nada a ver com os ideais de liberdade, democracia, valores humanos e o resto da sua ideologia, como demonstra claramente a história da UE. Foi o fosso crescente na competitividade (em termos de quota da UE nas exportações mundiais) durante os anos 80, que levou as euro-elites a acelerar os processos de integração, que na sua maioria estavam adormecidos até aí. O fracasso econômico da UE ficou a dever-se claramente ao fato de que a competitividade das suas mercadorias estava a crescer a ritmos muito mais lentos do que a dos seus competidores, em especial nos países de baixos custos do Extremo Oriente. [5] Como os defensores da UE e da sua integração andavam a afirmar nessa altura, apenas um mercado de dimensões continentais podia proporcionar a segurança e as economias de escala que eram necessárias para a sobrevivência do capital europeu no mercado global híper-competitivo que estava a surgir na época. 

No entanto, apesar do alto grau de integração conseguido pelo 'Ato Único Europeu' nos anos 90, e mesmo apesar da criação da Zona Euro, o seu declínio na competitividade continuou. Assim, enquanto a quota das euro-exportações no total mundial foi de 35,8% em 1990, dez anos depois, tinha caído para 29,7% e em 2010 ainda tinha caído mais para 26,3%! [6] Por outras palavras, em duas décadas, os países da Zona Euro perderam mais de um quarto da sua competitividade, medida em termos da sua quota nas exportações mundiais. Embora as euro-elites estejam bem conscientes de que uma parte significativa da sua 'perda' de exportações seja na verdade devida à sua desindustrialização – visto que as CTN (muitas delas com sede nos países metropolitanos incluindo os da Zona Euro) transferiram o capital industrial para os paraísos de baixos custos da China, da Índia e outros – obviamente isso não serve de consolo aos seus trabalhadores (e eleitorados), que beneficiam muito pouco (se é que beneficiam alguma coisa!) com a globalização! 

Assim, as atuais políticas da UE não são o resultado de uma conspiração ou de uma conjura satânica para explorar ainda mais os trabalhadores europeus mas resultam simplesmente do fato de que a abertura e a liberalização de mercados exigidas pela globalização, para que as CTN possam expandir mais as suas atividades, levaram inevitavelmente às atuais políticas neoliberais implementadas por todos os países plenamente integrados na Nova Ordem Mundial. Para falar de modo simples, a globalização num mundo capitalista só pode ser neoliberal e o resto é mitologia adotada pela "esquerda" mundial atualmente falida – com excepção da genuína (mas em contração) esquerda anti-sistêmica. 

3. A competitividade é a regra 

Portanto, se aceitarmos a premissa de que as euro-elites não têm alternativa senão melhorar a sua competitividade dentro da economia globalizada, a questão que se segue é como melhorar a competitividade. Há duas maneiras principais para melhorar a competitividade de um país: ou mudando os preços relativos, i.e. esmagando os preços das mercadorias produzidas localmente em relação às produzidas no exterior através do esmagamento dos ordenados e dos salários, ou melhorando a produtividade das mercadorias produzidas localmente, o que pode levar a um custo mais baixo de produção sem reduzir os ordenados e salários reais ou a melhor qualidade dos produtos, etc. 

Mudar os preços relativos segundo a primeira forma é a solução fácil, porque pode ser implementada, quase duma só penada, no caso de um país que controla a sua divisa e a Grécia recorreu repetidas vezes a políticas de desvalorização no período pós-guerra para melhorar, temporariamente, a sua competitividade. Mas, no caso em que um país não controla a sua divisa, como é o caso da Grécia na Zona Euro, dado o baixo nível histórico da sua produtividade da mão-de-obra devido à falta de investimento na pesquisa e desenvolvimento, a única alternativa é a política atualmente implementada de esmagar ordenados e salários na esperança de que o custo de produção baixe em conformidade. Na verdade, o nível da produtividade da mão-de-obra grega, por exemplo, tem sido sempre historicamente muito mais baixo do que a da Zona Euro (em 2006 era apenas 77% da média da Zona Euro [7] ), uma coisa que não é assim tão estranha se tivermos em conta que a proporção de investimentos produtivos em relação ao PIB é muito mais alta no 'Norte' da Europa do que no 'Sul' em geral e na Grécia em particular. 

Portanto, se partirmos da premissa de que os níveis desiguais de competitividade e produtividade são inevitáveis numa união econômica como a UE, que é formada por países de níveis de desenvolvimento muito diferentes (dado que se formaram historicamente num processo de desenvolvimento muito desigual tal como é o capitalista), então podemos perceber facilmente as causas da crise em países como a Grécia. O fato de um país da Zona Euro como a Grécia, que enfrenta um problema de baixa competitividade, não poder desvalorizar a sua divisa (i.e. mudar os preços relativos sem a necessidade de reduzir salários e receitas internas) não é a causa da crise. Pode ser a causa de uma crise de competitividade semelhante num país capitalista avançado como a Alemanha mas não num país como a Grécia em que a baixa competitividade é um problema de desenvolvimento. 

Tanto mais quanto a entrada da Grécia para a UE e posteriormente para a Zona Euro exacerbou significativamente o problema do desenvolvimento ao desmantelar efetivamente a estrutura produtiva do país, quando a sua indústria e agricultura incipientes não foram capazes de competir com as mercadorias importadas, na sequência da abertura e liberalização de mercados impostas pelo Mercado Único. Nestas condições, mesmo a saída da Grécia do Euro e uma desvalorização do dracma que seria depois reintroduzido, apenas podiam ter efeitos temporários na competitividade grega, a não ser que simultaneamente se fizessem maciços investimentos na sua estrutura produtiva, o que está longe de ser garantido numa economia de mercado internacionalizada. 

4. A UE enquanto mecanismo para transferir excedentes do 'Sul' para o 'Norte' 

Por outras palavras, a competitividade no núcleo dos países do Euro, que se caracterizam por níveis mais altos de produtividade de mão-de-obra do que no Sul, depende sobretudo de manter sob controle os salários e os preços, para que as mercadorias alemãs continuem a ser competitivas (por causa da sua qualidade mais alta, etc) em comparação com mercadorias semelhantes produzidas na Ásia oriental e noutros locais. Por outro lado, a competitividade na periferia europeia, que engloba países de níveis mais baixos de produtividade de mão-de-obra, como a Grécia, depende sobretudo da melhoria da produtividade através de novos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento. Assim, o problema da competitividade no Sul é sobretudo um problema de desenvolvimento e prende-se com a necessidade de criar uma forte base produtiva, que não pode ser formada dentro do processo de desenvolvimento capitalista desigual (tal como hoje), mas dentro de um processo de controle social da economia para criar uma economia de auto-suficiência. 

No entanto, apesar da diferença fundamental relacionada com as causas de baixa competitividade entre o 'Norte' e o 'Sul' da UE, no enquadramento da Europa pós-Maastricht, foi adotada uma política comum para todos os países membros – uma política que foi determinada pelas necessidades e pelos interesses do Norte. Assim, o Mercado Único não significou a unificação de povos, como a propaganda da UE o apresentou, nem sequer a unificação de estados, mas apenas a unificação de mercados livres. No entanto, 'mercados livres' não significavam apenas mercados abertos (i.e. o movimento sem inibições de mercadorias, capitais e mão-de-obra) mas também mercados flexíveis (i.e. a eliminação de quaisquer obstáculos na livre formação de preços e salários), assim como a restrição do papel do estado no controle da atividade econômica, o que implica a drástica restrição do elemento da 'economia nacional'. 

Foi esta a essência da globalização neoliberal que caracterizou o novo enquadramento institucional da UE, i.e. que o controle estatal do mercado interno de cada estado membro (que ficou drasticamente restrito no seio do Mercado Único de 1992) não fosse substituído por um correspondente controle da UE, para além de alguns regulamentos (na sua maioria prejudiciais) sobre a uniformidade, etc. Por outras palavras, as novas instituições tinham em vista a maximização da liberdade do capital organizado, cuja concentração foi facilitada por todas as maneiras possíveis, e a minimização da liberdade do trabalho organizado, cuja coordenação foi restringida de todas as maneiras possíveis e em especial através da ameaça do desemprego. 

Não foi por acaso nem devido a uma má concepção da Zona Euro, conforme argumentam os pós-keneysianos e outros reformistas (incluindo a euro-esquerda!) que a Alemanha é de fato o país que estava no lado receptor dos maiores benefícios da adesão à UE e à Zona Euro, enquanto os países do Sul da Europa beneficiavam minimamente dela. Quando foi institucionalizada a Zona Euro no início do novo milênio, a Alemanha já gozava de níveis relativamente altos de produtividade de mão-de-obra e de competitividade e a nova divisa 'congelou' essencialmente os desvios relativos entre o Norte avançado e o Sul muito menos avançado (que tinha partes que realmente eram subdesenvolvidas). 

