29/09/2012

Sobre a Democracia Pós-Moderna

por Alberto Buela



Os ideais da democracia como soberania popular, igualdade e liberdade são tão atraentes que regimes, de fato muito diferentes, sustentam estar de acordo com eles.

Assim temos diferentes tipos para designar a democracia, tais como governo democrático, governo popular, governo livre, república, governo constitucional, governo parlamentar, presidencialista, representativo, de eleições gerais, de sistema de partidos, plebiscitário, etc.

Todas estas denominações, e outras mais, são, por um lado, portadores de valores que o conceito de democracia diz representar: igualdade de oportunidades, direitos humanos, livre expressão, igualdade perante a lei. Porém por outro, mostram às claras que não existe uma teoria unificada da democracia: nomes como Rousseau, Burke, Paine, Hamilton, Tocqueville et alii, são expositores inquestionados e não concordantes entre si.

Esta carência, esta falta de uma teoria da democracia não tem sido até agora, posta suficientemente em destaque. Isso permitiu, como sucedeu com os governos marxistas ou as diferentes ditaduras na Nossa América, que os regimes antidemocráticos se aproveitassem dessa falta de uma teoria da democracia para se apresentarem como tais. Seja como democracias populares no caso do comunismo, seja como democracias fortes no caso de nossos tiranetes.

Este século que se vai nos mostrou dois tipos de democracia: a liberal e a social.

A primeira poderíamos caracterizar, grosso modo, como aquela que sustenta que para que a humanidade seja mais livre, o melhor é que o povo seja soberano e esta soberania popular implica uma igualdade política. Sua equação é indivíduo-partido-representação.

A democracia social podemos apresentar como aquela que sustenta que para que o homem viva melhor, o mais apropriado é que o povo seja soberano e esta soberania popular implica uma igualdade não somente política senão social. Sua equação é pessoa-partido e profissão-representação.

Muito se tem escrito sobre os traços diferenciais dessas duas concepções de democracia e não vale a pena abundar nisso. Porém há algo em que ambas coincidem, mais além do sistema eleitoral: um homem um voto, e é que ambas predicam a realização, a plasmação de valores tais como soberania popular, direitos humanos, igualdade de oportunidades, livre expressão, etc. E estes valores, tem sido causa de grandes lutas políticas em busca de sua implementação.

Pois bem, assistimos nessa última década a uma mudança substancial do conceito de democracia, ela deixou paulatinamente de lado esse núcleo vital de valores a preferir, para se reduzir a uma maquinaria de governo, a uma democracia procedimental. Já não mais predicação de valores, o que supõe preferir o bom e postergar o mau. Para essa nova democracia só vale que o procedimento seja coincidente com o sistema de normas. O recentíssimo Código de Convivência Urbana da cidade de Buenos Aires, que permite o exercício da prostituição na via pública por parte de prostitutas e travestis, é uma prova eloquente do que queremos mostrar. A corrupção que pulula por todas as partes se produz quando o sistema normativo cai em desuso. Nos transformamos em sociedades anômicas. Não interessa já que 9 milhões de argentinos ou 260 milhões de iberoamericanos ou toda a África subsaariana vivam sob a linha de pobreza, o que interessa é que o "procedimento democrático" se cumpra. Isso é a democracia reduzida a maquinaria processual.

A democracia pós-moderna é uma democracia procedimental que carece de todo conteúdo ético à qual não interessa a defesa de nenhum valor, salvo a coerência com as normas do sistema de poder. Agora bem, se essas normas por diferentes causas implica um conteúdo injusto, imoral ou perverso isso não interessa, porque a democracia procedimental não faz, como faziam suas predecessoras, a liberal e a social, predicação de conteúdos éticos. Esta democracia é para a política o que a filosofia analítica é para a filosofia dado que a esta corrente filosófica o que lhe interessa é a consistência dos enunciados e não seu conteúdo de verdade ou falsidade. Não faz predicação de existência.

A história recente da Argentina, que podemos fazer extensiva à Bolívia, Paraguai ou Brasil, nos mostra que para os presidentes da década precedente Alfonsín, Paz Zamora, Rodríguez e Sarney a democracia era considerada, em um excesso de democratismo, como "uma forma de vida". Havia, ainda que errado, um conteúdo ético tentado. Hoje, e desde há dez anos aproximadamente, para os atuais mandatários a democracia se limita a um simples procedimento, é um formalismo que, isso sim, há que cumprir à risca. Como o dogma é que ao poder só se chega ao voto, o como se consiga, não interessa. A conservação do poder se realiza através de uma reeleição perpétua com constituições ad hoc, o como se faça, não se explica.

Assim como temos assistido à despersonalização dos mercados financeiros, em A Bolsa de Julián Martel a fins do século passado, eram os judeus os especuladores e usurários, hoje não se pode, mas além da lei antidifamatória Fabius-Gayssot na França ou a De la Rua na Argentina, afirmar quem são com certeza absoluta devido ao crescente anonimato dos especuladores financeiros. Do mesmo modo assistimos em nossos dias à despersonalização da política. Os políticos são substituídos rapidamente pelos tecnocratas ao estar a política subordinada à economia. E os tecnocratas, isto é, os políticos pós-modernos, não tem rosto. Ao menos o político tradicional tinha que dar a sua clientela política alguma explicação de seus atos, o tecnocrata não dá razões, só benefícios a quem o paga. Os grandes atos de corrupção dessa última década, como o caso Banesto na Espanha ou o caso Banco Nación na Argentina, foram levados a cabo por tecnocratas e não por políticos.

A queda do Muro de Berlim não só arrasou a União Soviética, senão também à democracia liberal e ao político clássico, impondo de forma imperceptível à democracia procedimental e o tecnocrata.

Hoje para todos aqueles que temos proposto e defendido a realização da democracia social o caminho é duplo: Posto que para o neoliberalismo pós-moderno não rege como para o capitalismo liberal de anos atrás a preocupação com o desemprego e a marginalidade. Não lhe preocupa a inclusão das maiorias no mercado de trabalho nem de consumo. Sua lógica é a da exclusão e assim, descarta mão-de-obra e mais consumidores. Não lhe interessa gerar maiores fontes de trabalho - que sempre trazem problemas e custos - senão, concentrar dinheiro em menor número de consumidores, que compensam com suas vultuosas compras o maior número de clientes, antes buscados.

Na democracia procedimental de nossos dias esta lógica da exclusão funciona concentrando o poder político e econômico em pouquíssimas mãos. Assim os funcionários quando renunciam ou são renunciados não se retiram, como antes, a suas casas senão que são realocados em outros postos. A concentração de poder e riqueza destrói rapidamente a classe média criando uma sociedade de duas velocidades: os muito ricos e os muito pobres, cumprindo-se assim o princípio que diz: à maior privatização da riqueza, maior socialização da pobreza.

Na democracia procedimental, o estado, esvaziado de todos os seus aparatos de poder, pela privatização das empresas públicas, pela anulação de suas repartições, deixou de lado os três princípios que o constituíam: a ideai de bem comum como princípio de finalidade; a ideia de solidariedade como princípio de integração e a ideia de subsidiariedade como princípio supletivo. Ficando assim reduzido a simples "regulador dos contratos jurídicos e a repressor dos setores descontentes". Não chega nem mesmo, como no antigo capitalismo liberal, a estado policial que garantia a segurança das pessoas e a propriedade privada. Hoje a segurança é "coisa privada" e a propriedade privada está "socializada nos condomínios", esses castelos modernos sitiados por bairros paupérrimos.

Jean Jacques Rousseau, teórico indiscutido da democracia liberal, escreveu dois suplementos ao Contrato Social referidos à forma de governo que deveriam possuir Polônia e Córsega, onde bota ênfase na importância que se deve outorgar à história, à religião, aos costumes, à economia e à educação de cada povo antes de se estabelecer qualquer maquinaria de governo. Isso não só não foi muito tido em conta pelo liberalismo político senão, o que é mais pernicioso ainda, é absolutamente ignorado pela democracia procedimental pós-moderna.

Esse desenraizamento brutal do regime político por antonomásia de nossos dias provoca contradições tremendas que se manifestam como injustiças flagrantes e permanentes perante a qual aos prejudicados, que são as grandes maiorias, só resta a resignação ou a reação violenta. Existe também uma terceira via, muito mais árida, lenta e esforçada que é trabalhar na formação de quadros políticos munidos de convicções axiológicas. Uma tarefa eminentemente metapolítica.

25/09/2012

Kerry Bolton - Vida e Obra de Yukio Mishima

por Kerry Bolton


Yukio Mishima, 1925-1970, nasceu Kimitake Hiraoka em uma família de classe média-alta. Autor de uma centena de livros, dramaturgo, e ator, ele foi descrito como o "Leonardo da Vinci do Japão contemporâneo", e é um dos poucos escritores japoneses a se tornar conhecido e a ser traduzido no Ocidente.

O Lado Negro do Sol

Desde a Segunda Guerra Mundial, o Ocidente esqueceu o que Jung teria chamado de a alma "sombria" do Japão, os impulsos coletivos que foram reprimidos pela "Lei de Ocupação" e pela imposição da democracia. Os japoneses são vistos estereotipicamente como sendo extremamente educados e sorridentes empresários ou turistas ávidos por fotografar. A ênfase tem sido na contraparte suave da psiquê japonesa, no "crisântemo" (as artes), e na repressão da "espada" (a tradição marcial).

A antropóloga cultural americana Ruth Benedict escreveu sobre a dualidade do caráter japonês usando este simbolismo em seu estudo, O Crisântemo e a Espada, ao qual Mishima se referiu em aprovação. Benedict havia sido comissionada pelo governo americano em 1944 para escrever um estudo da cultura japonesa. Retratar os japoneses como selvagens era suficiente para o propósito da propaganda de guerra, mas uma compreensão mais plena de nuances era considerada necessária para as negociações do pós-guerra.

O que Benedict descreveu foi o ethos de provavelmente toda sociedade Tradicional, independentemente de tempo, espaço e etnia. Essa "tradição perene" foi descrita por Julius Evola, que mostrou que as culturas tradicionais possuem perspectivas análogas. Elas percebem o terreno como um reflexo do cosmos, o mortal como um reflexo do divino. Eles consideram o Rei ou Imperador como um elo entre a terra e o cosmos, o humano e o divino. Este foi o ethos Tradicionalista que Yeats desejava reviver na Civilização Ocidental, por exemplo, em uma maneira similar à demanda de Mishima pela ressurreição da ética samurai no Japão. Em tais sociedades tradicionais, o Rei também é um sacerdote que serve como o elo direto ao Divino, o guerreiro é honrado ao invés do comerciante, e a sociedade é estritamente hierárquica e considerada como um reflexo terreno da ordem divina. Realizar o seu dever divino como rei, soldado, sacerdote, camponês, ou comerciante é o propósito de cada vida individual, e é sancionado pela lei e pela religião.

Daí, nas sociedades tradicionais, o papel do comerciante é subordinado, e o domínio do dinheiro - plutocracia - como no Ocidente hoje, é considerado como uma inversão do ethos tradicional, um sintoma de decadência cultural. No Japão tradicional, como Inazo Nitobe explica:

"De todas as grandes ocupações na vida, nenhuma estava mais removida da profissão de armas que o comércio. O comerciante estava situado o mais baixo na categoria de vocações - o cavaleiros, o agricultor, o mecânico, o comerciante. O samurai derivava sua renda da terra e poderia até se se dar ao luxo, se fosse de seu interesse, à prática de agricultura amadora; mas o contador e o ábaco eram abomináveis".

Nitobe afirma que quando o Japão se abriu para o comércio internacional, o feudalismo foi abolido, os feudos dos samurais foram tomados, e ele foi compensado com notas promissórias, com o direito de investir no comércio. Daí o samurai foi degradado ao status de um comerciante de modo a sobreviver.

