22/12/2012

Rússia e o Mundo em Transformação

por Vladimir Putin




Em meus artigos já mencionei os principais desafios que a Rússia enfrenta hoje em dia internacionalmente. No entanto, esse assunto merece uma discussão mais detalhada, e não somente porque a política externa é uma parte integral de qualquer estratégia nacional. Os desafios externos e as transformações mundiais ao nosso redor afetam nossas políticas econômicas, culturais, fiscais e de investimento.

A Rússia faz parte desse extenso mundo, economicamente, culturalmente e em termos de fluxo de informação. Nós não podemos ser isolados, e não queremos ficar isolados. Esperamos que a nossa abertura traga ao povo russo mais prosperidade e cultura e que promova a confiança, um item escasso ultimamente.

Ao mesmo tempo, tudo o que fazemos será baseado nos nossos próprios interesses e objetivos, e não em decisões que outros países nos impõem. A Rússia só é tratada com respeito quando é forte e permanece firme em sua própria base. Praticamente, a Rússia sempre teve o privilégio de possuir uma política externa independente e é assim que vai ser no futuro. Além disso, eu acredito fortemente que a única maneira de garantir a segurança global é fazê-la juntamente com a Rússia, e não tentar “rebaixá-la”, enfraquecê-la geopoliticamente ou minar o seu potencial defensivo.

Os objetivos da nossa política externa são estratégicos ao invés de curto prazo. Eles refletem o papel único da Rússia nos assuntos internacionais, na história e no desenvolvimento da civilização.

Certamente continuaremos nossos esforços ativos e construtivos para fortalecer a segurança global, para evitar o confronto e efetivamente neutralizar tais desafios, como a proliferação nuclear, conflitos regionais e as crises, o terrorismo e as drogas. Faremos tudo o que pudermos para ajudar a Rússia a obter os avanços tecnológicos mais recentes e ajudar as nossas empresas a alcançar uma posição decente no mercado global.
Iremos também procurar evitar choques desnecessários enquanto uma nova ordem mundial emerge com base na nova realidade geopolítica.

Quem diminui a confiança?

Como antes, eu acho que a segurança indivisível para todas as nações, inaceitabilidade do uso desproporcionado da força, e complacência incondicional com os princípios fundamentais do direito internacional são ​​postulados indispensáveis. Qualquer negligência dessas normas desestabiliza a situação do mundo.

É sob essa perspectiva que vemos certos aspectos das atividades dos EUA e da OTAN que não seguem a lógica do desenvolvimento moderno e baseiam-se nos estereótipos da mentalidade de bloco. Todo mundo sabe o que eu estou aludindo. É a expansão da OTAN, incluindo a implantação de uma nova infra-estrutura militar  e os planos do bloco (patrocinado pelos EUA) para estabelecer um sistema de defesa antimísseis na Europa. Eu poderia ter ignorado o assunto se não estivessem jogando seus jogos nas proximidades imediatas das fronteiras russas, minando a nossa segurança e perturbando a estabilidade global. 

Nós apresentamos nossos argumentos mais do que uma vez, e não vou repeti-los em detalhes aqui. Mas, infelizmente, nossos parceiros ocidentais ignoram e repudiam-nos.

Estamos preocupados porque, mesmo que ainda não esteja claro como o nosso “novo” relacionamento com a OTAN vai funcionar, eles estão criando fatos na área. Isso definitivamente não promove a confiança. Além disso, esse tipo de conduta tem um efeito negativo sobre questões globais, assim como nos impede de desenvolver uma agenda positiva nas relações internacionais e interrompe o processo de reajustá-los em uma veia construtiva.

Uma série de conflitos armados, sob o pretexto de preocupações humanitárias tem prejudicado o princípio da soberania nacional, que tem sido observado por séculos. Um novo tipo de vácuo, a falta de moralidade e direito, está emergindo nos assuntos internacionais.

Muitas vezes ouvimos que os direitos humanos são mais importantes que a soberania nacional. Isso é definitivamente verdadeiro, e crimes contra a humanidade devem ser punidos por um tribunal internacional. Mas se esse princípio é usado como uma desculpa para a violação presunçosa da soberania nacional, se os direitos humanos são protegidos por forças estrangeiras e seletivas, e se, ao mesmo tempo que “protegem” esses direitos, violam os direitos de muitas outras pessoas, incluindo o direito mais fundamental e sagrado, o direito à vida, isso não é mais um esforço nobre. É apenas demagogia.

É importante para a ONU e seu Conselho de Segurança serem capazes de oferecer resistência eficaz ao ditame de alguns países e à ilegalidade em assuntos internacionais. Ninguém tem o direito de roubar as prerrogativas e os poderes da ONU, especialmente no que diz respeito ao uso da força, em face às nações soberanas. Refiro-me principalmente à OTAN, que procura assumir um novo papel que vai além do seu status de aliança defensiva. Todas essas questões são extremamente graves. Lembramo-nos como as nações que foram vítimas das “operações humanitárias” e da exportação de “bambardeios da democracia” apelaram na decência vão às leis internacionais e até mesmo à simples decência. Ninguém ouviu, e ninguém queria ouvir.

Parece que os países da OTAN, e especialmente os Estados Unidos, desenvolveram um entendimento peculiar de segurança, que é fundamentalmente diferente da nossa visão. Os norte-americanos são obcecados com a ideia de garantir a invulnerabilidade absoluta para si mesmos, o que, aliás, é uma utopia, tanto por razões tecnológicas quanto geopolíticas. Mas isso é exatamente onde a raiz do problema se encontra.

Invulnerabilidade absoluta para uma nação significaria vulnerabilidade absoluta para todo mundo. Não podemos concordar com isso. É claro, muitas nações preferem não levantar essa questão abertamente por uma variedade de razões. Mas a Rússia sempre chamará os bois pelos nomes e falará abertamente sobre tais assuntos. Eu gostaria de salientar mais uma vez que a violação do princípio da segurança comum e indivisível (acompanhada pelas repetidas afirmações de que eles ainda estão empenhados nisso) pode ter consequências extremamente graves. Mais cedo ou mais tarde, essas consequências também afetarão as nações que iniciam tais violações, quaisquer que sejam suas razões.