Assim, o Mercado Único, nas condições de uma divisa comum, provocou uma relativa igualização de preços de mercadorias e um certo aumento nos salários no Sul, quando os trabalhadores lutaram para manter o valor real dos salários e simultaneamente para estreitar o fosso de salários com os trabalhadores do Norte. Por outro lado, os empregadores alemães estavam em muito melhor posição para suprimir o aumento de salários dada a diferença na produtividade de mão-de-obra de que tinham beneficiado devido à tecnologia avançada e ao investimento em Pesquisa e Desenvolvimento, mas também devido aos melhores preços relativos. Como exprimiu Wolfgang Münchau, "a Alemanha entrou na Zona Euro com uma taxa de câmbio sem competição e embarcou num longo período de moderação de salários". 

Os macroeconomistas diriam que "a Alemanha beneficiou de uma verdadeira desvalorização em relação aos outros membros". [8] Se a isso acrescentarmos que os países no Sul deixaram de ter o poder de desvalorizar as suas divisas, enquanto a Alemanha não tinha necessidade nenhuma de desvalorizar a sua divisa enquanto pudesse manter a subida dos salários ao ritmo dos aumentos da produtividade de mão-de-obra, então podemos perceber porquê (e como) a Zona Euro funciona essencialmente como um mecanismo econômico para transferir os excedentes econômicos dos países do Sul da Europa para os do Norte e em especial para a Alemanha. 

5. O papel desorientador da "esquerda" 

A conclusão óbvia é que é impossível tomar quaisquer medidas radicais para sair do atual desastre econômico (e não só!), sem uma saída unilateral da UE juntamente com o cancelamento da dívida (para a qual, de resto, o povo nunca foi consultado), assim como sem abandonar toda a legislação imposta pela Troika e a adoção simultânea das necessárias mudanças geoestratégicas. Só deste modo pode a Grécia recuperar a soberania econômica e nacional minimamente requerida para uma estratégia de auto-suficiência econômica, que é necessária para a saída permanente da crise, através da criação de uma nova estrutura produtiva para satisfazer as suas necessidades. 

Isto significa que a opinião de que podemos implementar outra política mesmo dentro da Zona Euro, como sugere o SYRIZA, ou que bastará sair do Euro (sem a saída paralela direta e unilateral da UE) para implementar uma estratégia econômica radicalmente diferente (conforme sugerem outras organizações de esquerda), são totalmente mistificadoras. Isto porque, conforme tentei demonstrar acima, a causa da presente catástrofe econômica na Grécia não são as políticas de austeridade da Troika, como afirmam os apoiantes da primeira perspectiva, nem a fraca concepção do Euro (e a sua implementação) que contribuíram para os défices e para a dívida maciça, conforme argumentam os apoiantes desta ultima perspectiva. [9] 

Assim, os apoiantes da primeira perspectiva (Laskos e Tsakalotos), reproduzem na realidade os mitos de um internacionalismo obsoleto segundo o qual a luta do proletariado europeu no interior da UE deitará abaixo as políticas de austeridade, apesar de, depois de quase cinco anos de esmagamento econômico dos estratos populares, não ter havido uma única luta europeia ("oficial" ou não oficial) contra essas políticas! Por outro lado, os apoiantes da última perspectiva (Flassbeck e Lapavitsas), agindo como o "Plano B" da Euro-elite – no caso de esta ser forçada a expulsar a Grécia (temporária ou permanentemente) da Zona Euro – defendem a saída da Grécia do Euro, mas não da UE. No entanto, em ambos os casos, pode considerar-se como certo o fracasso das políticas propostas, embora as consequências não sejam idênticas. 

Assim, no primeiro cenário de um governo com base no SYRIZA (que parece provável na sequência das Euro-eleições e que poderá funcionar como catalisador para as eleições gerais), é uma questão de tempo até o seu fracasso se tornar evidente, se insistir na sua política pró-UE e pró-Euro. Apesar da sua atual retórica, terá simplesmente que seguir as mesmas políticas econômicas que o atual governo, talvez com um menor relaxamento das políticas de austeridade (partindo do princípio de que as Euro-elites encontrarão forma de cancelar parte da Dívida para conseguir tornar pagável a parte restante). Enquanto os mercados se mantiverem abertos e liberalizados sob um governo do SYRIZA (o partido nunca contestou este princípio fundamental da globalização neoliberal), os mercados de trabalho também continuarão a ser flexíveis. No entanto, mercados abertos e liberalizados significam que: 

* os ordenados e salários serão mantidos em torno dos seus níveis mínimos atuais ou, pelo menos, esses níveis serão a base para quaisquer futuros aumentos estritamente ligados aos aumentos de produtividade; 

*a Saúde Pública e a Educação nunca recuperarão do seu atual desmantelamento, visto que o governo vai ter que continuar a implementar as atuais políticas fiscais restritivas da Zona Euro para manter os défices orçamentais sob estrito controle; 

* o desbarato da riqueza social da Grécia, na sequência das privatizações de serviços essenciais como a eletricidade, a água, os transportes, os portos e aeroportos, as comunicações (e agora até mesmo as ilhas gregas!) não será invertido, tornando impossível a implementação de qualquer política social eficaz para proteger as vítimas da globalização; 

* o desemprego pode cair marginalmente dos atuais quase 30% da população trabalhadora (e 60% dos jovens) mas apenas na medida em que os investidores estrangeiros sejam atraídos pelos ordenados/salários extremamente baixos e pela 'estabilidade política' que o SYRIZA possa assegurar. No entanto, dada a forte competição nesta frente com outros países de salários baixos nos Balcãs e noutros locais (Ásia oriental), o desemprego está condenado a estabilizar em níveis muito altos durante o próximo futuro, e os jovens gregos terão que trabalhar na "indústria pesada" da Grécia (como o establishment chama ao turismo) ou terão que emigrar.

Nitidamente, esta latino-americanização (ou balcanização) da economia grega tornar-se-á permanente com a política pró-UE do SYRIZA e, nas eleições que se seguirem a um período (provavelmente curto) do SYRIZA no poder, o partido provavelmente terá o destino do partido social-democrata PASOK, que na realidade ficou desfeito. Com efeito, isso será apenas adiar o fim da Euro-esquerda na Grécia, acompanhando o mesmo fim deste tipo de "esquerda" no resto da Europa, na era da globalização. Contudo, a "esquerda" internacional é incapaz de ver tudo isto e estará pronta para festejar a possível vitória do SYRIZA nas próximas eleições, [10] enquanto Leo Panitch está tão entusiasmado com o novo tipo de reforma 'progressista' que o SYRIZA representa que se tornou quase lírico quando leu que Tsipras "falou em termos da 'oportunidade histórica' que agora existe para uma alternativa de esquerda ao atual 'modelo europeu' capitalista. [11] Isto, precisamente no momento em que o mesmo Tsipras também é elogiado indiretamente pelo New York Times, o principal órgão da Elite Transnacional, presumivelmente como um político de esquerda 'sério', digno da sua confiança, em comparação com a 'esquerda lunática' que eles tanto desprezam: 

Mr. Tsipras… afastou-se da retórica do passado quanto a abandonar o Euro e disse que não pretende que a Grécia saia da zona dos 18 países que usam essa divisa. Mas pretende uma reformulação fundamental das condições dos fundos de salvação da Grécia, no valor de 240 mil milhões de euros. "A nossa intenção é alterar o enquadramento, não é esmagar o Euro", disse ele. [12] 

Por outro lado, no caso do segundo cenário, i.e. de um governo de esquerda que decida a saída da Grécia do Euro (mas se mantenha na UE), a imagem seria muito mais turva, porque a reintrodução e a significativa desvalorização do dracma reintroduzido traria inicialmente alguns resultados positivos. Mas estes seriam totalmente temporários, a não ser que fossem acompanhados de uma radical estruturação paralela da estrutura produtiva, baseada em decisões sociais e que não fosse deixada às forças do mercado, conforme os dois cenários implícita ou explicitamente assumem. E isso leva-nos de volta à necessidade de uma estratégia de auto-suficiência que pressupõe uma saída da Grécia tanto do Euro como da UE. 

A principal razão por que ambas as abordagens não só são erradas, mas também totalmente mistificadoras, é que elas não se baseiam no fato de a atual crise devastadora ser devida a razões estruturais que têm tudo a ver com o processo desigual de desenvolvimento capitalista, e que ainda é mais exacerbado na era da globalização neoliberal e das políticas consequentes implementadas pela UE, e muito pouco a ver com a crise financeira mais lata [13] , com as políticas de austeridade ou com a própria dívida e com as formas de a gerir. 

Assim, no que se refere às políticas de austeridade, é óbvio que elas são uma consequência e não a causa da crise devastadora. Portanto, a solução para o "problema" não é apenas a redistribuição de rendimento à custa dos lucros e a favor dos salários (como supostamente será a conclusão tirada por um certo tipo de análise "marxista"), porque esta desigualdade não é nada de novo mas uma caraterística inerente do sistema capitalista. Não admira que, apesar da crescente desigualdade mundial durante a era da globalização neoliberal, o sistema tenha desfrutado de um período sustentado de expansão durante este período, com o PIB mundial a crescer a uma média de 2,9% nos anos 90 e 3,2% no período até ao início da última crise financeira (2000-2008). [14] Além disso, o único caso em que ocorreu uma redistribuição sistemática de rendimento contra os ricos num sistema capitalista foi quando a carga fiscal foi transferida para os ricos durante o período social-democrata (aprox. 1945-1975). No entanto, este tipo de redistribuição já deixou de ser possível na Nova Ordem Mundial da Globalização Neoliberal, visto que as Corporações Transnacionais podem mudar-se facilmente para paraísos fiscais como a Irlanda, a Índia, etc., deixando atrás de si desemprego maciço e pobreza. 