Segundo Benedict, durante a guerra, os japoneses se consideravam como a única nação no mundo que havia mantido a ordem divina. Eles acreditavam ser seu dever reimpor esta ordem sobre o resto do mundo.

O Bushido japonês, o "Caminho do Samurai", é portanto análogo ao de outras sociedades tradicionalistas, tal como a cavalaria da Europa Medieval e o código guerreiro explicado por Krishna a Arjuna no Bhagavad Gita. Para a aristocracia guerreira japonesa a espada (katana) era um objeto sagrado, forjado com cerimônia, seu uso sujeito a regras precisas.

Mishima insistia que o Japão retornasse a um equilíbrio das artes e do espírito marcial. Usando a terminologia de Jung, Mishima estava chamando o Japão à "individuação" pela permissão de que o arquétipo "sombra" reprimido, "A Espada", se reafirmasse. Mishima era ele mesmo uma síntese de estudioso e guerreiro que rejeitava o intelectualismo e a teoria puras em favor da ação.

Nitobe, explicando o Bushido, escreveu que o intelectualismo era desprezado pelo samurai. Aprender era valorado não como um exercício intelectual, mas como uma questão de formação de caráter. O intelecto era considerado subordinado ao ethos. O homem e o universo eram ambos espirituais e éticos. O cosmos possuía um imperativo moral. Isso foi discutido por Mishima em seu comentário do Hagakure.

A ocupação americana foi tamanha inversão do espírito japonês que Ian Buruma, escrevendo no "Prefácio" à edição de 2005 de O Crisântemo e a Espada, afirma:

"Jovens japoneses hoje podem ter alguma dificuldade em reconhecer alguns aspectos do 'caráter nacional' descrito no livro de Benedict. Lealdade ao Imperador, dever para com os pais, terror em não pagar dívidas morais, tudo isso decaiu em uma era de auto-absorção tecnologicamente impulsionada".

O Caminho do Samurai

O ideal estético de Mishima era a beleza de uma morte violenta no auge de uma vida, um ideal comum na literatura japonesa clássica. Como um jovem doente, o ideal de Mishima da morte heroica já havia tomado posse: "Um desejo sensual por tais coisas como o destino de soldados, a natureza trágica de sua vocação...os modos pelos quais eles morreriam".

Ele estava determinado a superar suas fraquezas físicas. Há muito do "Homem Superior" de Nietzsche nele, na superação de limitações pessoais e sociais para expressar sua própria individualidade heroica. Seu lema era: "Seja Forte".

A Segunda Guerra Mundial teve uma influência formativa em Mishima. Junto com seus colegas estudantes, ele sentia que a conscrição e a morte certa aguardavam. Ele se tornou presidente do clube literário do colégio, e seus poemas patrióticos foram publicados na revista estudantil. Ele também co-fundou seu próprio jornal e começou a ler os clássicos japoneses, se tornando associado ao grupo literário nacionalista Bungei Bu, que acreditava que a guerra era sagrada.

Porém, Mishima passou por pouco no exame médico para treinamento militar. Ele foi conscrito para uma fábrica de aviões na qual aviões kamikaze eram manufaturados.

Em 1944, ele teve seu primeiro livro, Hanazakan no Mori (A Floresta em Florescência) publicado, um feito considerável no último ano da guerra, o que lhe trouxe reconhecimento instantâneo.

Enquanto o papel de Mishima no esforço de guerra não fosse obviamente o que ele teria desejado, ele passou o resto de sua vida no mundo do pós-guerra tentando realizar seus ideais de Tradição e ética samurai, buscando retornar o Japão ao que ele considerava como seu verdadeiro caráter em meio à era democrática na qual o ideal de "paz" é um absoluto inquestionável (ainda que ele tenha que ser continuamente imposto com muitos gastos militares e guerras localizadas).

A Vontade de Saúde

Em 1952, Mishima, então uma figura literária estabelecida, viajou aos EUA. Sentado sob o sul à bordo do navio, algo que ele havia sido incapaz de fazer em sua juventude por causa de seus frágeis pulmões, Mishima resolveu equiparar o desenvolvimento de seu físico com o de seu intelecto.

Seu interesse nos clássicos helênicos o levaram à Grécia. Ele escreveu que, "Na Grécia, porém, houve um equilíbrio entre o corpo físico e a inteligência, soma e sophia...). Ele descobriu uma "Vontade de Saúde", uma adaptação da "Vontade de Poder" de Nietzsche, e ele se tornou quase tão conhecido como fisiculturista quanto como escritor.

Ataque Literário

Em 1966, Mishima escreveu: "O objetivo de minha vida era adquirir todos os vários atributos do guerreiro". Seu ethos era o do Bunburyodo-ryodo samurai: o caminho da literatura (Bun) e da espada (Bu), que ele buscava cultivar em igual medida, uma mistura de "arte e ação". "Mas o desejo de meu coração pela Morte e Noite e Sangue não seria negado". Sua pouca saúde na juventude lhe havia roubado do que ele via claramente como seu verdadeiro destino: ter morrido durante a Guerra a serviço do Imperador, como tantos outros jovens japoneses. Ele expressava o ethos samurai: "Manter a morte em mente dia após dia, para manter em foco a cada momento a morte inevitável...a bela morte que outrora me havia escapado também havia se tornado possível. Eu estava começando a sonhar com minhas capacidades como guerreiro".

Em 1966, Mishima pediu permissão para treinar em quarteis do exército, e no ano seguinte ele escreveu Cavalos em Fuga, cujo enredo envolve Isao, um estudante direitista radical e praticamente de artes marciais, que comete hara-kiri após esfaquear um empresário. Isao havia sido inspirado pelo livro Shinpuren Shiwa ("A História do Shinpuren") que reconta o Incidente Shinpuren de 1877, a última resistência dos samurais quando, armados apenas com lanças e espadas, eles atacaram um quartel do exército em desafio aos decretos governamentais proibindo o porte de espadas em público e ordenando o corte dos cabelos dos samurais. Todos, a não ser um, samurais cometeram hara-kiri. Novamente Mishima estava usando a literatura para planejar como ele visualizou sua própria vida se desabrochando e terminando, contra o pano-de-fundo da tradição e da história.

Em 1960 Mishima escreveu o conto Patriotismo, em honra da rebelião Ni ni Roku de 1936 de oficiais do exército da facção Kodo-ha que desejavam atacar a União Soviética em oposição aos rivais Tosei-ha que objetivavam atacar a Grã-Bretanha e outras potências coloniais.

A rebelião de 1936 se imprimiu em Mishima, como o desafio suicida, mas simbólico do último samurai no Incidente Shinpuren de 1877. Em Patriotismo o herói, um jovem oficial, comete hara-kiri, sobre o que Mishima afirma: "Seria difícil imaginar uma visão mais heróica do que o tenente nesse momento".

Mishima novamente escreveu sobre o incidente em sua peça Toka no Kiku. Aqui ele critica o Imperador por trair os oficiais Kodo-ha e por renunciar a sua divindade após a guerra, o que Mishima via como uma traição dos mortos da guerra. Mishima combinou estas três obras sobre a rebelião em um único volume chamado a trilogia Ni ni Roku.

Mishima comenta sobre a trilogia e a rebelião:

"Certamente algum Deus morreu quando o Incidente Ni ni Roku falou. Eu tinha apenas onze anos na época o senti pouco. Mas quando a guerra terminou, quando eu tinha vinte, uma época bastante sensível, eu senti algo da terrível crueldade da morte daquele Deus...a figura positiva era minha impressão infantil do heroísmo dos oficiais rebeldes. Sua pureza, coragem, juventude e morte os qualificavam como heróis míticos; e suas derrotas e mortes os tornaram verdadeiros heróis nesse mundo..."

É a frequente expressão do sentimento de Mishima de que a "derrota e morte", tal como findaram as rebeliões de 1877 e 1936, tornava os rebeldes tradicionalistas "verdadeiros heróis nesse mundo", que indica uma metafísica atuante subjacente a sua perspectiva e especialmente suas ações, em relação não ao resultado de uma ação quanto ao significado, mas à pureza da ação per se. Isso está para além da política, que objetiva alcançar resultados, ou "a arte do possível", e entra no que o hindu chamaria de dharma.

No início de 1966, Mishima sistematizou seus pensamentos em um ensaio de 80 páginas entitulado Eirei no Koe novamente baseado na rebelião Ni ni Roku. Nessa obra ele pergunta, "por que o Imperador teve que se tornar um ser humano?" Enquanto a obra permaneceu obscura, ela lhe forneceu a base para a fundação de sua Sociedade do Escudo vários anos depois.

Em uma entrevista com uma revista japonesa naquele ano, Mishima sustentou o sistema imperial como o único tipo adequado para o Japão. Toda a confusão moral da era pós-guerra, ele afirma, deriva da renúncia do Imperador a seu status divino. O afastamento do feudalismo em direção ao capitalismo e a consequente industrialização perturba as relações entre indivíduos. O amor real entre um casal requer um terceiro termo, o ápice de um triângulo incorporado na divindade do Imperador.

O Tatenokai

No ano seguinte Mishima criou sua própria milícia, o Tatenokai (Sociedade do Escudo) escrevendo pouco antes em reviver a "alma do samurai dentro de mim". Permissão foi dada pelo exército para que Mishima usasse seus campos de treinamento para os seguidores estudantes que ele recrutou de diversas sociedades universitárias direitistas.

No escritório de um jornal estudantil direitista, uma dúzia de jovens se reuniu. Mishima escreveu em um pedaço de papel: "Nós, por meio desta, juramos ser a fundação do Kokoku Nippon". Ele fez um corte no dedo, e todos os outros repetiram o ato, deixando o sangue preencher uma taça. Cada um assinou o papel com seu sangue e bebeu da taça. O Tatenokai nasceu.

Os princípios da sociedade eram:

- O Comunismo é incompatível com a tradição, cultura e história japonesas e é contrário ao sistema imperial;

- O Imperador é o único símbolo de nossa comunidade histórica e cultural e de nossa identidade racial; e

- O uso de violência é justificável em vistas da ameaça representada pelo comunismo.

A milícia foi designada para não ter mais do que 100 membros, e para ser um exército de reserva concentrado apenas no treinamento, sem qualquer agitação política. A base metafísica do pensamento de Mishima para a milícia era expressada por sua descrição do Tatenokai como o "exército menos armado e mais espiritual do mundo". Eles estavam seguindo o caminho da tradição, que havia sustentado os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial sobrepujando forças materiais, como descrito por Ruth Benedict. Mishima se referiu ao livro de Benedict ao explicar que sua razão para criar o Tatenokai era restaurar ao Japão o equilíbrio do "crisântemo e da espada" que havia sido perdido após a guerra.

O emblema que Mishima designou para a sociedade era composto por dois elmos japoneses antigos em vermelho contra um fundo branco de seda.

À essa época, Mishima sentiu que sua vocação como escritor estava preenchida. Deve ter parecido a hora certa para morrer. Ele havia recebido o Prêmio Literário Shinchosha em 1954 por O Som das Ondas e o Prêmio Literário Yomiuri em 1957 por O Templo do Pavilhão Dourado. Seus romances Neve Primaveril e Cavalos em Fuga haviam vendido bem, mas ele estava enfurecendo os literatos, entre os quais seu único defensor nessa época era Yasunari Kawabata, que havia recebido o Prêmio Nobel de Literatura em 1968, Mishima tendo perdido porque o comitê do Prêmio Nobel assumiu que ele podia esperar mais um pouco em favor de seu mentor. Kawabata considerava o talento literário de Mishima como excepcional.

Mishima caracterizava a intelligentsia como:

"O inimigo mais forte dentro da nação. É assombroso quão pouco o caráter dos intelectuais modernos no Japão mudou, ou seja, sua covardia, escárnio, 'objetividade', desenraizamento, desonestidade, seus falsos gestos de resistência, sua auto-importância, inatividade, loquacidade e prontidão para comer as próprias palavras".