A Primavera Árabe: lições e conclusões

Um ano atrás, o mundo testemunhou um fenômeno novo –  manifestações quase simultâneas contra regimes autoritários em muitos países árabes. A Primavera Árabe foi inicialmente recebida com esperança de mudança positiva. As pessoas na Rússia simpatizavam com aqueles que buscavam a reforma democrática.

No entanto, logo ficou claro que os eventos em muitos países não estavam seguindo um cenário civilizado. Em vez de afirmar a democracia e proteger os direitos da minoria, foram feitas tentativas para depor um inimigo e dar um golpe, que resultou apenas na substituição de uma força dominante por outra força dominante ainda mais agressiva.

A interferência estrangeira a favor de um dos lados do conflito interno e o uso do poder nessa interferência desenvolveu uma aura negativa. Um certo número de países acabou com o regime líbio, usando o poder aéreo em nome do apoio humanitário. O abate revoltante de Muammar Gaddafi – não apenas medieval, mas primitivo – foi uma manifestação dessas ações.

Ninguém deveria ser autorizado a empregar o cenário da Líbia na Síria. A comunidade internacional deve trabalhar para alcançar uma reconciliação interna síria. É importante alcançar um fim rápido à violência, não importa a origem, e iniciar um diálogo nacional – sem pré-condições ou interferência externa e com o devido respeito à soberania do país. Isso criaria as condições necessárias para introduzir as medidas de democratização anunciadas pela liderança síria. O principal objetivo é evitar uma guerra civil total. A diplomacia russa tem trabalhado e vai continuar a trabalhar para esse fim.

Tristes, porém sábios, nos opomos à adoção de resoluções do Conselho de Segurança que podem ser interpretadas como um sinal de interferência armada no desenvolvimento interno da Síria. Guiado por essa abordagem consistente no início de fevereiro, a Rússia e China impediram a aprovação de uma resolução ambígua que teria incentivado um lado do conflito interno a recorrer à violência.

Nesse contexto e considerando a reação extremamente negativa, quase histérica, ao veto russo-chinês, gostaria de alertar os nossos colegas ocidentais contra a tentação de recorrer a essa tática simples, usada anteriormente: se o Conselho de Segurança aprova uma determinada ação, tudo bem; caso contrário, vamos estabelecer uma coalizão de Estados em questão e atacar de qualquer maneira.

A lógica de tal conduta é contraproducente e muito perigosa. Nada de bom pode vir dela. Em qualquer caso, não vai ajudar a chegar a um acordo em um país que está passando por um conflito interno. Pior ainda, enfraquece ainda mais todo o sistema de segurança internacional, bem como a autoridade e o papel fundamental da ONU. Deixe-me lembrar que o direito de veto não é um capricho, mas uma parte inalienável do acordo mundial que está registrado na Carta da ONU – aliás, sobre a insistência dos EUA. A implicação desse direito é que as decisões que aumentam a objeção de um único membro permanente do Conselho de Segurança da ONU não pode ser fundamentada ou eficaz.

Espero muito que os Estados Unidos e outros países considerem essa experiência triste e não prossigam com a utilização do poder na Síria sem sanções do Conselho de Segurança da ONU. Em geral, eu não consigo entender o que causa essa coceira para uma intervenção militar. Por que não há paciência para desenvolver uma abordagem bem ponderada, equilibrada e cooperativa, já que essas abordagem já estava tomando forma no formulário da resolução síria mencionada acima? Só faltou a exigência de que a oposição armada faça o mesmo que o governo; em particular, retirar as unidades militares e os destacamentos de cidades. A recusa em fazê-lo é cínica. Se quisermos proteger os civis – e esse é o principal objetivo da Rússia – nós temos que fazer todos os participantes do confronto armado verem a razão.

E mais um ponto. Parece que com os países da Primavera Árabe, assim como com o Iraque, as empresas russas estão perdendo suas décadas de posições em mercados locais comerciais e estão sendo privadas de grandes contratos comerciais. Os nichos então desocupadas estão sendo preenchidos pelos agentes econômicos dos estados que tiveram uma mão na mudança do regime no poder.

Seria razoável concluir que os eventos trágicos têm sido incentivados em certa medida pelo interesse de alguém em uma nova divisão do mercado comercial, em vez da preocupação com os direitos humanos. Seja como for, não podemos sentar e assistir tudo isso com serenidade Olímpica. Temos a intenção de trabalhar com os novos governos dos países árabes, a fim de restaurar prontamente nossas posições econômicas.

Geralmente, os desenvolvimentos em curso no mundo árabe são, de muitas maneiras, instrutivos. Eles mostram que um esforço para introduzir a democracia por uso do poder pode apresentar – e muitas vezes apresenta – resultados contraditórios. Eles podem produzir forças que se erguem de baixo, incluindo extremistas religiosos, que se esforçam para mudar a direção do desenvolvimento de um país e do carácter laico do governo. 

A Rússia sempre teve boas relações com os representantes moderados do Islão, cuja visão do mundo estava próxima das tradições dos muçulmanos na Rússia. Estamos prontos para desenvolver esses contatos, ainda mais sob as condições atuais. Nós estamos interessados ​​em intensificar nossos laços políticos, econômicos e comerciais com todos os países árabes, incluindo aqueles que, repito, têm passado por turbulência interna. Além disso, vejo possibilidades reais que permitirão que a Rússia a preserve integralmente a sua posição de liderança no Oriente Médio, onde sempre tivemos muitos amigos.

Quanto ao conflito árabe-israelense, até hoje a “receita mágica” que irá produzir uma solução final ainda não foi inventada. Seria inaceitável desistir dessa questão. Considerando os nossos laços estreitos com os líderes israelenses e palestinos, a diplomacia russa vai continuar trabalhando para a retomada do processo de paz, tanto a nível bilateral quanto dentro do modelo do Quarteto no Oriente Médio, enquanto coordenar seus passos com a Liga Árabe.