No entanto, nem os défices e as consequentes dívidas foram criados por políticas fiscais imprudentes nem, como afirmam as variantes mais refinadas sobre o mesmo tema, pelo fato de a elite alemã ter estado a reprimir aumentos de salários numa altura em que as outras elites na Zona Euro, e em especial as elites na periferia do Euro, estavam a fazer exatamente o oposto. Esta política, segundo o mesmo argumento, terá criado uma vantagem competitiva artificial e consequentes excedentes na Balança de Pagamentos (BP) na Alemanha e, vice-versa, no Sul da Europa, i.e., baixa competitividade e défices da BP. Isto, por sua vez, levou a um endividamento excessivo dos países periféricos (facilitado pelo fato de estar sustentado por uma divisa forte, o Euro) até ao momento em que rebentou a "bolha" fiscal, quando a consequente escassez de liquidez tornou muito mais difíceis os empréstimos a esses países, levando às bem conhecidas crises da dívida em países como a Grécia. Não é de admirar que a Euro-elite tenha acabado por decidir adotar um controle econômico ainda mais apertado dos membros do Euro, através da União Bancária. [15] 

6. Observações finais 

Portanto, a questão fundamental que se coloca é a seguinte: pode um pequeno país periférico do Euro, como a Grécia, deixar hoje de implementar as políticas da globalização neoliberal? Ou os milhões de desempregados e de pobres devem esperar (como sugere a atual "esquerda") uma mudança radical no equilíbrio de forças na UE e na Zona do Euro, a fim de que no novo governo pan-europeu de esquerda avance com as reformas 'progressistas' sugeridas pelos seus apoiantes? Alternativamente, será melhor esperarem por uma nova revolução socialista a fim de avançar com genuínas políticas socialistas, conforme sugerido pela esquerda anti-capitalista cada vez mais reduzida? As minhas simpatias, claro, seriam (como sempre foram) a favor de uma esquerda anti-sistêmica, porque é a única que luta contra a sua plena integração no sistema e na Nova Ordem Mundial. Contudo, é óbvio para mim que, atualmente, esta esquerda não é menos messiânica do que a integrada no sistema "esquerda" e como tal igualmente inútil para as vítimas da globalização que todos os dias perdem um pouco mais a esperança num futuro melhor, muitas delas recorrendo cada vez mais ao suicídio. 

Nestas condições, para mim é claro que só se um país romper com a economia de mercado internacionalizada e prosseguir uma política de auto-suficiência, poderá recuperar o necessário grau de soberania econômica, e portanto nacional, de modo a que seja o povo que determine o processo econômico, i.e. quais as necessidades econômicas e sociais que devem ser satisfeitas e de que modo, em vez de deixarem esta questão de vida ou morte para as 'forças de mercado' e para o social darwinismo que elas inevitavelmente implicam. Isto, para um país como a Grécia, implicaria a necessidade da criação 'pela base' de uma Frente Popular para a Libertação Social e Nacional [16] (em vez de se centrar em políticos profissionais da "esquerda" ou da direita), que formularão um programa das mudanças radicais necessárias para conseguir o objetivo a curto prazo de restaurar o pleno controlo social sobre todos os mercados, cancelando unilateralmente a Dívida e toda a legislação com ela relacionada, imposta pela Troika, assim como uma saída unilateral da UE. Embora seja necessária, mesmo nesta fase inicial, a socialização do sistema bancário e das indústrias reprivatizadas, em especial das que cobrem necessidades básicas (energia, água, transportes, comunicações, etc.), o objetivo a médio prazo terá que ser a auto-suficiência econômica, de modo que as necessidades básicas de todos os cidadãos sejam satisfeitas através da reconstrução da estrutura econômica segundo as necessidades sociais em vez de segundo a procura do mercado. Por outro lado, a questão da mudança sistêmica, i.e. se a Grécia será no futuro uma sociedade de um estado socialista, uma democracia inclusiva [17] ou um tipo radical de social-democracia, será determinado pelo próprio povo numa fase posterior depois de resolvidos os atuais problemas cruciais ligados à sua sobrevivência. 

Com efeito, a Grécia não estará sozinha nesta luta contra a Nova Ordem Mundial e a globalização neoliberal. Os povos de outros países na periferia europeia e noutros locais seguirão o seu exemplo quando perceberem que há uma saída da catástrofe atual, AQUI e AGORA, mas também os povos que já estão a lutar contra a globalização neoliberal se juntarão à luta comum contra a Nova Ordem Mundial da globalização neoliberal. De fato, esta luta já está a intensificar-se a partir da América Latina (Venezuela, Bolívia, Cuba, etc.) até aos povos da Eurásia da ex-URSS, e aos povos nos países árabes (claro que não estou a referir-me às pseudo-revoluções na Tunísia e no Egito ou às insurreições engendradas na Líbia e na Síria) [18] que derramam sangue diariamente na luta pela sua libertação nacional e social.

Notas 

[1] Ver e.g. o recente livro de dois membros da direcção do SYRIZA (um deles membro do Parlamento representando o partido), Christos Laskos e Euclid Tsakalotos, Crucible of Resistance: Greece, the Eurozone and the World Economic Crisis, (Pluto Press, Sept. 2013). 

[2] Takis Fotopoulos, "Greece: The implosion of the systemic crisis", The International Journal of INCLUSIVE DEMOCRACY, Vol. 6, No. 1 (Winter 2010); ver, também, Greece as a protectorate of the transnational elite,(Athens: Gordios, November 2010), www.inclusivedemocracy.org/... 

[3] Ver e.g. Naomi Klein, The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism, (London: Penguin, 2008). 

[4] Ver, para o sentido e significado da Elite Transnacional na administração da Nova Ordem Mundial, Takis Fotopoulos, Subjugating the Middle East: Integration into the New World Order – Vol. 1: Pseudo-Democratization, (Progressive Press, 2014), Part I. 

[5] Assim, enquanto a quota da UE das exportações mundiais esteve estagnada entre 1979 e 1989, a quota dos EUA aumentou em 3,5% e a quota do Extremo Oriente aumentou nuns enormes 48%, (Banco Mundial, Relatório do Desenvolvimento Mundial 1991, Quadro 14). 

[6] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2002, (Quadro 4.5) & Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2012, (Quadro 4.4). 

[7] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2008, Quadro 2.4. 

[8]Wolfgang Münchau, "Germany's rebound is no cause for cheer", Financial Times, 29/8/2010. 

[9] Heiner Flassbeck and Costas Lapavitsas, Left-Wing Strategies to Solve the Euro Crisis, (Rosa Luxemburg Foundation: Berlin, May 2013, www.rosalux.de/fileadmin/rls_uploads/pdfs/Studien/kurzfassung_flassbeck_en.pdf 
e versão completa in "The systemic crisis of the euro – true causes and effective therapies", www.rosalux.de/publication/39478 . 

[10] Ver e.g. Andreas Bieler, "Crucible of Resistance: Class Struggle Over Ways Out of the Crisis", Socialist Project • E-Bulletin No. 926 January 10, 2014; Reproduced also in Global Research. 

[11] Leo Panitch, "Europe's left has seen how capitalism can bite back»", The Guardian, 13/1/2014. 

[12] Andrew Higgins, "Opposition Dissent Tempers Greek Attempts at Optimism", The New York Times, 12/1/2014. 

[13] Takis Fotopoulos, "The myths about the economic crisis, the reformist Left and economic democracy", The International Journal of INCLUSIVE DEMOCRACY, Vol. 4, No. 4, (October 2008), www.inclusivedemocracy.org/journal/vol4/vol4_no4_takis_economic_crisis.htm 

[14] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2010, Quadro 4.1. 

[15] 'Big step' reached in rescue plan for eurozone banks, BBC News, 12/12/2013 <http://www.bbc.co.uk/news/business-25348977>; Ver, também, Maria Snytkova, "European countries lose bank sovereignty", English Pravda, 2012/2013 english.pravda.ru/world/europe/20-12-2013/126445-bank_sovereignty-0/ 

[16] Ver Takis Fotopoulos, "Neoliberal Globalization and the need for popular fronts for national and social liberation", The International Journal of Inclusive Democracy, Vol. 9, No. 1/2 (2013), (under publication). 

[17] Takis Fotopoulos, Towards An Inclusive Democracy, (London/NY: Cassell /Continuum, 1997/1998). 

[18] Takis Fotopoulos, Subjugating the Middle East: Integration into the New World Order – Vol. 2, Engineered Insurrections, (Progressive Press, 2014). 