O Hagakure

O destino de Mishima foi moldado pelo código samurai exposto em um livro que ele havia mantido consigo desde a guerra. Este era o Hagakure, cuja linha mais conhecida era: "Eu descobri que o caminho do samurai é a morte".

O Hagakure era a obra do samurai do século XVII Jocho Yamamoto, que ditou seus ensinamentos a seu estudante Tashiro. O Hagakure se torno o código ensinado ao samurai, mas não se tornou disponível para o público geral até a segunda metade do século XIX. Durante a Segunda Guerra Mundial ele foi amplamente lido, e seu slogan sobre o caminho da morte foi usado para inspirar os pilotos kamikaze. Após a Ocupação ele passou ao submundo, e muitas cópias foram distribuídas para que não caíssem em mãos americanas.

Mishima escreveu seu próprio comentário sobre o Hagakure em 1967. Ele afirmou em sua introdução que  era o livro ao qual ele se referia continuamente nos 20 anos desde a guerra e que durante a guerra ele o havia sempre mantido consigo.

Mishima relata que imediatamente após a guerra, ele se sentiu isolado do resto da sociedade literária, que havia aceitado ideias que eram estranhas a ele. Ele se perguntou qual seria seu princípio orientador agora que o Japão havia sido derrotado. O Hagakure era a resposta, lhe fornecendo "constante orientação espiritual" e "a base de minha moralidade". Como todos os outros livros japoneses do período da guerra, o Hagakure havia se tornado odioso na era democrática, a ser expurgado da memória, mas nas trevas dos tempos ele agora irradia sua "verdadeira luz", nas palavras de Mishima:

"Foi agora que o que eu havia reconhecido durante a guerra no Hagakure começou a manifestar seu verdadeiro significado. Aqui estava um livro que pregava liberdade, que ensinava paixão. Aqueles que leram com cuidado apenas a mais famosa linha do Hagakure ainda mantém uma imagem dele como um livro de fanatismo odioso. Naquela única linha, 'eu descobri que o Caminho do Samurai é a morte', pode ser visto o paradoxo que simboliza o livro como um todo. Foi essa frase, porém, que me deu forças para viver".

A Feminização da Sociedade

Um dos temas de interesse primário para o leitor contemporâneo do comentário de Mishima sobre o Hagakure é o uso de Mishima das observações de Jocho sobre sua própria época para analisar a era moderna. Tanto o Japão do século XVII como o Japão do século XX manifestam sintomas análogos de decadência, este último devido à imposição de valores alienígenas que são produtos do ciclo ocidental de decadência, enquanto os da época de Jocho indicam que a civilização japonesa em seu tempo estava em uma fase de decadência. Portanto, aqueles interessados em morfologia cultural, a de Spengler em particular, verão análogos ao declínio atual da civilização ocidental na análise de Jocho de seu tempo e na análise de Mishima do Japão do pós-guerra.

O primeiro sintoma considerado por Mishima é a obsessão da juventude com a moda. Jocho observou que mesmo entre os samurais, os jovens falavam apenas em dinheiro, roupas e sexo, uma obsessão que Mishima também observou em sua época.

Mishima também apontou que a feminização pós-guerra do homem japonês foi notada por Jocho durante os anos de paz da era Tokugawa. Impressões setecentistas de casais dificilmente distinguem entre homem e mulher, com cortes de cabelo, roupas e expressões faciais similares, tornando impossível dizer quem é o homem e quem é a mulher. Jocho registra no Hagakure que durante esta época, a taxa de pulsação de homens e mulheres, que normalmente diferem, havia se igualado, e isso era notado ao se tratar de problemas médicos. Ele chamava a isso de "o pulso feminino". Jocho observou: "O mundo está de fato adentrando em uma fase degenerada; os homens estão perdendo sua virilidade e estão se tornando exatamente como mulheres..."

Celebridades substituem Heróis

Jocho condena a idolização de certos indivíduos alcançando o que hoje chamaríamos de status de celebridade. Mishima comenta:

"Hoje, jogadores de baseball e estrelas de televisão são idolatrados. Aqueles que se especializam em habilidades que fascinarão uma audiência tendem a abandonar sua existência como personalidades humanas completas e a se reduzirem a um tipo de marionete habilidosa. Essa tendência reflete os ideais de nossos tempos. Nesse ponto não há diferença entre artistas e técnicos.

O presente é a era da tecnocracia (sob a liderança de técnicos); diferentemente expressa, é a era dos artistas de performance... Eles esquecem os ideais de um ser humano total; degenerar em uma simples engrenagem, uma única função se torna sua maior ambição..."

O espetáculo de Hollywood e tudo que as palavras "estrela" e "celebridade" sugerem epitomizam a  banalidade cultural do mundo hoje.

O Tédio do Pacifismo

Sob o pacifismo e a democracia, o indivíduo está literalmente morrendo de tédio, ao invés de viver e morrer heroicamente.

"Nossa é uma época na qual tudo é baseado na premissa de que é melhor viver o máximo possível. A expectativa de vida se tornou a mais longa na história, e um plano monótono para a humanidade se desdobra diante de nós".

Uma vez que um homem jovem encontre seu lugar na sociedade, sua luta acabou, e não há nada mais para a juventude além da aposentadoria, "e a vida pacífica e tediosa da velhice impotente". O conforte do estado de bem-estar garante contra a necessidade de luta, e se é simplesmente ordenado a "descansar". Mishima comenta sobre o número extraordinário de idosos que cometem suicídio. Agora nós podemos acrescentar o número ainda mais extraordinário de jovens que cometem suicídio.

Mishima equipara socialismo e estado de bem-estar social, e descobre que ao fim do primeiro, lá está a "fadiga do tédio" enquanto ao fim do segundo está a supressão da liberdade. O povo deseja algo pelo que morrer, ao invés da paz infinita que é sustentada como Utopia. A luta é da essência da vida. Para o samurai, a morte é o foco de sua vida, mesmo em tempos de paz. "A premissa da era democrática é que é melhor viver o máximo possível".

A Repressão da Morte

O mundo moderno busca evitar o pensamento da morte. Porém a repressão de um elemento tão vital da vida, como todas essas repressões, levará a uma tensão explosiva cada vez maior. Mishima afirma: 

"Nós estamos ignorando o fato de que levar a morte ao nível da consciência é um elemento importante de saúde mental... o Hagakure insiste que ponderar sobre a morte diariamente é se concentrar diariamente na vida. Quando fazemos nosso trabalho pensando que podemos morrer hoje, nós não podemos deixar de sentir que nosso trabalho subitamente se torna radiante com vida e significado".

Extremismo

Mishima afirma que o Hagakure é uma "filosofia de extremismo". Daí, ela está inerentemente descompassada com o caráter de uma sociedade democrática. Jocho afirmou que enquanto a Razão Áurea é bastante valorada, para o samurai sua vida diária deve ser de uma natureza heróica, vigorosa, para superar e ultrapassar. Mishima comenta que "ir ao excesso é um importante trampolim espiritual".

Intelectualismo

Mishima tinha o mesmo desprezo por intelectuais que os ocidentais que também estavam em revolta contra o mundo moderno, como D.H. Lawrence, que acreditava que a força vital é reprimida pelo racionalismo e intelectualismo e substituída pela mentalidade contabilista do comerciante, não apenas nos negócios mas em todos os aspectos da vida. Jocho afirmou que:

"O homem calculista é um covarde. Eu digo isso porque os cálculos tem relação com lucro e perda, e tal pessoa é portanto preocupada com lucro e perda. Morrer é uma perda, viver é um lucro, e assim se decide não morrer. Portanto se é um covarde. Similarmente um homem de educação camufla com seu intelecto e eloquência a covardia ou ganância que é sua verdadeira natureza. Muitas pessoas não percebem isso".

Mishima comenta que na época de Jocho não havia nada que correspondesse à intelligentsia moderna. Porém, havia estudiosos, e mesmo os próprios samurais haviam começado a se transformar em uma classe similar "em uma época de paz estendida". Mishima identifica esse intelectualismo com "humanismo", como fez Spengler. Este intelectualismo significa, contrariamente à ética samurai, que "não se oferece corajosamente em face do perigo".

Sem Palavras de Fraqueza

O samurai em tempos de paz ainda fala com um espírito marcial. Jocho ensinou que, "a primeira coisa que um samurai diz em qualquer ocasião é extremamente importante. Ele demonstra com essa única observação todo o valor do samurai". Jocho afirmou: "Mesmo em conversa casual, um samurai jamais deve reclamar. Ele deve constantemente estar em guarda para não deixar escapar uma única palavra de fraqueza". "Não se deve perder o coração no infortúnio".

O Fluxo do Tempo

A referência de Jocho ao "fluxo do tempo" indica que ele reconheceu a natureza cíclica da vida de um organismo cultural 400 anos antes de Spengler tê-la explicado ao Ocidente. Mishima aponta que enquanto Jocho lamenta "a decadência de sua era e a degeneração do jovem samurai", ele observa "o fluxo do tempo", realisticamente afirmando que é inútil resistir ao fluxo. Como Jocho afirmou: "O clima de uma era é inalterável. Que as condições estão piorando constantemente é prova de que entramos na última fase da Lei".

Jocho emprega a analogia de estações tanto quanto Spengler fez ao descrever os ciclos de uma civilização: "Porém, a estação não pode sempre ser primavera ou verão, nem podemos ter luz do dia para sempre. O que é importante é fazer de cada era tão boa quando ela possa ser segundo sua natureza". Jocho não recomenda nem nostalgia pelo retorno do passado, nem a atitude "superficial" dos que valorizam apenas o que é moderno, ou "progressivo" como falamos hoje.

Um Destino de Samurai

A produção literária de Mishima foi como um manual para seu próprio plano militar pessoal de ataque à era moderna, em consonância com o Caminho do Samurai. Mishima não teria esperado que um ato final de desafio ao mundo moderno terminasse em "vitória" em qualquer sentido convencional. Tendo sido imbuído com o ethos tradicional do Japão durante a guerra, era a dimensão espiritual que importava. Contra forças materiais vastamente superiores, essa dimensão espiritual havia sustentado a "missão" japonesa de trazer hierarquia ao Oriente e ao Pacífico, como a única nação que havia preservado essa perspectiva tradicionalista. Benedict recorda que esta crença foi mantida na era imediata do pós-guerra e que isso ainda era motivado por uma perspectiva espiritual.

"O Japão similarmente deposita suas esperanças de vitória em uma base diferente da prevalente nos Estados Unidos. Ela venceria, ela clama, uma vitória do espírito sobre a matéria. A América era grande, seus armamentos eram superiores, mas que importava? Tudo isso, eles diziam, havia sido previsto e descontado...

Mesmo quando ela estava vencendo, seus estadistas civis, seu Alto Comando, e seus soldados, repetiam que essa não era uma disputa entre armamentos; era um enfrentamento de nossa fé nas coisas contra sua fé no espírito".

25 de novembro de 1970 foi escolhido como o dia que Mishima cumpriria seu destino como samurai, depositando sua fé no espírito contra a era moderna. Quatro outros do Tatenokai se uniram a ele. Todos portavam faixas com um slogan do Hagakure. O objetivo era fazer de refém o General Mishita para permitir que Mishima se dirigisse aos soldados estacionados na base Ichigaya em Tóquio. Mishima e seu tenente, Morita, então cometeriam hara-kiri. Apenas adagas e espadas seriam usadas no ataque, em consonância com a tradição samurai.

O general foi amarrado e amordaçado. Um duro confronto se seguiu conforme oficiais diversas vezes entravam no escritório do general. Mishima e seu pequeno bando a cada vez forçavam os oficiais a recuarem. Finalmente, eles foram expulsos com golpes da espada de Mishima contra seus traseiros. Mil soldados se reuniram no térreo. Dois dos homens de Mishima lançaram panfletos da sacada acima, convocando para uma rebelião para "restaurar Nippon".