A Primavera Árabe tem graficamente demonstrado que a opinião pública mundial está sendo moldada pelo mais ativo uso de tecnologia avançada de comunicações e informação. É possível dizer que a internet, redes sociais, celulares e outros meios transformaram-se em uma ferramenta eficaz para a promoção da política nacional e internacional em pé de igualdade com a televisão. Essa nova variável entrou em jogo e nos oferece a reflexão – como continuar a desenvolver as liberdades únicas de comunicação através da Internet e ao mesmo tempo reduzir o risco de que seja utilizada por terroristas e outros elementos criminosos.

A noção de “poder suave” está sendo usada cada vez mais frequentemente. Isso implica em uma matriz de ferramentas e métodos para alcançar os objetivos da política externa sem o uso de armas, mas exercendo informações e outras alavancas de influência. Infelizmente, esses métodos estão sendo usados ​​com muita freqüência para desenvolver e provocar atitudes extremistas, separatistas e nacionalistas, manipular o público e conduzir interferência direta na política interna de países soberanos.

Deve haver uma divisão clara entre a liberdade de expressão e atividade política normal, por um lado, e instrumentos ilegais de “poder suave”, do outro. O trabalho civilizado de organizações não-governamentais humanitárias e de caridade merece todo o apoio. Isso também se aplica aos que ativamente criticam as autoridades atuais. No entanto, as atividades de “pseudo-ONGs” e outras agências que tentam desestabilizar outros países com o apoio externo são inaceitáveis.

Estou me referindo aos casos em que as atividades das ONG não são baseadas nos interesses (e recursos) de grupos sociais locais, mas são financiadas e apoiadas por forças externas. Há muitos agentes de influência de grandes países, blocos internacionais ou corporações. Quando eles agem abertamente, é simplesmente uma forma de lobby civilizado. A Rússia também utiliza tais instituições como a Agência Federal da CEI, Compatriotas no exterior, Cooperação Internacional Humanitária, a Fundação Russkiy Mir e nossas principais universidades que recrutam estudantes talentosos do exterior.

No entanto, a Rússia não usa ou financia ONGs nacionais baseadas em outros países ou quaisquer organizações estrangeiras políticas na busca de seus próprios interesses. China, Índia e Brasil não fazem isso. Acreditamos que qualquer influência na política interna e atitude pública em outros países deve ser exercida abertamente; dessa forma, aqueles que desejam ser de influência agirão de forma responsável.

Novos Desafios e Ameaças

Hoje, o Irã é o foco da atenção internacional. É desnecessário dizer que a Rússia está preocupada com a crescente ameaça de um ataque militar contra o Irã. Se isso acontecer, as consequências serão desastrosas. É impossível imaginar o verdadeiro alcance desse rumo dos acontecimentos.

Estou convencido de que essa questão deve ser resolvida exclusivamente por meios pacíficos. Propomos reconhecer o direito do Irã de desenvolver um programa nuclear civil, incluindo o direito de enriquecer urânio. Mas isso deve ser feito em troca de colocar toda a atividade nuclear iraniana sob salvaguardas confiáveis ​​e abrangentes da AIEA. Se isso for feito, as sanções contra o Irã, inclusive as unilaterais, devem ser revogadas. O Ocidente tem mostrado muita disposição para “punir” alguns países. Qualquer menor desenvolvimento é motivo para sanções, se não a força armada. Deixe-me lembrá-los de que não estamos no século XIX ou mesmo do século XX agora.

Os desenvolvimentos em torno da questão nuclear coreana não são menos graves. Violando o regime de não-proliferação, Pyongyang abertamente reivindica o direito de desenvolver “o átomo militar” e já realizou dois testes nucleares. Não podemos aceitar o status nuclear da Coréia do Norte. Temos consistentemente defendido a desnuclearização da Península Coreana – exclusivamente através de meios políticos e diplomáticos – e a rápida retomada da negociações entre os Seis Países.

No entanto, é evidente que nem todos os nossos parceiros compartilham essa ideia. Estou convencido de que hoje em dia é essencial ser particularmente cuidadoso. Seria desaconselhável experimentar e testar a força do novo líder norte-coreano e provocar uma erupção contramedida.

Permitam-me recordar que a Coreia do Norte e a Rússia partilham uma fronteira comum e não podemos escolher nossos vizinhos. Vamos continuar a conduzir um diálogo ativo com os líderes da Coreia do Norte e a desenvolver relações de boa vizinhança com ela, enquanto ao mesmo tempo tentamos incentivar Pyongyang a resolver a questão nuclear. Obviamente, seria mais fácil fazer isso se a confiança mútua fosse edificada e se o diálogo inter-coreano retornasse na península.

Todo o fervor em torno dos programas nucleares do Irã e da Coréia do Norte nos leva à dúvida de como os riscos da proliferação de armas nucleares emergem e quem está agravando isso. Parece que os casos mais freqüentes de petróleo e até mesmo interferência externa armadas nos assuntos internos dos países podem levar regimes autoritários (e outros) a possuir armas nucleares. Se eu tiver uma bomba atômica no bolso, ninguém vai me tocar, porque causaria mais problemas. E aqueles que não têm a bomba devem sentar e esperar pela “intervenção humanitária.”

Se gostamos ou não, a interferência estrangeira sugere esta linha de pensamento. É por isso que o número de países emergentes que estão a um passo da tecnologia do “átomo militar” está crescendo ao invés de diminuir. Sob essas condições, as zonas isentas de armas de destruição em massa estão sendo estabelecidas em diferentes partes do mundo e estão se tornando cada vez mais importantes. A Rússia iniciou a discussão sobre os parâmetros para uma zona isenta de armas nucleares no Oriente Médio.