25/01/2014

Julius Evola - Orientações

por Julius Evola



1 - É inútil criar ilusões com as quimeras de um qualquer otimismo: nós hoje nos encontramos no fim de um ciclo. Já há seculos, antes imperceptivelmente, e depois com o movimento de uma massa em desabamento, processos multíplices têm destruído no Ocidente todo o ordenamento normal e legítimo dos homens, tem falsado toda mais alta concepção do viver, do agir e do combater. E o movimento dessa queda, a sua velocidade, a sua vertigem, foi chamada «progresso». E ao «progresso» foram elevados hinos e se criou a ilusão de que esta civilização – de matéria e de máquinas – fosse a civilização por excelência, aquela a que toda a história do mundo fosse pré-ordenada: até que as consequências últimas de todo este processo foram tais que impuseram, em alguns, um despertar. Onde e sob quais símbolos procuraram se organizar as forças de uma possível resistência é do nosso conhecimento. Por um lado uma nação que, desde que tinha vindo a ser uma, não tinha conhecido nada além do clima medíocre do liberalismo, da democracia e da monarquia constitucional – e que ousou retomar o símbolo de Roma como base para uma nova concepção política e para um novo ideal de virilidade e dignidade. Forças análogas despertaram na nação que, em si mesma, durante a Idade Média, já tinha trazido o símbolo romano do Imperium, para reafirmar o princípio de autoridade e primazia daqueles valores, que no sangue, na raça, nas forças mais profundas de uma estirpe têm suas raízes. E enquanto outros grupos e outras nações europeias se orientavam no mesmo sentido, uma terceira força vinha a se adicionar à facção no continente asiático, a nação dos samurais, na qual a adoção das formas exteriores da civilização moderna não tinham prejudicado a fidelidade a uma tradição guerreira centrada no símbolo do Império solar de direito divino.

Não se pretendia que nestas correntes fosse bem nítida a diferença entre o essencial e o acessório, que às suas ideias se fizesse de contraparte uma adequada persuasão e qualificação das pessoas, que nelas tivessem sido superadas influências várias originárias das mesmas forças a que se deveria ter em conta como o próprio inimigo. O processo de purificação ideológica podia ter tido lugar em um segundo momento, resolvidos fossem alguns problemas políticos imediatos e improrrogáveis. Mas ainda assim estava claro que estava tomando forma uma disposição de forças, representante de um desafio à civilização «moderna»: seja àquelas democracias herdadas da Revolução Francesa, seja a outra, a representante do nível máximo da degradação do homem ocidental: a civilização coletivística do Quarto Estado, a civilização comunista do homem-massa, sem vulto. Os ritmos se aceleraram, as tensões cresceram até o confronto armado de forças. O que prevaleceu foi o poder maciço de uma coalizão que não recuou frente à mais híbrida das ententes e à mais hipócrita das mobilizações ideológicas a tempo de conseguir esmagar um mundo que estava voltando a se levantar e a afirmar o seu direito. Se os nossos homens foram ou não à altura da missão, se erros foram cometidos em ocasião de tempestividade, de incompleta preparação, de medida de risco, isto seja deixado de lado, não é coisa que prejudica o significado interno da luta que foi combatida. De igual modo, não nos interessa que a história se vingue sobre os vencedores, que as potências democráticas, após terem se coalizado com as forças da subversão vermelha a fim de conduzir a guerra até ao extremismo insensato da rendição incondicional, hoje veja retornar contra si os aliados de outrora com um perigo bem mais temível daquele que queriam evitar.

O que conta é isso: nós hoje nos encontramos em meio a mundo de ruínas. E o problema para se pôr é: existem ainda homens em pé em meio a estas ruínas? E o que devem, o que estes podem ainda fazer?

2 - Um tal problema vai de fato para além das facções de ontem, sendo claro que vencedores e vencidos já se encontram no mesmo plano e que o único resultado da segunda guerra mundial foi reduzir a Europa a objeto de potências e interesses extraeuropeus. Deve-se também reconhecer que a devastação que temos em volta é de caráter sobretudo moral. Está-se em um clima generalizado de anestesia moral, de profunda desorientação, apesar de todas as palavras de passe em uso numa sociedade de consumo e de democracia: o cedimento do caráter e de toda verdadeira dignidade, o marasma ideológico, a prevalência dos mais baixos interesses, o “vivere alla giornata” (“viver o dia”, viver sem pensar no futuro, de acordo com o momento), estão a caracterizar, em geral, o homem do pós-guerra. Reconhecer isto significa também reconhecer que o problema primal, base de qualquer outro, é de caráter interno: levantar-se, ressurgir-se interiormente, dar-se forma, criar em si mesmo uma ordem e uma forma de retitude. Nada tem aprendido das lições do recente passado quem se ilude, hoje, acerca da possibilidade de uma luta puramente política, e acerca do poder de uma ou de outra fórmula ou sistema a que não faça correspondência uma precisa qualidade humana. Eis um princípio que hoje tanto quanto nunca deveria ter uma evidência absoluta: se um Estado possuísse hoje um sistema político ou social que, em teoria, valesse como o mais perfeito, mas a substância ou o componente humano fosse falho, pois bem, aquele Estado desceria ao nível das sociedades mais baixas; enquanto um povo, uma raça capaz de produzir homens verdadeiros, homens de justo sentir e de firme instinto, alcançaria um alto nível de civilização e se manteria em pé perante as provas mais calamitosas, ainda que seu sistema político fosse imperfeito. Se tome portanto uma precisa posição contra aquele falso «realismo político», que pensa apenas em termos de programas, de problemas organizatórios partidários, de receitas sociais e econômicas – isso tudo pertence ao contingente não ao essencial. Pelo contrário, a medida do que pode ainda ser salvo depende da existência, ou menos, de homens que estejam à frente não para pregar fórmulas, mas para serem exemplos, não indo ao encontro da demagogia e do materialismo das massas, mas despertando formas diferentes de sensibilidade e interesse. Partindo do que ainda pode subsistir entre as ruínas, reconstruir lentamente um homem novo a animar, mediante um determinado espírito, e uma adequada visão da vida, a se fortificar na dependência de uma adesão firme a dados princípios: eis o verdadeiro problema.

3 - Em termos espirituais, existe algo que pode servir como caminho para as forças da resistência e do novo levante: é o espírito legionário. É o costume de quem soube escolher a via mais dura, de quem soube combater mesmo sabendo que a batalha estava perdida, de quem soube convalidar as palavras da antiga saga: «fidelidade é mais forte que fogo», e graças ao qual se afirmou a ideia tradicional, que é o senso da honra ou da humilhação – não pequenas medidas tiradas de pequenas morais – isto cria uma diferencia substancial, existencial entre os seres, quase como entre uma raça e outra.

Por outro lado se tem a realização própria àqueles em que o fim já apareceu como meio, nestes temos o reconhecimento do caráter ilusório de múltiplos mitos, deixando intacto o que souberam conseguir para si mesmos, sobre as fronteiras entre vida e morte, além do mundo da contingência.

Estas formas de espírito podem ser as bases de uma nova unidade. O essencial é assumi-las, aplicá-las e estendê-las do tempo de guerra ao tempo de paz, desta paz sobretudo, que é apenas uma batida de parar, uma desordem mal contida – até que se determine uma estratégia e uma nova disposição. Isto tem de ocorrer em termos bem mais essenciais do que aqueles a caracterizar um «partido», o qual pode ser apenas um instrumento contingente em vista de dadas lutas políticas; em termos mais essenciais do que um simples «movimento», se por «movimento» se entende apenas um fenômeno de massas e de agregações, um fenômeno mais quantitativo do que qualitativo, mais baseado em fatores emotivos do que em uma severa e clara aderência a uma ideia. A nossa é mais uma revolução silenciosa, que procede em profundidade, que se deve propiciar, para que sejam criadas antes no interior e no singular as premissas daquela ordem que depois deverá ser firmada também no âmbito exterior; suplantando repentinamente, no momento certo, as formas e as forças da subversão. O «estilo» que tem de ganhar destaque é aquele de quem se mantém nas posições de fidelidade a si mesmo e a uma ideia, em um ajuntamento de intensidade, em uma recusa para qualquer acordo, em um empenho total que se deve manifestar não apenas na luta política mas também em qualquer expressão da própria existência: nas fábricas, nos laboratórios, nas universidades, pelas ruas, na própria vida particular dos afetos. Deve-se chegar ao ponto em que o tipo de que falamos, e que deve ser a substância celular das nossas fileiras, seja bem reconhecível, inconfundível, diferenciado, e possa se dizer: «É um que age como um homem do movimento».