Precisamente ao meio dia, Mishima apareceu na sacada para se dirigir à multidão. Gritando por sobre o barulho de helicópteros ele declarou:

"O povo japonês hoje pensa em dinheiro, apenas em dinheiro: Onde está nosso espírito nacional hoje? O Jieitai deve ser a alma do Japão".

Os soldados zombavam. Mishima continuou:

"A nação não possui fundação espiritual. É por isso que vocês não concordam comigo. Vocês serão apenas mercenários americanos. Aí estão vocês em seu minúsculo mundo. Vocês não fazem nada pelo Japão". Suas últimas palavras foram: "Eu saúdo o Imperador. Vida longa ao Imperador!"

Morita se uniu a ele na sacada em saudação. Ambos retornaram ao escritório de Mishita. Mishima se ajoelhou, gritando uma última saudação, e enfiou a adaga em seu estômago, forçando-o em direção horária. Morita falhou na decapitação deixando-a para que outro a terminasse. Morita então recebeu a adaga de Mishima mas pediu ao espadachim que havia finalizado Mishima para que fizesse seu trabalho, e a cabeça de Morita foi cortada com um único golpe. Os seguidores remanescentes reuniram as cabeças de Mishima e Morita e rezaram sobre eles.

Dez mil pranteadores foram ao funeral Mishima, o maior de seu tipo já realizado no Japão. "Eu quero fazer de minha vida um poema", Mishima havia escrito aos 24 anos de idade. Ele havia cumprido seu destino segundo o caminho do samurai: "Escolher o lugar em que se vai morrer é também a maior alegria da vida". Mishima escreveu em seu comentário sobre o Hagakure: "A forma positiva de suicídio chamada de hara-kiri não é um sinal de derrota, como no Ocidente, mas a expressão máxima da vontade livre, de modo a se proteger a própria honra".

Após sua morte, seu comentário sobre o Hagakure se tornou um best seller imediato.

24/09/2012

Relendo Rousseau

por Alain de Benoist



Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é um caso um tanto quanto curioso na história das ideias. Após dois séculos, ele ainda é o objeto de opiniões verdadeiramente apaixonadas (ou o amas ou o odeias), e poucos autores foram objeto de tantas interpretações contraditórias. Ele é comumente visto como uma inspiração para a Revolução Francesa, mas também como uma influência sobre o nacionalismo alemão. Ele é visto como um individualista convicto, um desajustado social, um sonhador gentil buscando autodissolução - e como um lógico fanático devotado à disciplina espartana. Ele é visto como um racionalista, mas também como o profeta de uma moralidade e religião baseada exclusivamente no sentimento. Ele tem sido representado como o pai do romantismo e um dos precursores do socialismo de estado. Hippolyte Taine o acusou de coletivismo, Benjamin Constant de despotismo. Pierre-Joseph Proudhon, que o culpava pelo "grande desvio de 1793", o viu como um teórico e apologista da tirania.

Rousseau é a bête noire da direita francesa, ainda que eles raramente o leiam. Os liberais, de sua parte, o culpam pelos excessos da Revolução de 1789 e afirmam que ele é a fonte de uma corrente "totalitária" que leva diretamente a Karl Marx. De fato, para Rousseau, o contrato social permanece em grande parte ainda por ser escrito: os limites do possível ainda não foram atingidos e a sociedade melhor ainda está por vir. A direita tradicional é mais radical em sua crítica, reprovando Rousseau pela própria ideia de contrato social e usando o termo "Rousseauísmo" para designar uma antropologia "utópica" de maleficência inegável. Rousseau é então apresentado como nada mais que o pai do igualitarismo e o autor de teorias absurdas do "nobre selvagem" e do "homem naturalmente bom".

Típico dessa mentalidade é o retrato que Charles Maurras faz do "pobre Rousseau":

"Nem o espírito da família, nem o do partido, nem os interesses políticos que teriam moderado todo outro genebrês, foi capaz de temperar a fúria mística desse demagogo, nascido na miséria, flagelado por uma velha solteirona, e mimado até apodrecer por seus primeiros amigos. Pau-para-toda-obra, incluindo as mais desagradáveis, ao mesmo tempo lacaio e capanga, mestre de música, parasita, ele conhecia apenas uma coisa: sua falência intelectual e moral... Nascido sensitivo e versátil, completamente incapaz de se apegar à verdade, seus argumentos divergentes jamais se harmonizam com seus dramas. Ele é um criminoso, um selvagem, e um louco, tudo em partes iguais".

O pensamento de Rousseau não obstante exerceu uma influência considerável, que se estende muito além do contexto intelectual ou político ao qual ele é normalmente restrito. Mas essa influência, mesmo no próprio tempo de Rousseau, parece se localizar muito mais no nível da sensibilidade do que o da doutrina. Além disso, sua influência estava baseada menos em seus textos do que em interpretações e simplificações normalmente hostis. Rousseau é um autor que é bastante citado, mas quase nunca lido. Ademais, apenas suas primeiras obras são comumente citadas; seus projetos constitucionais para a Córsega e para a Polônia são geralmente ignorados, especialmente por seus adversários. Finalmente, foi apenas no século XX que o estudo sério de sua obra começou e a unidade de seu pensamento foi reconhecida. Em qualquer caso, todas essas controvérsias mostram que o pensamento de Rousseau não se presta para resumos fáceis em fórmulas jeitosas. Assim eu proponho que façamos uma releitura de Rousseau, não para "reabilitá-lo" - pois ele não precisa disso - mas para ir além da opinião recebida e descobrir um autor que indubitavelmente merece mais do que a imagem que lhe é oferecida por seus admiradores, bem como por seus inimigos.

Rousseau sobre a Natureza

Rousseau escreve que "o homem é naturalmente bom". Porém, lê-se ao início de Emile: "Tudo que vem das mãos do Autor de coisas é bom; tudo degenera nas mãos do homem". O que devemos pensar de um ser que é supostamente naturalmente bom, mas que causa a degeneração de todas as coisas que ele toca? Ademais, na fórmula "naturalmente bom", que palavra importa mais? Quer Rousseau dizer simplesmente que o homem é bom, e ainda que essa bondade lhe é natural, ou ele quer dizer que é enquanto um ser natural que o homem é bom? A importância que Rousseau dá à "natureza" evidentemente sugere a segunda interpretação. Mas este termo também é equívoco para ele. O tema do "retorno à natureza" era extremamente popular no século XVIII. Para Diderot, Guillaume Raynal, e muitos outros, ele nutria todos os tipos de especulações sobre a "idade de ouro", as "virtudes primitivas", etc. É esse realmente o caso com Rousseau? Ademais, tal divisa possui significados bastante distintos dependendo da ideia que se tem de "natureza". A Igreja, por exemplo, sempre pegou uma "ética segundo a natureza", enquanto Nietzsche denunciava a "moralidade como anti-natureza" (o título de um dos capítulos de Crepúsculo dos Ídolos). De fato, é necessário apenas ler Rousseau para perceber que "natural" é usado com dois significados bastante distintos. Às vezes "natural" se refere ao que é original, às vezes ao que é autêntico ou essencial. Muito rapidamente, o segundo significado assumiu preponderância.

Quando ele evoca o "estado de natureza", Rousseau demonstra ser muito menos utópico do que muitos filósofos do Iluminismo. No início de seu Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, ele diz explicitamente que ele jamais pretendeu representar um estado original da humanidade, porque não se pode nunca saber o que este era, ou mesmo se o "estado de natureza" alguma vez existiu. Diferentemente de muitos de seus contemporâneos, Rousseau não se volta para um passado longínquo, que ele reconstruiu ao seu jeito, mais do que ele cria ser possível aprender algo sobre a "natureza" humana a partir das assim chamadas tribos "selvagens". O estado de natureza para ele é menos um conceito histórico do que uma ideia especulativa e regulativa que permite organizar fatos. É uma ficção que ele utiliza para explicar o aparecimento dos fenômenos que ele deseja criticar. O mesmo se aplica à ideia do "contrato social" que ele diz ter lugar entre "as verdades hipotéticas e condicionais". Hoje diríamos: uma hipótese de trabalho.

Rousseau opõe "homem natural" e "homem civilizado". Mas ambas estas categorias são imediatamente subdivididas: tanto quanto o homem civilizado inclui o burguês tanto quanto o cidadão (mais sobre isso abaixo), o homem natural inclui o homem natural selvagem e o homem natural vivendo em sociedade. Porém, é de se imaginar se o primeiro desses dois "homens naturais" é verdadeiramente um homem. Rousseau o descreve como um "ser estúpido e limitado", "aprisionado pela natureza apenas ao instinto": "limitado somente ao instinto físico, ele é nulo, ele é estúpido" (Discurso sobre a Desigualdade). Este selvagem, guiado apenas pelo "amor próprio", é um recluso que vive em autarquia. Ele é auto-suficiente no sentido de que ele não mantém relações individualizadas com ninguém. Ele não possui nem moralidade, ou crenças, ou razão, ou linguagem. Tal ser, assim, não se distingue de um animal. O homem natural selvagem, sujeito à seleção natural estrita, é inicialmente um ser vivo entre outros. Por isso, Rousseau pensa estar afirmando a origem animal do homem. É um ponto-de-vista bastante diferente do de seus contemporâneos.

Rousseau não vê o "estado de natureza" como o ponto de partida de um desenvolvimento linear inelutável. O estado de natureza descrito na primeira parte do Discurso sobre a Desigualdade é essencialmente estático; na teoria, o homem poderia ter permanecido lá eternamente, perpetuamente desfrutando da "felicidade" conectada a sua corporificação animal. Esse homem selvagem é por toda evidência um ser imaginário, uma espécie de tipo ideal que Rousseau necessita de modo a construir suas outras categorias. Pois se o selvagem não é um homem de verdade, ele é não obstante potencialmente um. Ele é solitário, mas não associal. Ele possui as "virtudes sociais potencialmente". Para Rousseau, ainda que a sociedade não emerja da natureza estritamente falando, ela também não se opõe a ela. O homem é social desde que ele é homem, no sentido pleno do termo. Assim, não é exagero dizer, com Louis Dumont, que Rousseau, contrariamente à maioria das interpretações de seu pensamento, reconhece plenamente o caráter social do homem, ou seja, sua pertença a uma sociedade concreta como condição de sua humanidade.

Bondade Natural e o Problema do Mal

É, em resumo, necessário situar Rousseau no contexto de seu tempo. A teoria de Rousseau do "homem naturalmente bom" dirigida inicialmente a responder a questão clássica da teodiceia, ou seja, o problema apresentado pela existência do mal em um mundo supostamente criado livremente por um Deus que é tanto onipotente como perfeitamente bom. Aparentemente este problema pode ser solucionado apenas de duas maneiras: ou exoneramos Deus explicando o mal através do pecado original, ou seja, pelo mau uso por parte do homem de usa liberdade antes de seu ingresso na história; ou exoneramos o homem, e então somos obrigados a duvidar da bondade ou do poder absoluto de Deus.

A posição de Rousseau é mais original. Contra os Enciclopedistas, Rousseau defende a "justificativa de Deus". Contra a Igreja, ele disputa a ideia de pecado original, que representa o homem como naturalmente mau. Pela afirmação de que o mal não vem nem do homem nem de Deus, mas de uma terceira fonte, ou seja, a sociedade, Rousseau de modo algum pretende apelar em favor de um indivíduo irresponsável que culpa a "sociedade" por todos os seus atos, o que é o significado comum de "rousseauísta". Ele pretende, ao invés, responder a um problema teológico fundamental, que imediatamente confronta qualquer reflexão especulativa.