É essencial fazer tudo o que pudermos para evitar que qualquer país seja tentado a obter armas nucleares. Campanhas de não-proliferação também devem mudar sua conduta, especialmente aquelas que são usadas ​​para penalizar outros países pela força, sem deixar que os diplomatas façam seu trabalho. Esse foi o caso do Iraque e seus problemas só se agravaram após uma ocupação de quase uma década.

Se os incentivos para se tornar uma potência nuclear fossem finalmente erradicados, seria possível tornar o regime internacional de não-proliferação universal e firmemente baseado em tratados existentes. Esse regime permitirá que todos os países interessados ​desfrutem plenamente dos benefícios do “átomo pacífico”, sob salvaguardas da AIEA.

A Rússia tem muito a ganhar com isso, porque estamos operando ativamente em mercados internacionais, construindo novas usinas nucleares baseadas em tecnologia moderna e segura e tomando parte na formação de centros multilaterais de enriquecimento de urânio e bancos de combustível nuclear.  

O provável futuro do Afeganistão é alarmante. Temos apoiado a operação militar na prestação de ajuda internacional ao país. No entanto, o contingente militar internacional da OTAN não atingiu os seus objectivos. As ameaças do terrorismo e tráfico de drogas não foram reduzidas. Após ter anunciado a sua retirada do Afeganistão em 2014, os Estados Unidos têm edificado, tanto lá quanto em países vizinhos, bases militares sem um mandato evidente, objetivos ou duração de operação. Compreensivelmente, isso não nos convêm.

A Rússia tem interesses óbvios no Afeganistão e esses interesses são compreensíveis. O Afeganistão é o nosso vizinho próximo e temos uma participação no seu desenvolvimento estável e pacífico. O mais importante é que nós queremos que ele deixe de ser a principal fonte da ameaça das drogas. Tráfico ilegal de drogas tornou-se uma das ameaças mais urgentes. Tal ameaça deteriora o banco genético de nações inteiras, criando um solo fértil para a corrupção e o crime, e está levando à desestabilização do Afeganistão. Longe de diminuir, a produção de drogas no Afeganistão aumentou em quase 40% no ano passado. A Rússia está a sendo submetida a agressão viciosa relacionada com a heroína, que está fazendo um tremendo estrago para a saúde do nosso povo.

As dimensões da ameaça das drogas no Afeganistão deixam claro que ela só pode ser superada por um esforço global dependendo da ONU e organizações regionais –Organização do Tratado de Segurança Coletiva, Organização de Cooperação de Xangai e a CEI. Estamos dispostos a considerar uma participação muito maior na operação de ajuda ao povo afegão, mas somente com a condição de que o contingente internacional no Afeganistão aja com maior zelo dentro dos nossos interesses e que prossiga a destruição física de cultivo de drogas e laboratórios subterrâneos.

A vigorosa luta contra as drogas no Afeganistão deve ser acompanhada pelo bloqueio seguro das rotas de transporte de opiáceos para os mercados externos, fluxos financeiros e fornecimento de substâncias químicas utilizadas na produção de heroína. O objetivo é construir um amplo sistema de segurança anti-drogas na região. Rússia vai contribuir para a cooperação efetiva da comunidade internacional para virar a maré da guerra contra a ameaça global das drogas.

É difícil prever outros desenvolvimentos no Afeganistão. A experiência histórica mostra que a presença de forças militares estrangeiras não trouxe paz. Somente os afegãos podem resolver seus próprios problemas. Eu vejo o papel da Rússia da seguinte forma – ajudar o povo afegão, com a participação ativa de outros países vizinhos, desenvolver uma economia sustentável e aumentar a capacidade das forças armadas nacionais para combater as ameaças do terrorismo e criminalidade associadas à droga. Não nos opomos ao processo de reconciliação nacional que está sendo acompanhado por participantes da oposição armada, incluindo o Talibã, desde que renunciem à violência, reconheçam a constituição do país e cortem os laços com a Al-Qaeda e outros grupos terroristas. Em princípio, eu acredito que é possível construir uma sociedade afegã pacífica, estável, neutra e independente.

A instabilidade que tem persistido por décadas está criando um terreno fértil para o terrorismo internacional, que é universalmente reconhecido como um dos desafios mais perigosos para a comunidade mundial. Eu gostaria de observar que as zonas de crise que engendram uma ameaça terrorista estão localizadas perto das fronteiras russas e estão muito mais perto de nós do que os nossos parceiros europeus ou americanos. A Organização das Nações Unidas aprovou a Estratégia Global contra o Terrorismo, mas parece que a luta contra esse mal não é conduzida por um plano universal comum e nem de uma forma consistente, mas por uma série de respostas às manifestações mais urgentes e bárbaras de terror – quando o alvoroço público sobre os atos imprudentes de terroristas cresce fora de proporção. O mundo civilizado não deve esperar por tragédias como os atentados terroristas em Nova York, em setembro de 2001, ou outro desastre de Beslan e só então agir coletivamente e resolutamente após a culminação de tais casos.  

Estou longe de negar os resultados alcançados na guerra contra o terrorismo internacional. Houve progressos. Nos últimos anos, os serviços de segurança e as agências de aplicação da lei de muitos países aumentaram significativamente sua cooperação. Mas ainda há o potencial óbvio para mais cooperação anti-terrorista. Sendo assim, ainda existem dois pesos e os terroristas são percebidos de forma diferente em países diferentes –  alguns são “maus” e outros são tão “maus”. Algumas forças não temem utilizá-los para a manipulação política, por exemplo, para abalar os objetáveis regimes governantes.

Todas as instituições públicas disponíveis – os meios de comunicação, associações religiosas, ONGs, sistema de educação, ciência e negócios – devem ser usadas para prevenir o terrorismo em todo o mundo. Precisamos de um diálogo entre as religiões e, em um plano mais amplo, entre as civilizações. A Rússia tem muitas religiões, mas nós nunca tivemos guerras religiosas. Nós poderíamos fazer uma contribuição para uma discussão internacional sobre essa questão.