Esta, que já foi a tarefa das forças que sonharam, para a Europa, uma ordem nova, mas que em sua realização frequentemente foram desviadas por fatores múltiplos, tem de ser retomada. E hoje, no fundo, as condições são melhores, porque não existem equívocos, e basta olhar ao redor, da praça até o Parlamento, para que as vocações sejam testadas e se tenha, clara, a medida do que nós não devemos ser. Perante um mundo em lama, cujo princípio fundante é: «Faz o que vês fazerem», ou: «Antes vem o estômago, a pele (a malapartiana “pele”!) e depois a moral», ou ainda: «Estes não são os tempos em que alguém se possa permitir o luxo de ter um caráter», ou enfim: «Tenho família para alimentar», se saiba opor um claro e firme: «Nos não podemos fazer de outra forma, esta é a nossa via, este é o nosso ser». O que de positivo poderá ser alcançado hoje ou amanhã, não o será por meio da habilidade de agitadores ou politicantes, mas sim graças ao natural prestígio e ao reconhecimento maduro dos homens, seja de outrora, seja, e ainda mais, da geração nova, que de tanto sejam capazes e nisso deem suporte e resistência para as suas ideias.



4 - É portanto uma substância nova que tem de se fazer atuar para além dos quadros, das camadas e das posições sociais do passado. É uma nova figura que precisa se ter perante os olhos, para medir a própria força e a própria vocação. Importante, fundamental, é reconhecer que esta figura não tem a ver com as classes, como categorias econômicas, e com os antagonismos a estas relativos. Esta poderá se manifestar tanto no rico quanto no pobre, no trabalhador quanto no aristocrático, no empresário quanto no explorador, no técnico, no teólogo, no agricultor, no homem político em sentido estrito. Mas esta substância nova conhecerá uma diferenciação interna, a qual será perfeita quando, novamente, não haverá duvida acerca das vocações e as funções do seguir, do comandar, quando um repristinado símbolo de indiscutível autoridade reinará, ao centro de novas estruturas hierárquicas.

Isto define uma direção a se definir tanto antiburguesa quanto antiproletária, uma direção totalmente livre das contaminações democráticas e das retóricas «sociais», porquanto conduzinte para um mundo claro, viril, articulado, feito de homens e guias de homens. Desprezo pelo mito burguês da «segurança», da pequena vida padronizada, conformística, adomesticada e «moralizada». Desprezo pelo vínculo anódino próprio a todo sistema coletivístico e mecanicístico e a todas as ideologias que operam sobre confusos valores «sociais», na primazia sobre aqueles heroicos e espirituais com os quais deve-se definir, para nós, em qualquer domínio, o tipo de homem verdadeiro, de pessoa absoluta. E algo de essencial será conseguido quando se despertará novamente o amor por um estilo de impersonalidade ativa, pelo qual o que conta seja a obra, não o indivíduo, pelo qual se seja capaz de não considerar si mesmo como algo de importante, sendo em vez disso importante a função, a responsabilidade, a tarefa assumida, o fim perseguido. Lá onde esse espírito se firme, simplificarão também muitos problemas de ordem econômica e social, os quais, pelo contrário, ficariam insolúveis se enfrentados externamente, sem a oposição de uma mutação de fatores espirituais e sem a eliminação de infecções ideológicas, que já de partida prejudicam qualquer volta à normalidade, aliás a percepção mesma da normalidade.

5 - Não apenas como orientação doutrinal, mas também no que condiz ao mundo da ação, é importante que os homens das nossas fileiras reconheçam com exatidão o encadeamento das causas e efeitos e a continuidade essencial da corrente que tem dado vida às várias formas políticas hoje em jogo no caos dos partidos. Liberalismo, depois democracia, depois radicalismo, depois socialismo e enfim comunismo e bolchevismo não apareceram, historicamente, senão como graus de um mesmo mal, que como estágios prepararam, cada qual, aquele sucessivo no curso de um processo de queda. E o início deste processo está no ponto em que o homem ocidental quebrou os vínculos com a tradição; desconheceu qualquer superior símbolo de autoridade e soberania, reivindicou, para si, uma liberdade vã e ilusória, tornou-se átomo em vez de parte consciente na unidade hierárquica de um todo. E o átomo, afinal, devia encontrar contra si a massa dos outros átomos, dos outros indivíduos, e estar envolvido na emergência do reino da quantidade, do número puro, das massas materializadas e não possuintes de outro Deus fora a soberania da ordem econômica. Neste processo não se permanece na metade do caminho. Sem a Revolução Francesa e o liberalismo não teríamos tido o constitucionalismo e a democracia, sem a democracia não teria havido o socialismo e nacionalismo demagógico; sem a preparação do socialismo não teríamos tido o radicalismo e no final o comunismo. O fato de que hoje estas várias formas se apresentem comumente uma ao lado da outra ou em antagonismo não deve impedir de reconhecer, a um olho que realmente vê, que estas se mantém unidas, que se concatenam, condicionam-se reciprocamente e expressam apenas os graus diferentes de uma mesma corrente, de uma mesma subversão de qualquer organização social normal e legítima. Assim, a grande ilusão dos nossos dias é de que o liberalismo e a democracia sejam a antítese do comunismo e tenham o poder de conter a maré de forças vindas de baixo, daquele que, no linguajar dos sindicatos se chama «movimento progressista». Ilusão: como quem nos diz que o crepúsculo é a antítese da noite, que o grau incipiente de uma doença seja a antítese da forma aguda e endêmica da mesma, que um veneno diluído seja a cura para o mesmo na forma pura e concentrada. Os homens no governo desta Itália «libertada» não tem aprendido nada da história mais recente, cujas lições continuam se repetindo em qualquer lugar até a monotonia, e continuam o seu jogo comovente, com concepções políticas ultrapassadas e mãos no carnaval parlamentar, uma quase-dança macabra sobre um vulcão latente. Mas a nós têm de caber exatamente a coragem do radicalismo, o não dito às decadências políticas em todas as suas formas, seja de esquerda, seja de uma presumida direita. E sobretudo se deve ser consciente disso: de que com a subversão não se negocia, que fazer concessões hoje significa se condenar a ser derrotado amanhã. Logo, uma intransigência da ideia e a prontidão a se fazer frente com forças puras, quando o momento certo tenha chegado.

Isto implica naturalmente também o se livrar da distorção ideológica, infelizmente difundida também entre uma parte da juventude, por via da qual se concedem os álibis para as destruições já acontecidas, iludindo-se com o pensar que estas, depois de tudo, eram necessárias e servirão para o «progresso»; que se deva combater por algo «novo», porvindouro, no lugar do que por verdade nós já possuímos; porque estas, seja mesmo em formas várias de aplicação, sempre e em qualquer lugar têm servido como base a todo tipo correto de organização política e social. Que se rejeitem estes sofismas. E se ria de quem vos acuse de «anti-históricos» ou «reacionários». Não existe a História, entidade misteriosa escrita com a letra maiúscula. São os homens, enquanto estes são realmente homens, que fazem e desfazem a história; o dito «historicismo» é mais ou menos a mesma coisa daquele que nos ambientes de esquerda se chama «progressismo»; e este, hoje, apenas uma coisa quer: fomentar a passividade em relação à corrente que se engrossa e que leva cada vez mais para baixo. E quanto ao reacionarismo, perguntem: Vocês então gostariam de, enquanto agem e profanam, nós não «reagíssemos», mas ficássemos vos olhando, e vos disséssemos: parabéns, continuem!? Não somos reacionários apenas porque a palavra não é forte o suficiente e sobretudo porque nós partimos do positivo, representamos o positivo, valores reais e originários, que não necessita da luz de algum “Sol dell’avvenire” (expressão em italiano para “Sol do porvir”).

Frente ao nosso radicalismo, em particular, aparece como irrelevante a antítese entre «Oriente» vermelho e «Ocidente» democrático, e assim tragicamente irrelevante nos parece também um conflito armado entre esses dois blocos. A olhar apenas para o imediato, subsiste certamente a escolha do mal menor, porque a vitória militar do «Oriente» implicaria a destruição física imediata dos últimos expoentes da resistência. Mas em sede de ideia, Rússia e U.S.A. devem ser considerados como dois ramos de uma mesma pinça em via de se fechar definitivamente em volta da Europa. Em duas formas diferentes mas convergentes age nestas uma mesma força, estranha e inimiga. As formas de padronização e conformismo, de nivelamento democrático, de frenesi produtivo, de mais ou menos prepotente e explícito brains trust, de materialismo mesquinho do americanismo podem apenas servir para abrir o caminho para a fase ulterior, que é representada, na mesma direção, pelo ideal comunista do homem-massa. O caráter distintivo do americanismo é que o ataque contra a personalidade e a qualidade não se realiza por meio da bruta coerção de uma ditadura marxista e de um pensamento de Estado, mas é quase espontaneamente, nos termos de uma civilização que não conhece ideais mais altos de riqueza, consumo, renda, produção sem freios, então, por uma exasperação e uma redução ao absurdo do que a própria Europa elegeu, – que as mesmas motivações têm tomado uma forma ou a estão tomando. Mas primitivismo e mecanicismo e brutalidade estão tanto de um quanto do outro lado. De uma certa forma, o americanismo, para nos, é mais perigoso do que o comunismo: por ser uma espécie de Cavalo de Troia. Quando o ataque contra os valores-resíduos da tradição europeia se efetua na forma direta e nua, própria à ideologia bolchevique e ao estalinismo, algumas reações ainda se levantam, certas linhas de resistência, ainda que tênues, podem ser mantidas. De forma diferente estão as coisas quando o mesmo mal age de maneira mais sutil e as transformações acontecem insensivelmente no plano do costume e da visão geral da vida, como é o caso do americanismo. Sofrendo levemente a influência desse sinal da democracia, a Europa já se predispõe para a última abdicação, tanto que poderá até mesmo acontecer que não haja necessidade de uma catástrofe militar, mas que, por via «progressiva», se chegue, apos uma última crise social, mais ou menos ao mesmo ponto. Novamente: na metade da estrada não se para. O americanismo, querendo ou não, trabalha para o seu inimigo aparente, para o coletivismo.

