31/08/2012

Nietzsche e o Mundo Homérico


Por Carolina Figueroa León*

Nietzsche desde o princípio apresentou um apego ao mundo grego, uma idealização deste como estrutura social, ideológica e intelectual. Esta aproximação não é especificamente com a época clássica, mas com a época arcaica que é representada através dos poemas homéricos.

Tomando em conta que o ideal que surge neste período se baseia na luta de poder, na excelência de uma classe aristocrática que é representada através dos heróis e através da areté. Neste período em que o filósofo encontra a essência do grego, porque é o momento em que se desenvolve da melhor forma a condição inerente ao ser humano: o instinto e a vontade de poder. Portanto, ao tomar esta leitura deixamos de lado a visão de que estes poemas remetem necessariamente à época micênica, senão que por sua vez estão carregados de elementos ideológicos, morais e sociais correspondentes à época em que escreve Homero.

Para compreender como este ideal guerreiro baseado em uma moral agonística se encontra na sociedade aristocrática arcaica é necessário analisar a obra homérica, a qual se deve relacionar com o contexto do século VIII a.c. e desde aí contrastar com as posturas de Nietzsche, as quais se encontram em seus primeiros escritos mais filológicos como O Estado grego e A luta de Homero.

Portanto, é importante analisar o contexto histórico de enunciação destas epopeias, ver se este realmente se vê representado em ditas obras e finalmente analisar o problema a partir da leitura nietzschiana da cultura grega.

O mundo homérico e a moral agonística

O chamado mundo homérico é o que historicamente corresponde à época arcaica da cultura grega, em que se assentam as bases do crescimento e surgimento das grandes polis. Para Nietzsche é neste momento específico em que se daria o apogeu da cultura grega, não o mundo clássico que foi modificado pelo Romantismo e os filólogos classicistas: “Mas os gregos aparecem ante nós, já que a priori, precisamente pela grandeza de sua arte, como os homens políticos por excelência (...) Tão excessivo era nos gregos tal instinto (...) a expressão triunfal de tigres que mostravam ante o cadáver do inimigo; em suma, a incessante renovação daquelas cenas da guerra de Tróia, em cuja contemplação se embriagava Homero como puro heleno”[1].

Para começar esta análise é necessário nos remeter à época arcaica em si, para logo trabalha-la em comparação à homérica. A época arcaica é quando se destaca a imagem de um governo aristocrático precedente à democracia. Para autores como Francisco Rodríguez Adrados, este período é denominado a sociedade homérica, já que se baseia na mesma estruturação social que dão conta os poemas homéricos, posto que na cabeça da sociedade está o rei (Basileus) e este é secundado por aristocracia que na épica é representada na imagem dos heróis. Portanto, os pontos de reconstrução do ideal aristocrático se dão em Homero, quem logra encarná-los em seus poemas. Para Rodríguez Adrados isto se deveria a que o pensamento racional em que foi constituído esta aristocracia se baseia no mito principalmente.  Portanto, Homero plasma através de suas obras tal realidade, a qual se mescla com a mitologia existente de Micenas, mas por sua vez e com maior força aludindo a seu século [2].

Frente à utilização dos mitos como reconstrução de identidade e histórica, Rodríguez Adrados refere: “Se trata de uma sabedoria tradicional, de um espelho de conduta posto no passado e no aceitado tradicionalmente, que não tem porque ter uma coerência absolutamente rigorosa” [3].

Dentro deste tipo de sociedade vemos a imagem do homem que é similar aos deuses, com a única diferença que é mortal. Esta aristocracia por sua vez se caracteriza por uma moral agonística que se assenta nos valores como honra (time) e virtude ou excelência (aretê). Estes se encontram presentes já em grande medida na epopeia grega: “A moral da aristocracia grega é na epopeia essencialmente competitiva ou agonística” [4].

Esta imagem podemos percebê-la já que na maior parte do pensamento dos heróis, no caso da Ilíada, por exemplo: Glauco narra como seu pai Hipóloco o manda lutar a Tróia, o dizendo que é preferível que regresse morto, antes que derrotado e sem lograr ser o primeiro em batalha: “Me insto muitas vezes a ser o primeiro e me destacar entre os outros e a não desonrar a linhagem de meus pais que foram os primeiros em Feira e na vasta Licia” [5].

Frente a esta imagem da desonra da linhagem surge a noção de que o herói sempre deve ser virtuoso e é a partir deste elemento que surge o conceito de aretê. Esta excelência em primeiro momento se dá a nível de linhagem, já que sempre o herói é de uma família nobre. Esta traz o prêmio e a fama, o qual se demonstra através das botinhas que se recebia (Geras) logo depois da façanha.