O Papel Crescente da Região do Pacífico Asiático

Um dos vizinhos do nosso país é a China, um dos principais centros da economia global. Tornou-se moda opinar sobre o futuro papel do país na economia global e nos assuntos internacionais. No ano passado, a China passou para o segundo lugar no mundo em termos de PIB e está prestes a ultrapassar os EUA nesse resultado, de acordo com a especialistas internacionais – incluindo americanos. O poder geral da República Popular da China está crescendo e inclui a capacidade de projetar seu poder em várias regiões.

Como devemos nos comportar diante do rápido fortalecimento chinês?

Em primeiro lugar, estou convencido de que o crescimento econômico da China não é de modo algum uma ameaça, mas um desafio que carrega um potencial colossal para a cooperação empresarial – uma chance de pegar o vento chinês nas velas da nossa economia. Devemos buscar mais ativamente formar novos laços de cooperação, combinando as capacidades tecnológicas e produtivas dos dois países e tocando no potencial da China – judiciosamente, é claro – a fim de desenvolver a economia da Sibéria e do Extremo Oriente russo.

Em segundo, a conduta da China no cenário mundial não dá motivos para falar sobre suas aspirações à dominação. A voz chinesa no mundo é de fato cada vez mais confiante, e congratulamo-nos com isso, porque Pequim compartilha nossa visão da ordem mundial emergente equitativa. Vamos continuar a apoiar uns aos outros na arena internacional, a trabalhar em conjunto para resolver graves problemas regionais e globais e promover a cooperação no Conselho de Segurança, BRICS, SCO, G20 e outros fóruns multilaterais.

E, em terceiro lugar, nós temos estabelecido as principais questões políticas em nossas relações com a China, incluindo a questão da fronteira crítica. Nossas nações têm criado um mecanismo sólido de relações bilaterais, reforçado por documentos juridicamente vinculativos. Há um nível elevado de confiança sem precedentes entre os líderes dos dois países. Isso permite que nós e os chineses ajamos no espírito de verdadeira parceria, enraizada no pragmatismo e respeito por cada um interesses alheios. O modelo de relações russo-chinesas que criamos tem boas perspectivas.

É claro, isso não é sugerir que a nossa relação com a China é livre de problemas. Existem algumas fontes de fricção. Nossos interesses comerciais em terceiros nem sempre coincidem, e não estamos totalmente satisfeitos com a estrutura comercial emergente e o baixo nível de investimentos mútuos. Também acompanharemos de perto a imigração proveniente da República Popular da China.

Mas minha principal premissa é que a Rússia precisa de uma China próspera e estável, e estou convencido de que a China precisa de uma Rússia forte e bem sucedida.

Outra gigante asiático em rápido crescimento é a Índia. A Rússia tem tradicionalmente apreciado relações amigáveis ​​com a Índia, cujos líderes de ambos países têm classificado como uma parceria estratégica privilegiada. Não só os nossos países, mas todo o sistema multipolar que está surgindo no mundo ganha com essa parceria. 

Vemos diante de nossos olhos, não só a ascensão da China e da Índia, mas o peso crescente da região do Pacífico Asiático. Isso tem aberto novos horizontes para o trabalho produtivo no âmbito da presidência russa do APEC. Em setembro deste ano, nós acolheremos uma reunião de seus líderes em Vladivostok. Estamos ativamente nos preparando para isso, criando uma infra-estrutura moderna que promoverá o desenvolvimento da Sibéria e do Extremo Oriente russo e permitir que o nosso país se envolva mais nos processos de integração dinâmica da “nova Ásia”.

Vamos continuar a priorizar a cooperação com os nossos parceiros da BRICS. Essa estrutura única, criada em 2006, é um símbolo marcante da transição de um mundo unipolar para uma ordem mundial mais justa. A BRICS reúne cinco países com uma população de quase três bilhões de pessoas, as maiores economias emergentes, trabalhos colossais,recursos naturais e enormes mercados domésticos. Com a adição da África do Sul, a BRICS adquiriu um modelo verdadeiramente global, e agora é responsável por mais de 25% do PIB mundial.

Estamos ainda nos habituando a trabalhar em conjunto desse modo. Em particular, temos de coordenar melhor em questões de política externa e colaborar mais estreitamente na ONU. Mas quando a BRICS for realmente estabelecida, o seu impacto sobre a economia mundial e política será considerável.

Nos últimos anos, a cooperação com os países da Ásia, América Latina e África tornou-se um foco crescente da diplomacia russa e da nossa comunidade empresarial. Nessas regiões ainda há sincera boa vontade em relação à Rússia. Uma das principais tarefas para o próximo período, na minha opinião, é o cultivo comercial e a cooperação econômica, assim como projetos comuns nas áreas de energia, infra-estrutura, investimento, ciência e tecnologia, bancária e turística.

O papel crescente da Ásia, América Latina e África no sistema emergente democrático de gestão da economia e finanças globais é refletido no trabalho do G20. Eu acredito que essa associação irá em breve tornar-se uma ferramenta estratégica importante, não só para responder à crise, mas para a reforma de longo prazo da arquitetura econômica e financeira mundial. A Rússia presidirá o G20 em 2013, e temos de aproveitar essa oportunidade para coordenar melhor o trabalho do G20 e outras estruturas multilaterais, acima de tudo, o G8 e, é claro, a ONU.

O Fator Europeu

A Rússia é uma parte inalienável e orgânica da Grande Europa e da civilização europeia. Nossos cidadãos pensam em si mesmos como europeus. Nós não somos de forma alguma indiferentes à evolução da Europa unida.

É por isso que a Rússia propõe avançar em direção à criação de um espaço comum econômico e humano desde o Atlântico até o Oceano Pacífico – uma comunidade referida por especialistas russos como “a União da Europa”, que irá reforçar o potencial e a posição russa em seu pivô econômico para a “nova Ásia”.