6 - Não sem relação a isso, o nosso radicalismo exige que não se transija não apenas com qualquer variedade da ideologia marxista ou socialista, mas também com o que em linhas gerais se pode chamar de alucinação ou o demonismo da economia. Se trata aqui da ideia de que na vida, seja individual, seja coletiva, o fator econômico seja aquele importante, real, decisivo; que a concentração de todo valor e interesse no plano produtivo e econômico não seja a aberração sem precedentes do homem ocidental moderno, mas sim algo de normal; não uma eventual, bruta necessidade, mas algo que tem de ser desejado e exaltado. Neste círculo fechado e escuro restam seja o capitalismo seja o marxismo. Este círculo, nós devemos infringi-lo, dele desviar-nos. Enquanto não se souber falar de nada além de classes econômicas, de salários, de trabalho, de produção, enquanto se continuar a ter a ilusão de que o verdadeiro progresso humano, a verdadeira elevação do indivíduo seja condicionada por um particular sistema de distribuição da riqueza e dos bens – e tenha portanto a ver com a indigência ou o bem-estar, com o estado da prosperity dos USA ou com aquele do socialismo utópico –, se permanece estagnado sempre no mesmo plano do que tem de ser combatido. Isso nós devemos afirmar: que tudo isso deve ser combatido. Isso nós devemos afirmar: que tudo quanto é economia e mero interesse econômico, como mero satisfazimento das necessidades físicas, tem tido, e sempre terá,  uma função subordinada em uma humanidade sã; que além desta esfera deve se diferenciar uma ordem de valores superiores, espirituais, políticos e heroicos que – como já dissemos – não conhece e nem admite «proletários» ou «capitalistas», e apenas em função do qual devem se definir as coisas pelas quais viver e morrer; deve-se estabelecer uma hierarquia verdadeira, devem-se diferenciar novas dignidades e, ao vértice, reinar uma superior função de comando, de imperium.

Assim, segundo esse critério, devemos desraigar muitas ervas parasitas que têm vingado aqui e lá, às vezes até no nosso campo. O que de fato é este falar em «Estado do Trabalho», em «Socialismo Nacional», em «Humanismo do Trabalho» e similares? O que são estas instâncias mais ou menos declaradas por uma involução da política na economia, quase em uma retomada daquelas tendências problemáticas para um «corporativismo integral» e, no fundo, acéfalo, que já no fascismo tiveram o próprio caminho bloqueado? O que é este considerar a fórmula da «socialização» como um fármaco universal e este elevar da «ideia social» a símbolo de uma nova civilização que, quem sabe como, deve colocar-se acima seja do «Oriente» seja do «Ocidente»?

Estes – insta reconhecer – são os lados sombrios presentes em não poucos espíritos e que, ainda que por outras motivações, se encontram na nossa própria frente. Com isso pensam que estão sendo fiéis a uma tarefa «revolucionária», enquanto obedecem apenas a sugestões mais fortes que eles, das quais está saturado um ambiente político degradado. E entre tais sugestões entra o próprio «caso social». Quando se darão finalmente conta da verdade, isto é, de que o marxismo não surgiu porque existia um caso social real, mas sim que a questão social surge – em ínfimos casos – apenas porque existe um marxismo; vale a dizer artificialmente, e ainda em termos quase sempre insolúveis – obra de agitadores, dos famosos «redespertadores da consciência de classe», sobre a qual Lenin se expressou muito claramente, e que assim tem confutado, inclusive, o caráter espontâneo dos movimentos proletários.

É partindo desta premissa que se precisaria agir, no sentido, primeiramente, da desproletarização ideológica, da desinfecção das partes ainda sadias do povo do vírus socialista. Só então uma ou outra reforma poderá ser estudada sem perigo, segundo uma verdadeira justiça.

Assim, como caso particular, se verá como a ideia corporativa pode vir a ser novamente uma das bases para a reconstrução: corporativismo não tanto como uma ideia geral, de composição Estatal e quase burocrática que mantenha a ideia deletéria de opostas facções classistas, mas sim como a exigência de que, mesmo dentro da empresa, seja reconstruída aquela unidade, aquela solidariedade de forças diferenciadas, que a prevaricação capitalista (com o subentendimento do tipo parasitário do especulador e do capitalista financeiro) por um lado, e a agitação marxista, por outro, têm prejudicado e quebrado. Precisa-se levar a empresa a uma forma de unidade quase militar, na qual ao espírito de responsabilidade, à energia e à competência de quem lidera façam resposta a solidariedade e a fidelidade das forças trabalhadoras associadas em torno deste no comum empreendimento. A única verdadeira tarefa portanto é a reconstrução orgânica da empresa, e para realizá-lo não é necessário usar fórmulas voltadas a adular, para baixos fins propagandísticos e eleitorais, o espírito de sedição das camadas inferiores das massas com o disfarce de «justiça social». Geralmente, deveria vir a ser retomado o mesmo estilo de impersonalidade ativa, de dignidade, de solidariedade no produzir, que foi próprio às antigas corporações artesãs e profissionais. O sindicalismo, com a sua «luta» e as suas autênticas chantagens das quais hoje nos oferece exemplos em demasia, tem de ser banido. Mas voltamos a repeti-lo: a tais metas se deve chegar partindo do próprio interior. O importante é que, contra qualquer forma de ressentimento e antagonismo social, cada um saiba reconhecer e amar o próprio lugar, aquele conforme a sua própria natureza, reconhecendo assim também os limites dentro dos quais ele pode desenvolver as suas possibilidades e conseguir uma própria perfeição: porque um artesão que cumpre perfeitamente a sua função é indubitavelmente superior a um rei que destoe e não seja à altura da própria dignidade.

Em particular, pode-se admitir um sistema de competências técnicas e de representações corporativas, a substituir o parlamentarismo dos partidos; mas deve-se manter em conta que as hierarquias técnicas, no seu complexo, não podem significar nada a mais do que um degrau na direção da hierarquia integral: com isso, diz-se respeito à ordem dos meios a se subordinar à ordem dos fins, à qual corresponde a parte propriamente política e espiritual do Estado. Falar no lugar disso de um «Estado do trabalho» ou da produção, vale tanto quanto fazer da parte o todo, vale tanto quanto tentar se manter vivo enquanto um organismo humano num semi-estado de vegetação, reduzido às suas funções meramente físico-vitais. Nem uma coisa tão estúpida e obscura pode ser a nossa insígnia, nem a própria «ideia social». Pelo contrário, a nossa ideia deve ser a ideia hierárquica integral. Em relação a isso nenhuma incerteza é admissível.