Sua concepção crítica do social é igualmente original comparada à filosofia de seu tempo. A ideia de uma distinção entre sociedade civil e o Estado era certamente comum no século XVIII, quando toda a reflexão filosófica se apoiava na pressuposição de que o homem moderno primeiro vive em uma esfera social privada, em oposição à esfera pública dominada pelo Estado. Os primeiros teóricos liberais articularam sua crítica das instituições partindo da ideia de que há uma sociedade civil que deve ser continuamente defendida contra as penetrações do poder. Para os Enciclopedistas, a sociedade civil é assim boa em si a priori. O que é mau é o sistema político, a monarquia absoluta, o poder que sempre tende a se expandir.

Mas Rousseau conclui o exato oposto. O absolutismo, a seus olhos, é apenas um epifenômeno. Para os Enciclopedistas, ele é a causa do mal social e político; para Rousseau é apenas uma consequência. Essas são duas perspectivas bastante distintas. Os Enciclopedistas, que raciocinam de modo puramente mecanicista, acreditam que seria suficiente limitar o poder para que a sociedade civil possa funcionar "livremente" de um modo mais ou menos óptimo. O próprio Rousseau percebeu muito bem que a realidade social é muito mais complexa, e que não se resolvem todos os problemas pela limitação da autoridade do Estado ou modificando instituições.

Acima de tudo, foi a Igreja que, tendo reconhecido Rousseau como um adversário da ideia de pecado original, trabalhou para culpar cada excesso na "bondade natural" do homem. De fato, para Rousseau, o homem no estado de natureza não é nem bom nem mau, pela simples razão de que não há moralidade nele. No estado de natureza, não há, "nem bondade nos nossos corações, nem moralidade em nossas ações". Ademais, o homem é plenamente homem apenas quando ele é "desnaturado", ou seja, quando ele deixa de ser um todo perfeito e solitário para se tornar parte do todo social. Rousseau, que normalmente retorna a essa ideia, escreve que "boas instituições são aquelas que melhor desnaturam o homem...de modo que cada indivíduo não mais acredita que ele é único, mas sim parte do todo". Seu pensamento nesse ponto é bastante claro. Ao invés de "bom", o homem é naturalmente inocente enquanto sua humanidade seja apenas virtual; ele não é nem bom nem mau (ou ao mesmo tempo bom e mau) logo que ele alcance plenamente sua humanidade.

No segundo sentido, que assume uma maior importância em Rousseau, "natural" significa essencial. Finalmente, para Rousseau o homem "natural" não é o homem original, o homem sem sociedade, que porta uma essência que ele mesmo autentica. A "natureza" do homem se torna ao mesmo tempo o que é especificamente humano nele. Consequentemente, o problema da natureza humana se torna um problema exclusivamente moral e filosófico. Para se saber o que é "natural" no homem, deve-se realizar uma reflexão sobre seu ser interior, sobre o tipo ideal que melhor corresponde ao fenômeno humano. Eu concordo com Louis Dumont que escreve: "O núcleo da mensagem de Rousseau reside muito mais na consciência moral e religiosa do que no sentimento pela natureza, como às vezes se acredita".

Liberdade, Perfectibilidade, História

Qual então é a "natureza" do homem? Em primeiro lugar, é sua liberdade. Rousseau inaugura uma importante investigação quando ele imagina se o homem realmente pertence à "natureza", e não à liberdade. Sua resposta é que os dois termos são integrais um ao outro. E a partir dessa liberdade fundamental, Rousseau imediatamente deriva o conceito de "perfectibilidade". O que distingue o homem de todos os outros seres vivos é que ele é perfectível: ele possui a capacidade de mudar a si mesmo. Aqui Rousseau não está muito longe da ideia, apresenta em particular por Arnold Gehlen, do homem como "aberto ao mundo", não estritamente determinado, livre para se "desnaturar", ou seja, para se inculturar a seu próprio modo. Longe de pregar o retorno a qualquer estado de natureza, Rousseau define o homem real como um ser que jamais se apega a seu estado de origem, mas incessantemente busca se exceder e criar novas formas de existência. "A natureza do homem é não ter natureza, mas ser livre" (Pierre Manent). Isso, é claro, pode ser compreendido de várias formas. Mas a ideia fundamental permanece: a liberdade inicialmente consiste em se construir, o que se aplica aos indivíduos bem como aos povos.

Ademais, para Rousseau a liberdade não é nem um dom nem um estado passivo. Sob um ponto de vista dinâmico, ela existe apenas na medida em que se está disposto a conquistá-la. Contrariamente aos filósofos do Iluminismo, Rousseau não pretende basear o laço social na "simpatia" ou no egoísmo. Ele não espera que a sociedade garanta o bem-estar ou a "felicidade", mas ao invés que garanta ao homem as condições nas quais ele possa conquistar sua liberdade. Isso está longe das pressuposições dos economistas e utilitários de seu tempo e dos nossos.

É importante compreender plenamente que é a perfectibilidade que insere o homem na história e faz dele um ser histórico no sentido completo da palavra. Através dessa concepção de homem, Rousseau apresenta uma filosofia da história bastante distanciada do historicismo moderno. Rousseau, como Hegel, não vê o progresso contínuo do desenvolvimento humano, uma ascensão cada vez mais intensa da razão na história. O conceito de perfectibilidade, para ele, não responde imediatamente a questão do progresso. Ao contrário, Rousseau imagina por que a história da perfectibilidade humana é tão normalmente a história do mal. Contrariamente ao otimismo liberal, ele não acredita nem nas virtudes intrínsecas do progresso nem em uma utopia que necessariamente chegue a se dar. De certo modo, a seus olhos, se tornar histórico é neutro. Perfectibilidade é a fonte de erros e esperanças, sucessos e derrotas. É a causa de azar e de toda "miséria" humana. É a fonte da alienação de tudo que há de mais autêntico nele. Mas também pode ajudá-lo e recuperar tudo. De fato, segundo as circunstâncias, pode levá-lo à servidão ou a uma sociedade melhor.

Diferentemente de muitos de seus contemporâneos, que foram ávidos pastoralistas, Rousseau não acreditava ser possível retornar a um estado original: "A natureza humana não recua". Ele não sonhava com uma Idade de Ouro ou desejava restaurar um paraíso perdido. Seu contrato social não é, como o de Locke, um evento do passado, mas uma parte do futuro que ainda permanece a ser fundado. Ele não há que ser reconstituído, mas realizado. Dirigido a resgatar o homem das corrupções de uma sociedade degenerada, ele não revela a imagem do indivíduo auto-suficiente, mas clama por ação coletiva. Isso é equivalente a se mover de uma história inconscientemente sofrida a uma conscientemente engajada. Rousseau sabia bem que a sociedade sempre era muito mais o resultado de ação humana do que de design humano. Mas suas conclusões foram as opostas às de Hayek. Rousseau é resolutamente "perspectivista". A sociedade deu errado precisamente porque até este ponto ela se desenvolveu sem o conhecimento do homem - e é por isso que o homem deve tentar assumir o controle dela. A existência humana não é inevitavelmente inautêntica e "depravada". Não é uma questão de buscar a "felicidade" ou retornar ao "estado de natureza", mas de assumir o caminho da liberdade. A ideia de que o homem é um bom selvagem que foi corrompido pela sociedade parece, nessa luz, um tanto quanto inadequada. Ao invés, segundo Rousseau, o homem é um animal perfectível cuja perfectibilidade resultou na auto-alienação, mas que pode recuperar sua autenticidade sem ter que reverter a um estado primitivo.

Trabalhar para o advento de uma sociedade melhor ultimamente se resume a conhecer como o homem pode se conformar a sua essência, como ele pode ser ele mesmo. Essa preocupação com "autenticidade" explica a influência de Rousseau sobre os românticos alemães e a geração Sturm und Drang, uma influência, ademais, que se expressaria de duas formas diferentes dependendo de se dar primazia ao sentimento pela natureza ou às demandas da moralidade. Para Rousseau a moralidade não se reduzia às prerrogativas do sentimento, ao "direito do coração" que assemelharia o Werther de Goethe à Nova Eloísa de Rousseau. É um imperativo ético mais fundamental que já prefigura Kant. Ademais, Kant trabalhou sua teoria moral em referência explícita a Rousseau, e foi realmente "entre Kant e Rousseau" que o discurso dos jovens escritores do Sturm und Drang seria trabalhado.



Igualdade

Consideremos agora o problema da igualdade. Aqui também, nós tendemos a nos apegar demais a uma fórmula: "Todos os homens nascem livres e iguais" (Do Contrato Social). A concepção de igualdade de Rousseau é na verdade muito complexa. Ela não tem nada que ver, por exemplo, com o comunismo embriônico de François-Noël Babeuf. Rousseau reduz a igualdade de natureza à pertença na espécie - os homens são iguais na medida em que pertencem à mesma espécie (sub specie naturae) - e também à constituição metafísica da natureza humana: os homens estão sujeitos a uma finitude comum; nós estamos todos fadados a morrer.

Junto a essa igualdade da condição humana, há uma desigualdade natural que Rousseau não nega por um único instante. Ao contrário, no Discurso sobre a Desigualdade, ele explicitamente menciona essa "desigualdade natural", "estabelecida pela natureza", "que consiste na diferença de idades, saúde, força física, e qualidades da mente, da alma".

Certamente, o contrato social representa um momento em que a igualdade entre os homens é perfeitamente realizada. Mas Rousseau descreve essa igualdade como um "compromisso recíproco de todos em relação a cada um". Esse conceito de reciprocidade é razoavelmente próximo à definição aristotélica de justiça, e dirige a ideia de igualdade em direção àquela de proporção ou justa medida: a cada um o que lhe é próprio.

Ademais, no nível social, Rousseau de modo nada ambíguo desafia o que Montesquieu chama de espírito da "igualdade extrema". A seus olhos, o despotismo de todos não é melhor que o despotismo de um, e ele corretamente vê que a igualdade extrema leva à tirania de todos. Em seus projetos para Córsega e Polônia, ele até mesmo recomenda instituir uma hierarquia de três classes não-hereditárias, possuindo distintas funções e privilégios.

Assim Rousseau não recomenda o desaparecimento de diferenças sociais. Ele pede apenas que as desigualdades sociais sejam concordantes com as desigualdades naturais e não envolvam dominação insuportável. "Em relação à igualdade", ele escreve, "essa palavra não quer dizer que os graus de poder e riqueza são absolutamente os mesmos, mas que, quanto ao poder, ele jamais é comparável à violência e jamais é exercido senão em virtude de hierarquias e leis, e quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja tão rico que ele possa comprar outro, e nenhum tão pobre que ele tenha que se vender" (Discurso sobre a Desigualdade).

Para usar a famosa distinção de Isócrates: Rousseau no fim tende mais em direção à "igualdade geométrica", ou seja, uma justiça distributiva, do que em direção à igualdade aritmética característica do igualitarismo moderno. Como Raymond Polin escreve, "Rousseau sempre defendeu a outra igualdade, a forma proporcional e moderada de igualdade que reconhece a legitimidade das distinções e diferenças morais e políticas, desde que elas se harmonizem com as desigualdades estabelecidas pela natureza".

Rousseau, do mesmo jeito, não critica direitos de propriedade, mas pretende limitar com firmeza seu abuso. "A propriedade", ele afirma, "é o mais sagrado de todos os direitos civis e mais importante, em certas maneiras, do que até mesmo a vida". Ademais, a propriedade é "o verdadeiro garantidor dos compromissos de cidadãos", porque a lei seria inaplicável se o povo não pudesse responder a como ela se aplica a seus bens. Por essa razão, Rousseau disputa a ideia de Locke de que se possui direito natural à propriedade com base no trabalho. A propriedade, ele diz, é "uma convenção e instituição humanas", o que significa que o direito de propriedade é um direito social. O estado para Rousseau, diferentemente de Diderot, não é um "distribuidor de felicidade". Ele deve intervir apenas quando as desigualdades de fortuna alcançam tal medida que elas condenam certas categorias de cidadãos a uma dependência econômica reduzindo-os ao status de objetos. Geralmente falando, Rousseau é bastante consciente de que há direitos apenas onde há relações: direitos nascem com a sociedade. Direitos humanos no sentido definido pelos teóricos liberais, como direitos eternos que o homem traz de seu "estado de natureza", deixam Rousseau completamente indiferente.