Contra o pano de fundo da ascensão da China, Índia e outras economias, novas turbulências financeiras e econômicas na Europa –  anteriormente um oásis de estabilidade e ordem –  são particularmente preocupantes. A crise que atingiu a zona do euro não pode deixar de afetar os interesses da Rússia, sobretudo se  considerarmos que a UE é o nosso principal parceiro econômico e comercial estrangeiro. Da mesma forma, é claro que as perspectivas da estrutura econômica global inteira dependem fortemente do estado das coisas na Europa.

A Rússia está participando ativamente no esforço internacional para apoiar as economias fragilizadas da Europa, e está constantemente trabalhando com seus parceiros para formular decisões coletivas, sob os auspícios do FMI. A Rússia não se opõe, em princípio, à assistência financeira direta em alguns casos.

Ao mesmo tempo, creio que as ajudas financeiras externas só podem resolver parcialmente o problema. Uma verdadeira solução exigirá medidas energéticas, de todo o sistema. Os líderes europeus enfrentam a tarefa de efetuar grandes transformações que irão alterar radicalmente muitos mecanismos financeiros e econômicos para assegurar a genuína disciplina orçamental. Temos uma participação em assegurar uma UE forte, como previsto pela Alemanha e França. É do nosso interesse perceber o enorme potencial da parceria UE-Rússia.

O atual nível de cooperação entre a Rússia e a União Europeia não corresponde aos desafios globais contemporâneos, sobretudo ao fazer nosso continente em comum mais competitivo. Proponho mais uma vez que nós trabalhemos para a criação de uma comunidade harmoniosa de economias, de Lisboa a Vladivostok, que no futuro evoluirá para uma zona de livre comércio e até mesmo para formas mais avançadas de integração econômica. O resultado do mercado continental comum seria equivalente a trilhões de euros. Alguém duvida que isso seria um desenvolvimento maravilhoso e que iria atender os interesses de tanto russos quanto europeus?

Devemos considerar também uma cooperação mais ampla no domínio da energia, incluindo a formação de um complexo energético comum europeu. O gasoduto Nord Stream sob o Mar Báltico e o gasoduto South Stream sob o Mar Negro, são passos importantes nessa direção. Esses projetos têm o apoio de muitos governos e envolvem grandes empresas de energia europeias. Uma vez que os dutos começarem a operar com a capacidade máxima, a Europa terá um sistema seguro e flexível de fornecimento de gás, que não dependerá dos caprichos políticos de qualquer nação. Isso reforçará a segurança da energia do continente, não só na forma, mas na substância. Isso é particularmente relevante tendo em conta a decisão de alguns países europeus de reduzir ou renunciar à energia nuclear. 

O Terceiro Pacote Energético, apoiado pela Comissão Europeia e destinado a integrar empresas russas, não é francamente favorável ao fortalecimento das relações entre a Rússia e a UE. Considerando a crescente instabilidade dos fornecedores de energia que poderiam atuar como uma alternativa para a Rússia, o pacote agrava os riscos sistêmicos para o setor energético europeu e afugenta potenciais investidores em novos projetos de infraestrutura. Muitos políticos europeus criticaram o pacote em suas conversas comigo. Devemos reunir coragem para remover esse obstáculo para a cooperação mutuamente benéfica.

Eu acredito que uma verdadeira parceria entre a Rússia e a União Europeia é impossível enquanto existirem barreiras que impedem contatos humanos e econômicos, como as exigências de visto, em primeiro lugar. A abolição de vistos daria um poderoso impulso para a integração real entre a Rússia e a UE, e ajudaria a expandir os laços culturais e empresariais, especialmente entre as empresas de médio e pequeno porte. A ameaça para os europeus de migrantes econômicos russos é amplamente imaginada. Nosso povo tem a oportunidade de colocar suas habilidades e competências para usar em seu próprio país, e essas oportunidades são cada vez mais numerosas.

Em dezembro de 2011 nós concordamos com a UE sobre as “medidas conjuntas” em relação a um regime de isenção de vistos. Elas podem e devem ser tomadas sem demora. Devemos continuar a prosseguir ativamente esse objetivo.

Questões Russo-Americanas

Nos últimos anos, um bom negócio tem sido feito para desenvolver as relações russo-americanas. Mesmo assim, não conseguimos mudar fundamentalmente a matriz das nossas relações, que continuam a fluxo e refluxo. A instabilidade da parceria com a América é devido em parte à tenacidade de alguns estereótipos e fobias bem conhecidas, particularmente a percepção da Rússia em Capitol Hill. Mas o principal problema é que o diálogo bilateral e a cooperação política não se baseiam em um fundamento econômico sólido. O nível atual de comércio bilateral está muito além do potencial das nossas economias. O mesmo é verdade para os investimentos mútuos. Ainda temos que criar uma rede de segurança que proteja nossas relações contra altos e baixos. Devemos trabalhar nisso. 

Também não é o entendimento mútuo reforçado pelas tentativas regulares dos EUA em participar da “engenharia política”, inclusive em regiões que são tradicionalmente importantes para nós e durante as eleições russas.

Como eu já disse antes, os planos dos EUA para criar um sistema de defesa antimísseis na Europa dão origem a legítimos temores na Rússia. Por que esse sistema nos preocupa mais do que outros? Porque afeta as forças estratégicas de dissuasão nuclear que apenas a Rússia possui nesse teatro, e perturba o equilíbrio político-militar criado ao longo de décadas.

O vínculo inseparável entre a defesa de mísseis e armas ofensivas estratégicas é refletido no novo tratado START, assinado em 2010. O tratado entrou em vigor e está funcionando muito bem. É a maior conquista da política externa. Estamos prontos para considerar várias opções para a nossa agenda conjunta com os americanos na área de controle de armas no próximo período. Nesse esforço devemos procurar equilibrar os nossos interesses e renunciar a quaisquer tentativas de ganhar vantagens unilaterais através de negociações.