7 - Se o ideal de uma política viril e orgânica já foi parte essencial no mundo que foi destruído – e pelo qual foi também reinvocado o símbolo romano – também devem-se reconhecer casos em que tal exigência desviou e quase se abortou na direção errada do «totalitarismo». Este, novamente, é um ponto que tem de ser visto com clareza, a fim de que a diferenciação das frentes seja exata, e também, não sejam fornecidas armas àqueles que querem confundir as coisas tidas por claras. Hierarquia não é hierarquismo (um mal, este, que, infelizmente, hoje procura voltar a brotar em tom menor), e a concepção orgânica não tem nada a ver com a esclerose estatolátrica e a centralização niveladora. Quanto aos indivíduos, superação verdadeira, seja de individualismo quanto de coletivismo, tem-se apenas quando homens estão perante homens, na diversidade natural de seu ser e de suas dignidades. E quanto à unidade que deve impedir, em geral, qualquer forma de dissociação e de absolutização do particular, esta deve ser essencialmente espiritual, deve ser aquela de uma influência central organizadora, de um impulso que, dependendo dos domínios, assume formas diferenciadas de expressão. Esta é a verdadeira essência de uma concepção «orgânica», oposta às relações rígidas e extrínsecas próprias ao «totalitarismo». Nestes quadros a exigência da dignidade e da liberdade da pessoa humana, que o liberalismo sabe conceber apenas em termos individualísticos, igualitários e privatísticos, pode se realizar integralmente. É nesse espírito que as estruturas de um novo ordenamento político-social devem ser estudadas. Em firmes e claras articulações. Mas similares estruturas necessitam de um centro, de um supremo ponto de referência. Um novo símbolo de autoridade e soberania é necessário. A missão, a tal fim deve ser precisa: não se podem admitir tergiversações ideológicas. É bom dizer claramente que aqui não se trata apenas do denominado problema institucional; se trata antes de tudo que é necessário para um clima especifico, para o fluido que deve animar todo relacionamento de fidelidade, de dedicação, de serviço, de ação individual, tanto que seja verdadeiramente superado o cinzento, o mecanicístico e o oblíquo do mundo político-social atual. Aqui, hoje, porém se acabará em ruas sem saída quando ao vértice não se será capazes de uma espécie de ascese da ideia pura. Seja alguns antecedentes pouco felizes das nossas tradições nacionais, seja ainda mais as trágicas contingências de ontem prejudicam, em muitos, a percepção clara da direção certa. Nós podemos também reconhecer a inconcludência da solução monárquica, quando temos em vista aqueles que hoje sabem defender apenas um resíduo de ideia, um símbolo esvaziado e desvirilizado, qual é hoje aquele da monarquia constitucional parlamentarista. Mas de maneira igualmente decidida se deve declarar a incompatibilidade com relação à ideia republicana. Se antidemocráticos por um lado e por outro defensores «ferozes» (esta é infelizmente a terminologia de alguns expoentes de uma falsa intransigência) da ideia republicana é um absurdo que se toca com a mão: a república (se entendem as repúblicas modernas: aquelas antigas foram aristocracias – como Roma – ou oligarquias, muitas vezes com o caráter de tiranias) pertence essencialmente ao mundo surgido do jacobinismo e da subversão antitradicional e anti-hierárquica do século XIX. E a tal mundo, que não é o nosso, seja deixada. Em via de princípio, uma nação já monárquica que se torna uma república não pode vir a ser considerada que como uma nação «desclassada». Para a Itália não se jogue ao equívoco em nome de uma fidelidade ao fascismo de Salò, porque se, por esta razão, se devesse a falsa via republicana, no mesmo ponto se seria infiel a algo maior e melhor, se jogaria ao mar o núcleo central da ideologia do ventennio, isto é, a sua doutrina de Estado em função de autoridade, de imperium.

Somente a essa doutrina é preciso seguir, sem consentir descer de nível e sem fazer o jogo de nenhum grupo. A concretização do símbolo, por ora, pode ser deixada indeterminada; a tarefa principal é preparar silenciosamente o ambiente espiritual adapto para que o símbolo, de uma autoridade espiritual sobrelevada, intangível, seja sentido e volte a adquirir a plenitude do seu significado: ao qual não pode corresponder a condição de qualquer revogável «presidente» de república, nem mesmo aquela de um tribuno ou chefe-do-povo, detentor de um simples poder temporal informe, privado de qualquer superior natureza, mas apenas apoiado no prestígio precário por ele exercitado sobre as forças irracionais das massas. E a isto alguém deu o nome de «bonapartismo» e que foi justamente reconhecido no seu significado não de antítese da democracia demagógica ou «popular», mas antes de lógica conclusão desta: uma das obscuras aparições no spengleriano «Crepúsculo do Ocidente». Eis uma nova pedra de prova para os nossos: a sensibilidade em relação a tudo isto. Já um Carlyle tinha falado «do mundo dos domésticos que quer ser governado por um pseudo-heroi» - não por um Senhor.

8 - Em uma análoga ordem de ideias tem de ser esclarecido um outro ponto. Se trata da postura a se tomar frente ao nacionalismo e à ideia de Pátria. Isto é tanto mais oportuno, enquanto muitos hoje, procurando salvar o salvável, gostariam de retomar uma noção sentimental, e ao mesmo tempo naturalística da nação, noção estranha à mais alta tradição política europeia e pouco conciliável com a ideia de Estado apresentada. Também a prescindir do fato que se vê a ideia de pátria sendo invocada por nós retoricamente e hipocritamente pelas partes mais opostas, até mesmo pelos expoentes da subversão vermelha, já factualmente aquela concepção não está à altura dos tempos porque por um lado se vê a formação de blocos supranacionais, por outro lado sempre mais a necessidade de encontrar um ponto de referência europeu, unificador além do inevitável particularismo que inere à ideia naturalística da nação e ainda mais o «nacionalismo». Todavia é mais essencial a questão de princípio. O plano político enquanto tal é aquele de sobrelevadas unidades em relação às unidades definidas em termos naturalísticos, como são aquelas a que correspondem as noções genéricas de nação, pátria e povo. Neste plano superior, o que une e o que divide é a ideia, uma ideia trazida por uma determinada elite e tendente a se concretizar no Estado. Por isso a doutrina fascista – que nisso restou fiel à melhor tradição política europeia – deu a Ideia e Estado a primazia respeito à Nação e Povo e entendeu que nação e povo apenas dentro do Estado adquirem um significado, uma forma, e participam a um grau superior de existência. Justamente em períodos de crise, como o atual, precisa-se manter firme esta doutrina. Não o ser de uma mesma terra ou de um mesmo idioma, mas de uma mesma ideia é o que conta hoje. Esta é a base, o ponto de partida. À unidade coletivística da nação – de enfants de la patrie – como cada vez mais tem predominado a partir da revolução jacobinista, nós em qualquer caso opomos alguma coisa, uma Ordem, homens fieis a princípios, testemunhas de uma superior autoridade e legitimidade originários da Ideia. Por mais que para fins práticos hoje seja auspicável uma solidariedade nacional, que não se desça, para alcançá-la, a acordos; o pressuposto sem o qual todo resultado seria ilusório é o se separar e tomar forma em uma disposição definida pela ideia – como ideia política da visão da vida. Outra via, hoje, não há:

É preciso que entre as ruínas se renove o processo das origens, aquele que, em função de elites e de um símbolo de soberania ou de autoridade, fez unos os grandes povos dentro dos grandes Estados tradicionais, como formas que surgem do desforme. Não entender esse realismo significa se abster a um plano, no fundo sub-político: aquele do naturalismo e do sentimentalismo se não até mesmo da retórica “patriottarda” (expressão italiana com conotação negativa que indica uma forma de patriotismo estúpido, barato, chauvinista).

E onde se queira apoiar a nossa ideia também a tradições nacionais se tome cuidado: porque existe uma «história pátria», de inspiração maçônica e antitradicional, especializada em atribuir caráter nacional italiano aos aspectos mais problemáticos da nossa história: a partir da revolta das Comunas, apoiadas no guelfismo. Com esta toma ressalto uma «italianidade» tendenciosa na qual nós não podemos e não queremos nos reconhecer. Esta a deixamos àqueles italianos que com a «libertação» e o partigianesimo (vindo da expressão italiana partigiani grupos de traidores armados que durante a última Guerra Mundial fizeram a resistência interna contra as forças do Eixo facilitando assim a avançada dos Aliados na Itália) têm celebrado o «segundo Risorgimento».

Ideia, Ordem, elite, Estado, homens da Ordem – em tais termos sejam mantidas as linhas, dentro do que for possível.

9 - Algo tem de ser dito sobre o problema da cultura. Não além do necessário. Nós, de fato, não sobrestimamos a cultura. O que nós chamamos «visão do mundo» não se baseia nos livros, é uma forma interna que pode ser mais precisa em uma pessoa sem uma particular cultura do que em um «intelectual» ou em um escritor. Deve-se adscrever entre os nefastos da «livre cultura» ao alcance de todos o fato que o singular seja deixado aberto a influxos de todo gênero mesmo quando é tal para não poder ser ativo perante estes, para não saber discriminar e julgar segundo reto juízo.

Mas o presente discurso não pode servir que para relevar como estão as coisas atualmente, há correntes das quais a juventude hoje deve se defender interiormente. Nós temos falado primeiramente de um estilo de retitude, de atitude interna. Este estilo implica um justo saber e em especial os jovens devem se dar conta da intoxicação operada em toda uma geração pelas variedades concordantes de uma visão falsa e distorcida da vida, que tem incidido sobre as forças internas. Em uma ou na outra forma estes tóxicos continuam a agir na cultura, na ciência, na sociologia, na literatura, como tantos pontos de infecção que devem ser individuados e destruídos. Além do materialismo histórico e do economismo, dos quais já se falou, entre os principais destes temos o darwinismo, a psicoanálise e o existencialismo.

Contra o darwinismo deve se reivindicar a dignidade fundamental da pessoa humana, reconhecendo o seu verdadeiro lugar, que não é aquele de uma particular, mais ou menos evoluída, espécie animal entre as muitas outras, diferenciada por «seleção natural» e sempre ligada a origens bestiais e primitivísticas, mas é tal ao ponto de elevá-la virtualmente muito além do plano biológico. Se hoje já não se fala mais muito em darwinismo, a substância todavia permanece, o mito biologístico darwiniano, em uma ou em outra variante vale com preciso valor de dogma, defendido pelos anátemas da «ciência», no materialismo, seja da civilização marxista, seja daquela americana. O homem moderno se amansou frente a esta concepção degradante, se reconhece tranquilamente nela, a vê como natural.