A importância que Rousseau dá à sociedade mais ampla o leva a reconhecer que o poder central na sociedade reside na opinião. É o que fixa a posição de homens e a estima de que eles desfrutam. É o que determina as comparações sociais das quais a maioria das desigualdades resultam. (Aqui se pode ainda ver a originalidade de Rousseau: desigualdades não originam comparações sociais, mas comparações sociais originam desigualdades). Com essas observações, Rousseau novamente expressa seu anti-liberalismo. Alguns tomam o auto-interesse como axiomático: a sociedade "necessariamente requer que os homens se odeiem uns aos outros na medida em que seus interesses conflitem". Ele percebeu muito bem que, nas sociedades modernas, a atribuição de valores comparativos a homens é acima de tudo baseada nos processos pelos quais as coisas recebem um preço. O valor atribuído a cada indivíduo se alinha com valores de troca. Porém, para Rousseau, o valor dos homens não é redutível a um preço. Assim ele demonstra que, qualidades pessoais estando na origem das desigualdades e dos fenômenos de subordinação que elas envolve, "a riqueza é a última coisa a que elas são reduzidas no fim, porque sendo mais imediatamente úteis para o bem-estar e mais fáceis de se transferir, facilmente se faz uso dela para comprar tudo o mais". (Discurso sobre a Desigualdade).

Rousseau observa que essa desigualdade "competitiva" é encontrada tanto em Paris, quanto em Londres, Nápoles ou Genebra. O poder do dinheiro é integral à modernidade, que instaura o burguês no lugar do cidadão. O homem moderno vive nem para os outros, nem para sua pátria, mas apenas pela aprovação de uma opinião que espontaneamente modela valor social em valor monetário, ou seja, no dinheiro. Rousseau chama essa atitude de vaidade (amour-propre) e a vê como uma corrupção do amor próprio (amour de soi). Como Pierre Manent enfatiza:

"Vaidade não é amor próprio: é até mesmo em algumas maneiras o oposto. A vaidade vive pela comparação, ela é o desejo de ser estimado pelos outros a um preço tão alto quanto se estima a si mesmo, e ela é condenada a nunca ser satisfeita, já que todos possuem a mesma vaidade e sentem o mesmo desejo. A vaidade sabe que não pode ser satisfeita, e ela odeio os outros por sua vaidade. Ela nutre na alma o desgosto por si mesmo e o ódio impotente pelos outros. O homem de tal sociedade vive apenas pela aprovação dos outros, que ele odeia".

Assim inveja e frustração parecem formar o par maldito do espírito moderno. Vê-se aqui o início de uma análise do ressentimento e da competição mimética que pressagia Nietzsche, Tocqueville e René Girard ao mesmo tempo. Ademais, a transformação do homem natural em homem sociável, em "homem do homem", como descrito na segunda parte de Do Contrato Social, atesta à importância do papel da vaidade e do ressentimento do ângulo de preferências e comparações. A comparação causa preferências, preferências geram relações pessoais individualizadas, estas últimas sendo mediadas pela opiniões de outros, o que é a origem da desigualdade. Descrevendo este processo, Rousseau revela a conexão entre a dominação da natureza pelo homem e sua alienação de si mesmo. Quanto mais o homem se afirma como o mestre de um mundo reduzido a objetos, mais ele se retrai de um relacionamento de mútuo pertencimento com o mundo; mais ele se transforma em um objeto, perde o sentido de sua existência, e se torna um estranho para si mesmo. A ideia será encontrada em Heidegger. Rousseau nota finalmente que na sociedade produzida por essa evolução, a "liberdade" não é nada além de uma ilusão: quando todos os membros são escravos da opinião, a liberdade de cada um é apenas a impotência de todos. É isso o que justifica sua crítica marcantemente formulada do espírito burguês.

Rousseau descreve o burguês como um "ser duplo", dividido, inteiramente sujeito aos ditados de opinião, e, por essa razão, preocupado inteiramente com aparências. Se referindo ao nascimento do burguês, ele escreve no Discurso sobre as Origens da Desigualdade: "Ser e aparecer se tornaram duas coisas completamente diferentes, e dessa distinção veio o esplendor impositivo, a trapaça ardilosa, e todos os vícios que seguem sua trilha... Quando tudo é reduzido a aparências, tudo se torna falso e enganoso". Essa passagem é importante, porque ela mostra o que Rousseau realmente queria. O burguês é definido menos por sua posição econômica do que por seu tipo psíquico, sua mentalidade. O burguês é a própria negação de tudo autêntico, de tudo que conecta o homem a seu ser essencial. Ele é um homem falso, sem consistência; um decadente que vive apenas para a opinião dos outros; um ser caracterizado por mentiras, prudência, e cálculos; por um espírito servil, moralidade degenerada, e sentimentos mornos: "Ele será um desses homens de hoje, um francês, um inglês, um burguês; ele será nada".

Aqui a oposição aos autores liberais é total. Enquanto eles criticam o poder, mas não a riqueza, Rousseau culpa o rico muito mais do que o poderoso. Enquanto os Enciclopedistas buscavam acima de tudo modificar o sistema político e institucional, Rousseau percebe muito bem que o problema levantado pelo poder absoluto de uma situação social fundada na inveja, e em última análise ni poder do dinheiro, é infinitamente mais complexo. Rousseau está muito longe de contrastar o absolutismo francês ao regime liberal inglês tão admirado pelo Iluminismo. Ele vê que para além de suas diferenças, os dois sistemas são devotados ao surgimento do mesmo tipo burguês, ou seja, do tipo de homem que busca sempre acima de tudo seu próprio interesse.

Finalmente, Rousseau não crê por um único instante que a vida privada, deixada por conta própria, pode tornar os homens felizes, nem que a busca do interesse egoísta pode, graças à "mão invisível", acabar beneficiando a todos. Na verdade, ele abomina o egoísmo: "Quando alguém quer ser feliz apenas por si mesmo, então não há felicidade para a pátria". É por isso que ele busca lutar contra a indiferença em relação ao bem comum e quer manter "em limites estreitos esse interesse pessoal que isola indivíduos privados em tamanha medida que o Estado é enfraquecido por seu poder e não pode esperar nada de sua boa vontade".



A Crítica do Progresso de Rousseau

Nem se encontra em Rousseau a confiança otimista com a qual os Enciclopedistas observaram a ascensão e o progresso das ciências. Rousseau não compartilha da ideia de que há uma harmonia natural entre os requisitos da sociedade e os da ciência positiva. Nem ele espera que a difusão de conhecimento afaste "superstições". Em um famoso texto abordando a questão de Se o progresso das ciências e das artes contribuiu para a corrupção ou para a purificação da moral (1750), ele expressa suas dúvidas sobre os poderes emancipatórias da ciência. Em outro lugar, ele relembra que "se a razão nos ilumina", "a paixão nos lidera".

É provavelmente à luz dessa crítica do cientificismo que nós devemos compreender a importância que ele dá aos sentimentos. Para ele a consciência desempenha o mesmo papel que o instinto para o corpo: "Vezes demais a razão nos ilude...mas a consciência nunca se engana", se lê em Emile (IV). Esse subjetivismo moral, essa ideia de que a consciência pessoal apenas é capaz de determinar o bem e o mal ("tudo que eu sinto ser bom é bom, tudo que eu sinto ser mau é mau; o melhor de todos os casuístas é a consciência") garantiu a Rousseau uma crítica justificada. Deveria ser visto, porém, que se Rousseau dá tal lugar aos impulsos da consciência, se ele defende o sentimento e as paixões, se ele elogia o "coração da natureza" e as sensações que ele gera, ele o faz - contra o espírito dos Enciclopedistas, que concebem a sociedade apenas na forma de um mecanismo social - para estabelecer a enfermidade e opô-la às prerrogativas do coração - talvez também para afirmar a existência de um laço entre homem e o mundo em um tempo em que a industrialização incipiente estava transformando este em um mero objeto do qual caberia à razão humana assumir posse.

À figura do burguês moderno, Rousseau opõe significativamente a do cidadão, dos quais ele encontra os mais exemplos perfeitos na antiguidade. Ele escreve:

"Quando a história antiga é lida, se crê ser transportado a um outro universo e estar entre outros seres. O que tem os franceses, ingleses, russos, em comum com os romanos e os gregos? Quase nada a não ser suas formas... Eles existiram, porém, e eles eram humanos como nós. O que nos impede de sermos homens como eles? Nossos preconceitos, nossa filosofia mundana, e as paixões dos pequenos interesses e egoísmos nos corações de todas as instituições imbecis que o gênio já ditou".

O entusiasmo e amargura que inspiram essas linhas são reveladores. Rousseau é um admirador apaixonado da antiguidade. Ele possui um senso agudo de heroísmo e ama os grandes homens. Não aprendeu ele a ler com o Vidas de Plutarco? É na antiguidade que ele buscou a prova de que há uma forma de existência além da burguesa. É seu estudo da antiguidade que originou a ideia de uma sociedade na qual as distinções se apoiam em virtudes reais, e não na riqueza, nascimento, ou mesmo na simples habilidade. É em Roma e Esparta, na "nobre Lacedemônia", que ele buscou o cidadão modelo. Assim ele não compartilha de forma alguma das críticas que Hobbes formulou à sociedade ideal dos antigos. E contra Montesquieu, que admirava a cidade antiga, mas a reprovava por impôr uma exaustiva disciplina cívica sobre seus membros, ele apelava forçosamente a um retorno ao espírito público de cidadãos livres.

Ele também usou o exemplo antigo quando ele baseou a igualdade na liberdade, e não a liberdade na igualdade. Sua concepção de liberdade é muito mais próxima do que Benjamin Constant chamou de "liberdade dos antigos" do que a dos modernos, que entendem liberdade exclusivamente como a liberação do ego individual e a independência do sujeito. A liberdade como Rousseau concebe é inseparável da ideia de participação na ordem social.

Rousseau sobre a Democracia

Rousseau acredita em democracia direta. Idealmente, ele diz, este é o melhor regime, porque o povo sempre permanece em controle do poder soberano. Isso garante a cada homem liberdade total e autonomia perfeita, ao mesmo tempo garantindo que o governo se conforme ao interesse geral. Isso leva à crítica fundamental de Rousseau do conceito de representação. Contrariamente ao contrato social de Hobbes ou Locke, Rousseau exclui qualquer delegação de soberania a governantes e demanda que os oficiais eleitos ajam segundo a vontade dos eleitores ao invés de segundo sua própria consciência.

Em seu sistema, o povo não assina um contrato com o soberano: suas relações são governadas exclusivamente pela lei. O príncipe é apenas o executivo do povo, que retém sozinho o título do poder legislativo. O príncipe não representa a Vontade Geral; ele não é sua encarnação, mas apenas seu instrumento; no máximo ele é eleito, comissionado, para expressá-la. De fato, nota Rousseau, se o povo é representado, então são os representantes que tem poder, em cujo caso o povo não é mais soberano. Para Rousseau, a soberania popular é inalienável. Qualquer representação é assim equivalente a uma abdicação.