Em 2007, durante uma reunião com o presidente Bush em Kennebunkport, eu propus uma solução para o problema da defesa antimísseis, o qual, se tivesse sido adotado, teria mudado o caráter habitual das relações russo-americanas e abriria um caminho positivo para a frente. Além disso, se nós tivéssemos conseguido alcançar um avanço na defesa antimísseis, teria aberto as comportas para a construção de um modelo totalmente novo, semelhante a uma aliança, em muitas outras áreas sensíveis.

Não era para ser. Talvez fosse útil para olhar para as transcrições das conversas em Kennebunkport. Nos últimos anos, a liderança russa avançou com outras propostas para resolver a disputa sobre a defesa antimísseis. Essas propostas ainda estão de pé.

Eu estou relutante em descartar a possibilidade de chegar a um acordo sobre a defesa antimísseis. Não gostaria de ver a implantação do sistema norte-americano em uma escala que exigiria a implementação das nossas contramedidas declaradas.

Recentemente, tive uma conversa com Henry Kissinger. Eu me reúno com ele regularmente. Concordo plenamente com essa tese profissional consumada de que as interações próximas e de confiança entre Moscou e Washington são particularmente importantes em períodos de turbulência internacional.

Em geral, estamos preparados para fazer grandes progressos nas nossas relações com os EUA para conseguir um avanço qualitativo, mas com a condição de que os americanos sejam guiados pelos princípios de parceria iguais e mutuamente respeitosos.

Diplomacia Econômica

Em dezembro do ano passado, a Rússia finalmente concluiu sua maratona de adesão à OMC, que durou muitos anos. Devo mencionar que, na extensão final, o governo Obama e os líderes de alguns dos principais países europeus fizeram uma contribuição significativa para a realização dos acordos finais.

Para ser honesto, às vezes durante esta longa e árdua jornada, nós queríamos  virar as costas às negociações e bater a porta. Mas nós não sucumbimos à emoção. Como resultado, foi alcançado um compromisso que é bastante aceitável para o nosso país: conseguimos defender os interesses dos produtores industriais e agrícolas russos em face da crescente concorrência externa. Nossos agentes econômicos ganharam oportunidades substanciais para entrar nos mercados mundiais e defender os seus direitos de uma maneira civilizada. É isso, em vez do simbolismo da adesão da Rússia ao “clube” do Comércio Mundial, que vejo como o principal resultado desse processo. 

A Rússia cumprirá com as normas da OMC, uma vez que atende a todas as suas obrigações internacionais. Da mesma forma, espero que nossos parceiros joguem de acordo com as regras. Deixe-me observar de passagem que já integramos os princípios da OMC no quadro jurídico do Espaço Econômico Comum da Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão.

A Rússia ainda está aprendendo a promover sistemática e consistentemente seus interesses econômicos no mundo. Ainda temos que aprender, assim como muitos parceiros ocidentais, como fazer lobby para decisões que favorecem os negócios russos em fóruns internacionais estrangeiros. Os desafios que enfrentamos nessa área, dada a nossa prioridade de inovação orientada para o desenvolvimento, são muito graves: alcançar posição de igualdade para a Rússia no sistema moderno de laços econômicos globais e minimizar os riscos decorrentes da integração na economia mundial, incluindo os membros da Rússia na OMC e sua futura adesão à OCDE.   

Estamos mal na necessidade de acesso mais amplo e não discriminatório aos mercados estrangeiros. Até agora, os agentes econômicos russos têm recebido um tratamento injusto no exterior. Medidas restritivas comerciais e políticas estão sendo tomadas contra eles, e as barreiras técnicas estão sendo erguidas, e os põem em desvantagem em comparação com seus concorrentes.

O mesmo vale para os investimentos. Estamos tentando atrair capital estrangeiro para a economia russa. Estamos abrindo as áreas mais atraentes da nossa economia para os investidores estrangeiros, concedendo-lhes o acesso aos “pedaços suculentos”, em particular, ao nosso combustível e complexo energético. Mas nossos investidores não são bem vindos no exterior e muitas vezes são intencionalmente deixados de lado.

Exemplos não faltam. Tome a história da Opel da Alemanha, em que os investidores russos tentaram e não conseguiram adquirir, a despeito do fato de que o acordo foi aprovado pelo governo alemão e foi recebido positivamente pelos sindicatos alemães. Ou tomar os exemplos absurdos de empresas russas sendo negadas de seus direitos como investidoras depois de investirem recursos consideráveis ​​em bens estrangeiros. Essa é uma ocorrência frequente na Europa Central e Oriental.

Tudo isso leva à conclusão de que a Rússia deve reforçar o seu apoio político e diplomático  aos empresários russos em mercados estrangeiros, e prestar assistência mais robusta aos principais projetos de negócios. Também não devemos esquecer que a Rússia pode empregar medidas de resposta idênticas contra aqueles que recorrem a métodos desonestos de competição.

As associações governamentais e empresariais devem coordenar melhor seus esforços na esfera econômica externa, promover de forma mais agressiva os interesses das empresas russas e ajudar a abrir novos mercados.

Gostaria de chamar a atenção para um outro fator importante que molda em grande parte o papel e o lugar da Rússia nos atuais e futuros alinhamentos políticos e econômicos – a vastidão do nosso país. Não só ocupamos um sexto da superfície da Terra, mas ainda somos a maior nação do mundo com uma abundância de recursos naturais sem igual. Refiro-me não só ao petróleo e ao gás, mas também as nossas florestas, terras agrícolas e recursos de água doce limpa.

O território da Rússia é uma fonte de sua força potencial. No passado, a nossa vasta terra serviu principalmente como um tampão contra a agressão estrangeira. Agora, devido a uma boa estratégia econômica, eles podem se tornar uma base muito importante para aumentar a nossa competitividade.

Gostaria de mencionar, em particular, a crescente escassez de água doce do mundo. Pode-se prever no futuro próximo o início da competição geopolítica por recursos hídricos e para a capacidade de produzir água de bens intensivos. Quando essa hora chegar, a Rússia terá seu trunfo pronto. Entendemos que devemos usar a nossa riqueza natural prudente e estrategicamente.