Contra a psicoanálise deve valer o ideal de um Eu que não abdica, que pretende restar consciente, autônomo e soberano frente à parte noturna e subterrânea de sua alma, e ao daemon da sensualidade; que não se sente nem «reprimido», nem psicoticamente cindido, mas realiza um equilíbrio de todas as suas capacidades ordenadas a um significado superior do viver e do agir. Uma convergência evidente pode apenas ser assinalada: a desautoração do princípio consciente sobre a pessoa, o relevo dado ao subconsciente, ao irracional, ao «inconsciente coletivo» e similares, pela psicoanálise e escolas análogas, correspondem no individuo exatamente ao que a emergência, o movimento vindo de baixo, a subversão, a substituição revolucionária do superior pelo inferior e o desprezo por qualquer princípio de autoridade representam no mundo social e histórico moderno. Sobre dois planos diferentes age a mesma tendência e os dois efeitos não podem não se integrar reciprocamente.

Quanto ao existencialismo, também a se distinguir do que é propriamente uma filosofia – uma confusa filosofia – tem sido até ontem de pertinência de restritos círculos de especialistas, precisa-se reconhecer o estado de ânimo de uma crise passada a ser sistema e adulada, a verdade de um tipo humano quebrado e contraditório, que sofre como angústia, tragicidade e absurdo, uma liberdade pela qual não se sente elevado, a que se sente sem escapatória e sem responsabilidade, condenado em meio a um mundo sem valor e significação. Tudo isso quando já o melhor Nietzsche tinha indicado uma via para reencontrar um sentido na existência e dar a si mesmo uma lei e um valor intangível mesmo perante um radical niilismo, no sinal de um existencialismo positivo, segundo a sua expressão: “para naturezas nobres”.

Tais são as linhas de superação, que não devem ser intelectualísticas mas vividas, realizadas no seu direto significado para a vida interior e para a própria conduta. Levantar-se novamente não é possível enquanto se continue, como que seja, sob a influência de similares formas de pensamento falso e desviado.

Uma vez desintoxicados, se podem conseguir clarezas, retitude e força.



10 - Na área que está entre a cultura e o costume será bom específica ulteriormente uma atitude. Do comunismo foi lançada a palavra de passe antiburguesa, que foi recolhida também no campo da cultura em certos ambientes intelectuais «empenhados». Este é um ponto que tem de ser visto bem claramente. Como a sociedade burguesa é algo de intermédio, assim existe uma dupla possibilidade de superar a burguesia, de dizer não ao tipo burguês, à civilização burguesa e ao espírito e aos valores burgueses. Uma corresponde a direção que conduz ainda mais abaixo em tudo isso, para uma humanidade coletivizada e materializada, com o seu «realismo» à la marxista: valores sociais e proletários contra o «decadentismo burguês» e «capitalista». Mas a outra é a direção de quem combate a burguesia para se elevar além desta. Os homens da nova facção serão sim antiburgueses, mas em decorrência da já citada concepção heroica e aristocrática da existência, serão antiburgueses porque desprezam a vida confortável; antiburgueses porque seguirão não aqueles que prometem vantagens materiais, mas aqueles que exigem tudo de si mesmos, antiburgueses, enfim, porque não tem a preocupação da segurança mas amam uma união essencial entre a vida e o risco, em todos os planos, fazendo própria a inexorabilidade da ideia nua e da ação precisa. Um outro aspecto ainda, pelo qual o homem novo, substância celular pelo movimento de redespertar, será antiburguês e se diferenciará da geração precedente, é pela sua indiferença por qualquer forma de retórica e de falso idealismo, por todas aquelas grandes palavras que se escrevem com a letra maiúscula, por tudo o que é apenas um gesto, uma frase de efeito ou uma cenografia. Ao invés disso essencialidade, novo realismo ao se confrontar exatamente com os problemas que se imporão, no fazer sim que valha não o aparecer mas sim o ser, não o charlar, mas sim o realizar, de modo silencioso e exato, em sintonia com as forças afins e em aderência ao comando que vem do alto.

Quem contra as forças de esquerda não sabe reagir em nome dos ídolos, do estilo de vida e das medíocres moralidades do mundo burguês, já tem perdida a batalha. Não é este o caso para o homem que permanece de pé, tendo já passado pelo fogo purificador de forças internas e externas. Este homem, do mesmo modo com que politicamente não é o instrumento de uma pseudorreação burguesa, assim, em geral, retoma forças e ideais anteriores e superiores ao mundo burguês e a era econômica, e é com estes que ele cria as linhas de defesa, consolida as posições de onde, no momento oportuno, partirá a ação reconstruidora.

Também neste contexto nós pretendemos retomar uma ordem não executada: porque se sabe como no período fascista houvesse uma tendencialidade antiburguesa, que pretendia se desenvolver em um não diferente sentido. Infelizmente também aqui a substância humana não soube ser à altura do dever. E até mesmo na antirretórica se soube fazer retórica.

11 - Consideremos de forma breve o último ponto, aquele das relações com a religião dominante. Para nós, o Estado laico, sob qualquer forma, pertence ao passado. E, particularmente, nos adversamos àquele disfarce deste, que se fez valer em certos ambientes como «Estado ético», produzido de uma baixa, espúria, oca filosofia «idealística», que já se agregou ao fascismo mas por sua natureza tal para dar um aval correspondente, do mesmo modo, a um «jogo» dialético de Bussolotti, ou ao antifascismo de um Croce.

Mas se adversamos similares ideologias e o Estado laico, um Estado clerical ou clericalizante é para nos igualmente inaceitável. Um fator religioso é necessário como fundo para uma verdadeira concepção heroica da vida, a qual tem de ser essencial para a nossa facção. É preciso sentir em si mesmos a evidência, que além desta vida terrestre tem uma mais alta vida, porque apenas quem assim sente possui uma força infrangível e indestrutível, apenas este será capaz de um sacrifício absoluto, enquanto se está a faltar, o desafiar a morte e pôr em plano secundário a própria vida é possível apenas em momentos esporádicos de exaltação, ou no desencadeamento de forças irracionais: nem há disciplina que possa se justificar no singular, com um significado superior e autônomo. Mas esta espiritualidade, que deve estar viva entre os nossos, não precisa de formulações dogmáticas obrigadas, de uma dada confissão religiosa; de qualquer forma, o estilo de vida que deste se deve tirar, não é aquele do moralismo católico, o qual aponta a pouco além de uma domesticação virtuosística do animal humano; politicamente, a nossa espiritualidade não pode não alimentar desconfiança com respeito a tudo o que, como humanitarismo, igualdade, princípio do amor e do perdão em detrimento de honra e justiça, é parte integrante da concepção cristã. Certamente, se o catolicismo fosse capaz de uma atitude de alta ascese e justamente sobre esta base, quase como uma retomada do espírito da melhor Idade Média das Cruzadas, de fazer da fé a alma de um bloco armado de forças, quase de uma nova Ordem Templária, compacta e inexorável contra as correntes do caos, do cedimento e da subversão e do materialismo prático ao mundo moderno – naturalmente, em tal caso, e também no caso em que como mínimo este tivesse se mantido firme na posição do Sillabo, para a nossa escolha não teria havido um só momento de dúvida. Mas assim como estão as coisas, dado o nível medíocre e o fundo burguês e paroquiano, ao qual hoje desceu tudo o que é religião confessional, e dados o cedimento modernista e a crescente abertura para a esquerda da Igreja pós-conciliar da «atualização», para os nossos homens poderá bastar a pura referência ao espírito, como evidência de uma realidade transcendente, a ser invocada para acionar à nossa força uma outra força, para atrair uma invisível consagração sobre um novo mundo de homens e de chefes de homens.

 Estas são algumas orientações essenciais para a batalha que terá de se combater, sobretudo com relação à juventude, para que esta retome a tocha de quem não caiu, aprendendo dos erros do passado, sabendo bem discriminar e rever tudo o que tem ressentido e ainda hoje está ressentindo de situações contingentes. Essencial é não descer ao nível dos adversários, não se reduzir a agitar simples palavras de ordem, e não insistir além da medida naquilo de ontem que, ainda que digno de ser relembrado, não tenha valor atual e impessoal de ideia-força; não ceder às sugestões do falso realismo politicante, tara de todo «partido». É, sim, necessário que as nossas forças ajam também na luta corpo-a-corpo política para se criarem todo o espaço possível na situação atual, e para conter a ofensiva, em outro caso incontrastada, das forças de esquerda. Mas além disso é importante, é essencial, que se constitua uma elite a qual, em uma conjunta intensidade, defina segundo um rigor intelectual e uma absoluta intransigência da ideia, em função da qual se devem ser unidos, e se afirme esta ideia sobretudo na forma do homem novo, do homem da resistência, do homem em pé entre as ruínas. Se será dado ir além deste período de crise e de ordem vacilante e ilusória, apenas a este homem caberá o futuro. Mas quando também o destino que o mundo moderno se criou, e que agora o está destruindo, não devesse ser contido, com tais premissas as nossas posições internas serão mantidas: em qualquer eventualidade o que poderá ser feito se fará e pertenceremos àquela pátria que por nenhum inimigo jamais poderá ser ocupada ou destruída.

Tradução por Leonardo Rivalenti