Nesse esquema, o soberano possui o poder executivo, mas não o poder legislativo. Rousseau chama de "governo democrático" o sistema no qual o povo também possuiria o poder executivo, uma possibilidade que aparece inteiramente utópica para ele. É por isso que ele escreve: "Se houvesse um povo de deuses, este seria governado democraticamente. Um governo tão perfeito não está de acordo com os homens...A verdadeira democracia jamais existiu e jamais existirá". Essa afirmação, objeto de incontáveis equívocos, deve ser interpretada corretamente. Rousseau quer dizer apenas que o poder legislativo não pode se fundir com o poder executivo, porque "é contra a ordem natural que o maior número governe". O povo não pode se governar, mas ele pode, por outro lado, legislar e então "apontar" seus governantes.

A rejeição de qualquer sistema representativo engloba a rejeição de facções e partidos. É por isso que Rousseau critica duramente a constituição inglesa que, segundo ele, não garante a liberdade tanto quanto os privilégios dos representantes: "O povo inglês pensa que é livre; eles estão bastante equivocados; eles são livres apenas durante a eleição dos membros do Parlamento; assim que seus representantes são eleitos, o povo se torna escravo, ele não é nada. Nos breves momentos de sua liberdade, o uso que ele faz dela dá mérito a sua perda".

Enquanto os filósofos do Iluminismo queriam limitar as prerrogativas do poder e disputavam a própria noção de soberania popular, Rousseau ao invés fez dessa a pedra de fundação de todo seu sistema político. Chamando de soberano o corpo político que deu origem ao contrato social, ele deduziu disso que, a Vontade Geral sendo una, a soberania resultando dela não pode ser fragmentada sem perder todo seu significado. Assim Rousseau rejeita qualquer separação de poderes, qualquer tentativa de dividir a soberania.

Rousseau também rejeita a distinção entre liberalismo e despotismo, porque ele pensa que estabelecendo a cidadania, pode-se garantir a unidade política e social sem cair no despotismo. Estando isso dito, ele é bastante indiferente à forma de governo. Ele não é hostil, por exemplo, ao governo aristocrático, que ele diz bem abertamente ser o "melhor governo". Mas isso deve ser compreendido dentro de seu sistema. O que é essencial, para Rousseau, é que o povo possua o poder legislativo e nunca o abandone. Uma vez que este seja adquirido, o poder executivo pode tranquilamente ter uma forma aristocrática. O poder de governar não se confunde com a soberania.

Em princípio, o raciocínio é completamente sensato. É claro que na medida em que seja humana, a democracia é verdadeiramente realizada apenas de forma direta: um cidadão que delega seu direito de aprovar ou rejeitar uma lei a um representante, mesmo um eleito por ele, portanto aliena sua autonomia e usa sua liberdade apenas para abandoná-la. Mas é igualmente óbvio, ao menos em teoria, que apenas o governo da unanimidade respeita verdadeiramente a autonomia. Segue-se que a verdadeira democracia requer, não apenas a concordância de uma maioria, mas a concordância de todos. Nesse ponto, pode-se naturalmente ser cético. A unanimidade pode talvez ser alcançada em cidades ou comunidades minúsculas, com populações possuindo valores e interesses comuns. Por outro lado, quanto maior a população, maior o risco de uma diversidade de opiniões irreconciliáveis. A não ser que se caia no despotismo, o ideal de unanimidade então se torna um sonho inacessível. (Georges Sorel, é claro, criticou Rousseau precisamente por ter imaginado uma democracia copiada do modelo genebrês).

Rousseau não se esquiva do problema. Ele é consciente do fato de que a democracia direta demanda condições que raramente se fazem presentes. É por isso que ele dificilmente se mostra inclinado a propor soluções universais: seu projeto para Córsega difere notavelmente do que ele concebeu para a Polônia. Sua tendência é recorrer ao princípio da autoridade: ele pensa que quanto mais súditos um governo possui, mais forte ele deve ser. Ele até mesmo pensa que, em um estado de emergência, uma ditadura ao estilo romano (rei publicae servanda, "para o bem comum") pode ser justificada.



Holismo e Individualismo

Rousseau aparece especialmente obcecado pelos perigos de divisão. No plano político, se ele admira a cidade antiga, é em primeiro lugar por sua unidade. No plano antropológico, ele descreve o burguês como um ser dividido. Ademais, ele traça um paralelo interessante entre, por um lado, a distinção entre poder temporal e espiritual, e, por outro lado, a distinção do liberalismo entre o cidadão agindo na esfera pública e o indivíduo isolado buscando seu interesse na esfera privada. Como Hobbes, ele pensa que a conversão da Europa ao Cristianismo poderia apenas culminar em uma distinção desastrosa entre poder espiritual e temporal, criando "um perpétuo conflito de jurisdição que tornou qualquer boa política impossível nos Estados cristãos". O conflito entre o cristão e o cidadão assim pressagia o conflito entre o indivíduo e a sociedade.

Como resultado, Rousseau vê o que o liberalismo e o absolutismo - que a filosofia do Iluminismo trata como opostos polares - realmente tem em comum: a importância atribuída ao indivíduo - a diferença sendo que o absolutismo crê na natureza rebelde dos indivíduos e assim na necessidade de usar a força para fazê-los obedecer, enquanto o liberalismo professa nesse sentido um otimismo maior. Rousseau critica a ideia liberal de que o social pode se basear em impulsos individualistas e na autonomia da sociedade civil. Mas ao mesmo tempo, ele criticou a monarquia francesa, na medida em que ela refletia a influência da burguesia, por ter desmantelado as corporações e profissões tradicionais, de modo a transformá-las em entidades formadas apenas por indivíduos.

Rousseau retorna à definição aristotélica do cidadão: o cidadão é aquele que participa na autoridade soberana. Assim a cidadania está diretamente relacionada à vida política. A esfera política constitui o meio essencial para relações entre cidadãos; é o lugar em que eles podem encontrar uma unidade à parte da pertença ditada exclusivamente pela origem. Na cidade, o cidadão depende apenas da lei, não de homens. Contrariamente ao burguês, ele mostra desde o início que essa característica essencial é não estar dividido. É uma unidade, e uma boa sociedade tem que preservar essa unidade. Na análise final, a sociedade deve permitir a cada cidadão se identificar com a cidade da qual ele forma uma parte. O indivíduo deve ser visto apenas como uma parte do corpo político. Se vê a partir disso que Rousseau é completamente alheio a qualquer esquema inspirado por "luta de classes". Ele caracteriza a sociedade bem ordenada pela integração harmoniosa de todos os seus componentes. A sociedade é primeiro de tudo uma comunidade, um todo no qual cada partido está subordinado à totalidade. Platão disse: "Nada é feito por você, mas tu és feito para o todo". (Leis, X) Rousseau advoga "a alienação total por cada membro da comunidade de todos os seus direitos à toda a comunidade" (Do Contrato Social).

Diferentemente de Hobbes, que descreveu a sociedade apenas em termos mecanicistas, Rousseau às vezes até mesmo calha de comparar o corpo social a um organismo vivo. Ele não é, porém, um organicista no sentido mais estrito, porque para ele a solidariedade entre partidos não vem apenas da coesão orgânica ou de origens comuns, mas nas realidades políticas do contrato social e da Vontade Geral. Se referindo ao contrato social, Rousseau escreveu: "Este ato de associação produz um corpo moral e coletivo feito de tantos membros quanto a assembléia possui votos, derivando desse mesmo ato sua unidade, sua identidade comum, sua vida, e sua vontade".

Assim no fim, o raciocínio de Rousseau se aparta de premissas individualistas para chegar a conclusões holistas. Rousseau diz que é porque o homem é livre e originalmente único que ele pode ser autônomo, e esse modelo de autonomia individual deve fundar a autonomia da sociedade como um todo: "Aquele que ousa empreender a instituição de um povo deve se sentir em uma posição de mudar, por assim dizer, a natureza humana; de transformar cada indivíduo, que por si mesmo é um todo perfeito e solitário, em parte de uma grande totalidade da qual este indivíduo recebe em alguma medida sua vida e seu ser". Assim ele usa um modelo holista, mas um holismo "construído" sobre o modelo do indivíduo.

Essa passagem do nível individual ao status social desperta dificuldades óbvias. Como pode o cidadão, a figura ideal da humanidade real, constantemente alinhar seu próprio interesse com o da cidade sem se alienar fundamentalmente dela? Como pode a autonomia individual se amalgamar com autonomia social sem que a segunda, inevitavelmente, restrinja a primeira? Rousseau responde a essas perguntas se voltando novamente para o contrato social e para a Vontade Geral. Implicando uma descontinuidade entre homem natural e homem em sociedade, o contrato social marca a verdadeira emergência da humanidade em sentido estrito. Porém, o contrato social implica a Vontade Geral, que permite a Rousseau reestabelecer o holismo contra o individualismo que havia previamente sustentado seu discurso.

A Vontade Geral

O que é a Vontade Geral? Rousseau às vezes dá a impressão de que ele confunde a Vontade Geral com a vontade de todos, ou seja, com a simples soma de vontades individuais. Mas não se passa nada do tipo. A Vontade Geral é baseada na preferência unânime daqueles que instituem o corpo político. É a vontade desse corpo enquanto totalidade estabelecida. Seus únicos atos são leis, e estas são atos que tornam possível colocar o interesse geral, o bem comum, acima da opinião individual e de interesses privados. Rousseau, como vimos, define a liberdade como uma habilidade autônoma de participar em sociedade. Desde tal perspectiva, a liberdade autêntica consiste no movimento autônomo da vontade que adere à lei, e é por isso que ela é realizada no grau mais alto na Vontade Geral. É claro, "cada indivíduo como homem pode possuir uma vontade específica contrária ou dissimilar à Vontade Geral que ele possui como cidadão. Seu interesse privado pode lhe dizer algo completamente diferente do interesse comum". O indivíduo, Rousseau continua, não deve colocar nada antes da Vontade Geral. É aqui que ele diz algo pelo que ele é tão criticado:

"Quando se propõe uma lei na assembléia popular, o que se pergunta não é precisamente se aprovam ou rejeitam a proposta, mas se ela está em conformidade ou não com a Vontade Geral que é sua... Assim quando uma opinião contrária a minha prevalece, isso prova apenas que eu estava errado, e que o que eu pensei que era a Vontade Geral, na verdade não era".

E como se supõe que a autonomia individual estaria fundida com a autonomia social, Rousseau pode afirmar que ao se submeter à Vontade Geral, os indivíduos acabam se submetendo apenas a si mesmos!

Surge inevitavelmente a questão de se a Vontade Geral é infalível. Rousseau responde de um modo que só pode nos fazer sorrir: "A Vontade Geral está sempre certa, mas o juízo que a guia nem sempre é iluminado". Isso o leva a imaginar a figura do "Legislador", um caráter um tanto quanto ambíguo que teria o poder de controlar as leis sem possuir nem "direito legislativo" ou cargo governamental. Comentadores, é claro, não falharam em comparar esse "Legislador" aos "guias" providenciais dos quais os totalitarismos modernos fazem grande uso. Não se deve esquecer, porém, que em Rousseau a Vontade Geral é mais uma força de resistência do que uma força de comando. Seu objetivo essencial é expressar o direito, assim como o governo encarna a força, ambos sendo necessários para a operação do Estado. Expressando a lei, a Vontade Geral literalmente anima o corpo social, lhe dá "movimento e vontade", se tornando assim o princípio de sua conservação. É consequentemente "a única forma apropriada à vontade como uma vontade ética em geral, a única instituição que pode originar a passagem da mera arbitrariedade à lei" (Cassirer).