Suporte para Compatriotas e a Cultura Russa no Contexto Internacional

O respeito por um país está enraizado, entre outras coisas, na sua capacidade de proteger os direitos de seus cidadãos no exterior. Nós nunca devemos negligenciar os interesses dos milhões de cidadãos russos que vivem e viajam para o exterior nas férias ou em negócios. Eu gostaria de salientar que o Ministério das Relações Exteriores e todas as agências diplomáticas e consulares devem estar preparados para fornecer apoio real aos nossos cidadãos ao redor do mundo. Diplomatas devem responder aos conflitos entre os cidadãos russos e autoridades locais, e a incidentes e acidentes de maneira rápida – antes que a mídia anuncie a notícia para o mundo.

Estamos determinados a assegurar que as autoridades da Letônia e da Estónia sigam as recomendações de várias organizações internacionais de prestígio na observação dos direitos das minorias étnicas geralmente aceitos. Não podemos tolerar o estado vergonhoso de “não-cidadão”. Como podemos aceitar que, devido à sua condição de não-cidadãos, um em cada seis habitantes da Letônia e um em 13 moradores da Estônia sejam negados de seus direitos políticos, eleitorais e sócio-econômicos fundamentais e da capacidade de usar livremente o russo?

O recente referendo na Letônia sobre o status da língua russa voltou a demonstrar à comunidade internacional o quão agudo esse problema é. Mais de 300 mil não-cidadãos foram novamente impedidos de tomar parte em um referendo. Ainda mais escandaloso é o fato de que a Comissão Eleitoral Central da Letônia se recusou a permitir que uma delegação da Câmara Pública da Rússia acompanhasse a votação. Enquanto isso, as organizações internacionais responsáveis ​​pela conformidade com as normas democráticas geralmente aceitas permanecem em silêncio.

Em geral, estamos satisfeitos com a forma que a questão dos direitos humanos é tratada globalmente. Em primeiro lugar, os Estados Unidos e outros países ocidentais dominam e politizam a agenda de direitos humanos, usando-a como um meio de exercer pressão. Ao mesmo tempo, eles são muito sensíveis e até mesmo intolerantes à crítica. Em segundo, os objetos de monitorização dos direitos humanos são escolhidos independentemente de critérios objetivos, mas a critério dos estados que têm a agenda de direitos humanos“privatizada”.

A Rússia tem sido alvo de críticas preconceituosas e agressivas que, às vezes, ultrapassam todos os limites. Quando recebemos uma crítica construtiva, acolhemo-na e estamos dispostos a aprender com ela. Mas, quando estamos sujeitos, repetidamente, à críticas programadas em um esforço persistente para influenciar os nossos cidadãos, suas atitudes e nossos assuntos internos, torna-se claro que esses ataques não estão enraizados nos valores morais e democráticos.

Ninguém deve possuir total controle sobre a esfera dos direitos humanos. A Rússia é uma democracia jovem. Mas frequentemente, nós somos muito humildes e muito dispostos a poupar a auto-estima dos nossos parceiros mais experientes. Ainda assim, muitas vezes temos algo a dizer, e nenhum país tem um registro perfeito em matéria de direitos humanos e liberdades fundamentais. Mesmo as democracias mais antigas cometem graves violações, e não devemos fazer vista grossa. Obviamente, essa tarefa não deve ser uma troca de insultos. Todos os lados têm a ganhar com um debate construtivo sobre as questões de direitos humanos.

No final de 2011, o Ministério de Negócios Estrangeiros da Rússia publicou o seu primeiro relatório sobre a observância dos direitos humanos em outros países. Acredito que devemos nos tornar mais ativos nessa área. Isso vai facilitar a cooperação mais ampla e equitativa no esforço para resolver os problemas humanitários e promover os princípios democráticos fundamentais e os direitos humanos.

Claro, esse é apenas um aspecto dos nossos esforços para promover a nossa atividade internacional e diplomática e fomentar uma imagem precisa da Rússia no exterior. Evidentemente, não temos visto grande sucesso por aqui. Quando se trata de influência da mídia, muitas vezes somos superados. Esse é um desafio separado e complexo que devemos enfrentar.

A Rússia tem um grande patrimônio cultural, reconhecido tanto no Ocidente como no Oriente. Mas ainda temos que fazer um investimento sério em nossa cultura e na sua promoção ao redor do mundo. O aumento do interesse mundial nas ideias e cultura, provocado pela fusão das sociedades e economias na rede de informação global, oferece novas oportunidades para a Rússia, com o seu talento comprovado para a criação de objetos culturais.

A Rússia tem uma chance não só para preservar sua cultura, mas para usá-la como uma força poderosa para o progresso nos mercados internacionais. O idioma russo é falado em quase todas as ex-repúblicas soviéticas e em uma parte significativa da Europa Oriental. Isso não é sobre o império, mas sobre o progresso cultural. Exportar educação e cultura ajudará a promover bens, serviços e ideias russas; armas e imposição de regimes políticos não.

Temos que trabalhar para expandir a presença educativa e cultural da Rússia no mundo, especialmente nos países onde uma parte substancial da população fala ou entende russo.

Temos que discutir como podemos obter o máximo de benefício para a imagem da Rússia a partir de hospedagem de grandes eventos internacionais, incluindo a Reunião dos Líderes da APEC em 2012, a cúpula do G20 em 2013 e a cimeira do G8 em 2014, a Universidade em Kazan em 2013, os Jogos Olímpicos de Inverno em 2014, a IIHF Campeonato Mundial em 2016, e a Copa do Mundo em 2018.

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A Rússia pretende continuar a promover sua segurança e proteger seus interesses nacionais engajando ativa e construtivamente na política global e nos esforços para resolver os problemas globais e regionais. Estamos prontos para uma cooperação mutuamente benéfica e para um diálogo aberto com todos os nossos parceiros estrangeiros. Nosso objetivo é compreender e levar em conta os interesses de nossos parceiros, e pedimos que nossos interesses sejam respeitados.