A Vontade Geral assim escapa a qualquer interpretação reducionista. Encarnando a soberania, ela transcende vontades individuais e possui características particulares que não se encontra em qualquer de seus componentes tomados separadamente, exatamente do mesmo jeito que o interesse comum transcende interesses privados. Rousseau, ademais, é enfático em que "o que realiza a vontade é menos o número de votos que o interesse compartilhado que os une". A teoria da Vontade Geral assim excede a ideia da maioria que vem do sufrágio universal. Centrada no conceito de "interesse comum", ela implica a existência e manutenção de uma identidade coletiva. Daí a importância que Rousseau atribui ao "caráter de um povo", ao "sentimento de pertença", aos "hábitos compartilhados", etc. É sabido que Rousseau coloca a lei acima de tudo, porque a seus olhos ela apenas pode realizar a justiça que é a condição da liberdade. E ainda assim, acima da lei, ele ainda coloca os costumes. "Pela razão somente", ele escreve, "se pode estabelecer qualquer lei natural", enquanto os costumes são aquilo que forma a "verdadeira constituição dos Estados". Quando a lei se torna velha e desaparece, são os costumes que a ressuscitam. Costumes e tradições assim constituem os adjuntos naturais da autoridade política: "Nada pode substituir costumes para a manutenção do governo".

Assim o povo é identificado com todo o conjunto de cidadãos e oposto muito naturalmente às massas ("a multidão"): enquanto a multidão pode sempre ser controlada por um tirano, o povo não mais existe quando a República é dissolvida. Assim a Vontade Geral pode ser assimilada à "consciência coletiva" de Durkheim, ou mesmo à "alma popular" (Volksseele) cara as românticos, ainda que as condições para sua formação são exclusivamente políticas. De fato, há pouca dúvida de que a Vontade Geral implicitamente pré-existe a sua expressão em um voto majoritário. É, como Louis Dumont escreve, "a emergência ao nível político e na linguagem da democracia da unidade de uma certa sociedade enquanto ela pré-existe em seus membros e está presente em seus pensamentos e projetos". Para ser legítimo, portanto, o poder deve ser exercido por uma comunidade que primeiro se tornou consciente de si mesma. Como Kant viu tão bem, a Vontade Geral é o ato por meio do qual o povo se constitui como Estado e cria as condições de uma identidade de vontade entre o povo e o soberano: a sociedade resultante desse ato, diz Rousseau, é uma onde "uma unidade de interesse e vontade reina entre o povo e seus líderes".

Ademais, contra o universalismo do Iluminismo que, com Diderot, defende a "sociedade da humanidade", Rousseau afirma que a Vontade Geral de uma nação é específica a ela, o que o leva a desafiar o cosmopolitismo. O cidadão, segundo ele, é em primeiro lugar um patriota. Em Emile, ele escreve:

"Forçado a lutar contra a natureza ou contra instituições sociais, é necessário escolher entre fazer um homem ou um cidadão: porque não se pode fazer os dois ao mesmo tempo... Cada patriota é duro em relação a estrangeiros: eles são apenas homens; eles não são nada a seus olhos. Essa desvantagem é inevitável, mas é pequena. O que é essencial é ser bom para o povo com que se vive... Cuidado com aqueles cosmopolitas que buscam longe em seus livros por deveres cujo cumprimento eles desprezam onde vivem".

No Discurso sobre a Desigualdade, ele acrescenta: "Se eu tivesse sido forçado a escolher o lugar de meu nascimento, eu teria escolhido...um Estado...onde este doce hábito de ver e conhecer um ao outro transformasse o amor pela pátria em amor pelos cidadãos, ao invés de pela Terra". Assim como a liberdade individual se corrompe quando cai sob a dominação de outros ou quando é alienada e se torna estranha a si mesma, deixando de pertencer a si mesma, a liberdade da nação é essencial para ele. Rousseau até chega a fazer da autarquia uma das condições de liberdade: "A condição nacional mais favorável à felicidade de indivíduos é não necessitar da ajuda de qualquer outro povo de modo a viver feliz".

Economia versus Liberdade

Montesquieu ingenuamente mantinha que a expansão do comércio na Europa obrigaria os Estados "a se curarem do maquiavelianismo". Rousseau, que sabia que o "estado de natureza" sempre persiste entre nações, não acreditou por um único momento que o comércio e a troca econômica em geral eram conducentes à paz. Além disso, ele obviamente não gostava de economia e pouco escreveu sobre. Quando Mirabeau tentou fazê-lo ler os fisiocratas, ele se recusou. Em seu retorno da Inglaterra em 1767, ele denunciou a ideia de uma esfera econômica autônoma e desenvolveu uma crítica radical das ideias fisiocráticas. Seu ideal econômico não é nada similar ao livre comércio: aqui também, ele permanece autárquico e mesmo arcaico. Rousseau deseja acima de tudo reduzir o máximo possível o papel do dinheiro nas trocas, e propõe apoiar a agricultura contra a indústria. Uma nação com agricultura próspera, ele diz, já está no caminho da auto-suficiência; ademais, seus habitantes, tendo mantido contato com a natureza, possuem costumes mais sadios que os citadinos ou proletários: "O comércio produz riquezas, mas a agricultura garante a liberdade".

Essa oposição entre "riqueza" e "liberdade" é característica do pensamento de Rousseau. Assim como ele defende a primazia da política sobre a economia, Rousseau - preocupado com a "moralidade" acima de tudo - defende valores contrários àqueles do burguês ou do comerciante. Ele exalta virtude, que deve ser entendida como "virtude política", ou seja, como boa cidadania. Adaptar sua vontade particular à Vontade Geral, colocar o interesse comum acima de tudo mais, se colocar a serviço da pátria, ou seja, a serviço de todos os indivíduos livres que compõem o povo e das leis que eles se instituem, isto é virtude. Um admirador de Esparta, Rousseau amava a vida frugal, "simplicidade nas maneiras e ornamentos". A tese de Emile é que não se deve poupar qualquer esforço, qualquer dor, qualquer sofrimento, se se desejar educar o caráter e a vontade. De fato, para Rousseau, as autoridades públicas devem ser educadoras. De modo a forjar e manter a vontade dos cidadãos, eles devem fazer do dinheiro algo desprezível, desencorajar o luxo inútil, manter "maneiras simples, gostos saudáveis, um espírito marcial sem ambição, formam almas corajosas e desinteressadas". Acima de tudo, em todas as ocasiões, eles devem cultivar o amor da pátria, que se funde com o amor das liberdades e das leis. Em oposição ao Cristianismo que, ele diz, inspira "humanidade ao invés de patriotismo" e tende "a formar homens ao invés de cidadãos", Rousseau propõe em seu livro sobre o governo da Polônia educar os cidadãos na adoração da pátria somente: "É a educação que devem imbuir as almas dos homens com a força da nação e dirigir suas opiniões e gostos de tal modo que eles sejam patrióticos por inclinação, por paixão, por necessidade. Uma criança, abrindo seus olhos, deve ver a pátria e, até sua morte, não deve ver mais nada". Ao fim de sua vida, ele chegou até mesmo a visualizar a formação de uma religião nacional e cívica inspirada pela antiguidade, que seria o grau mais elevado de culto patriótico e educação cívica.



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Os comentadores de Rousseau tem enfatizado suas contradições, reais ou imaginadas, mil vezes. Ele próprio afirma: "Sistema de qualquer tipo é algo que está acima de mim; eu não tenho nada disso em minha vida e ações". Um pensador complexo anunciando toda a agenda moderna por meio da própria crítica que ele fez dela, Rousseau jamais hesitou em se corrigir quando ele considerou necessário. Quanto mais ele se aproximou do fim de sua vida, mais ele pareceu perceber que o objetivo que ele havia escolhido - encontrar uma forma de governo que coloque as leis acima do homem, sem retornar à monarquia do direito divino - era o equivalente político da quadratura do círculo. Sua carta a Mirabeau de 26 de julho de 1767 até mesmo sugere que a forma de governo que ele propôs era em grande medida quimérica.

Muitas críticas de Rousseau são superficiais e errôneas, mas outras são sensatas. Maurras está obviamente errado em ligar Rousseau à escola liberal. O modelo de sociedade proposto em Do Contrato Social, e mais ainda em textos tardios, é incontestavelmente holista. Todo o problema vem, como já notamos, de basear um modelo holista em premissas individualistas. Rousseau permanece individualista na própria ideia de contrato social: ele crê, equivocadamente, na origem voluntária da política; ele crê que a política se refere a "comissão". Para sustentar a ideia de que a cidade é um artifício se o homem não for um ser naturalmente social, ele teve que imaginar um homem "natural" cuja existência, porém, ele foi o primeiro a considerar duvidosa. A contradição desaba quando ele tenta propor a sociedade como uma projeção ampliada do indivíduo. Como se pode comparar uma sociedade que é singular e independente de indivíduos, que eles mesmos preferem ser e permanecer independentes? O contrato social torna impossível resolver este problema. É necessário que os homens sejam autônomos por natureza se a sociedade é concebida a sua imagem, mas tão logo a sociedade exista, é necessário que eles deixem de ser autônomos. Rousseau espera "encontrar uma forma de associação...pela qual cada um, se unindo a todos, não obstante obedece apenas a si mesmo e permanece tão livre quanto antes". Este objetivo é irrealizável.

O principal erro de Rousseau é acreditar que se pode fundir a lei e a constituição. Ele pensa ser possível fundar uma constituição onde somente a lei é soberana, de modo que não haja qualquer razão para limitar a soberania de tal constituição. A Vontade Geral então teria todos os direitos: "A alienação sendo feita sem reservas, a união é tão perfeita quanto possível e nenhum associado possui mais qualquer coisa a reivindicar". Consequentemente, não se poderia violar a lei, já que isso se resumiria a entrar em contradição consigo mesmo. E nenhuma lei pode ser injusta, já que não se pode ser injusto consigo mesmo. A desobediência consequentemente se torna impossível. Mas não há mais liberdade onde não é possível desobedecer. A busca simultânea por unanimidade e democracia direta indivisa é assim muito provável de levar a uma nova forma de tirania, uma tirania tão assustadora quanto o sistema, banhada em uma atmosfera eminentemente moral, não diz tanto o que é a política quanto o que ela deveria ser.

Ainda que idealista e "virtuísta" em muitos sentidos, Rousseau é não obstante eminentemente realista. Ele alegremente denuncia a maioria dos "mitos iluministas", apoiados pela filosofia do Iluminismo e se opunha claramente ao otimismo liberal. Sua concepção de homem clarifica tanto suas origens "animais" e a "abertura ao mundo" que lhe permite realizar sua humanidade dentro de um todo social. Seu holismo "final" é inegável, e sua definição de autenticidade humana merece ser ponderada. O Precursor de uma certa modernidade, ele não obstante abraça o ideal antigo e defende uma comunidade popular contra a sociedade burguesa crescendo diante de seus olhos. Toda sua filosofia social é baseada ultimamente na primazia da política, o que é suficiente para fazer dele uma das mentes mais originais de seu tempo. Consequentemente, seu pensamento é muito mais "maquiavélico" do que geralmente se supõe. Todo seu tratamento da conservação de uma ordem política fundada na autoridade soberana e instituída pela Vontade Geral, com um soberano personificando a ordem e identificado com a vontade de todos, inevitavelmente evoca a repubblica ordinata bene de Maquiavel. Sua teoria da ordem política assim parece bastante estranha às fundações individualistas de sua teoria do contrato social. Isso revela sua principal contradição: ele pega emprestado de doutrinas políticas republicanas bem como da filosofia de direito natural, da qual ele faz mau uso. Essa contradição foi de fato notada por Maurizio Viroli, que escreve:

"Enquanto doutrinas políticas republicanas são baseadas na virtude e na comunidade, as doutrinas políticas de direito natural são baseadas no auto-interesse e consideram a função do Estado proteger os interesses privados. As primeiras postulam amor pela pátria e identificação com a comunidade como condições essenciais para manter uma boa ordem política e a liberdade. As segundas falam a língua dos interesses e do cálculo racional. Rousseau usa ambas. Mas é possível ser um republicano e um 'contratualista' ao mesmo tempo?"

É uma pena que um autor tão complexo seja sempre tão simplificado. Nós precisamos reler Rousseau.