A aretê que surge no ideal heroico é o que conforma a excelência da nobreza da sociedade arcaica, já que neste ideal assentam suas bases, que resgatam esses reis e heróis, porque são a representação de sua classe.

Finley também se refere á idéia que a aretê heroica é símbolo da nobreza quando nos afirma que isto se faz patente em Odisséia: “Particularmente na Odisséia, a palavra “herói” é uma expressão de classe para toda a aristocracia, e as vezes até parece compreender todos os homens livres”[6].

Podemos tomar o afirmado por Finley no seguinte fragmento da Odisséia: “Amanhã – indicou Atena a Telêmaco – convoca no ágora os heróis aqueus” [7]. É nesse sentido que a aretê se converte em um valor de ensinamento frente a esta sociedade. O que já é afirmado por Jeager em A Paideia [8] Para ele, o ideal de aretê é exemplificado através dos mitos heroicos. Precisamente neste sentido a educação do século VIII se baseia nas epopeias. Os cantos épicos se convertem em uma educação moral, em que se ensina que a aristocracia possui uma excelência que é natural. Mas apesar de ser uma condição imanente ao nobre, a aretê se deve demonstrar individualmente. Portanto, há que esforçar-se para conseguí-la, o que se vê na Ilíada quando nos narra que Aquiles foi treinado para vencer na arte da guerra por Fênix. O que nos apresente no canto IX quando Fênix trata de persuadir Aquiles para que volte a lutar com os aqueus: “O ancião cavaleiro Peleo quis que eu te acompanhasse no dia em que te enviar de Ptía a Agamenon. Todavia criança e sem experiência da funesta guerra nem do ágora (...) e me mandou que te ensinará a falar e a realizar grandes feitos (...) te criei até fazer-te o que és”[9].

Neste ponto vemos que não só importa a natureza especial do nobre, mas que há que desenvolvê-la e a partir disto é que se reconhece seu mérito.

Seguindo com as características desta excelência, surge a imagem da doxa, que se relaciona com a opinião que o resto possui do herói, é esta a que da posteridade e transcendência encarnada na Fama. Portanto, como antes mencionei, tal valor se representa através dos objetos materiais como os despojos de guerra. Portanto, a culminação desta doxa é a Glória ou kleos. Neste sentido ocorre a disputa entre Aquiles e Agamenon, já que ninguém dos dois pôde ficar sem uma escrava, que seja o exemplo tangível de seu triunfo. É por isso que a única forma para que Agamenon não perca sua honra ao entregar sua escrava a Apolo é remover a de Aquiles, posto que este é um igual.

Ao revistar este exemplo de Ilíada vemos que no mundo aristocrático não há uma diferença entre o parecer e o ser, ambos elementos são a mesma coisa, portanto, o que prima é a aparência principalmente. Devido a esta visão do homem é que surgiria a antes mencionada doxa que é a opinião, a que afirma o reconhecimento por parte do outro. Ao conseguir tal aceitação o herói pode chegar a tal (euphrosyne), que se representa através do despojo e do banquete “ O agathós ou homem destacado tem alguns meios de fortuna proporcionados. Isto se deduz do paralelismo que se estabelece entre a time ou honra de cada chefe e a parte de despojo que recebe”[10].

Outro ponto importante é o das riquezas, que também é outro componente da excelência. O qual se representa através das pertenças do oikos, tais como terras, gado, criados, escravos, etc. Todos estes bens se transmitem diretamente por via de herança. Daqui podemos desprender como nos afirma Rodríguez Adrados que, quando o nobre não pratica a guerra, desfruta da riqueza em seu lugar. Isto nos fica bastante claro na imagem do Banquete em Odisséia [11].

Para concluir este imaginário do mundo homérico me parece importante ressaltar que: “É uma sociedade voltada para o mundo, não a outra vida nem ao homem interior; mas com um ideal de heroísmo ao próprio tempo. O ideal se encarna no nobre, o homem superior ou excelente, cuja aretê é fundamentalmente competitiva, mas pode desembocar no sacrifício ou na alegria de um viver refinado” [12].

Tomando esta citação compreendemos que a aristocracia se conforma a partir de sua riqueza, e devido a isto é fundamental entre os nobres fomentar vínculos com seus iguais, o qual se dá através da hospitalidade, já que se atende a alguém do mesmo valor moral e social. Neste sentido também se volta importante uma espécie de relação de parentesco dentro da que surge certo intercâmbio econômico representado em presentes (hedna). Na Odisséia se faz patente esta relação de hospitalidade através da narração da viagem de Telêmaco pelas cortes gregas, onde é bem recebido e por sua vez se atende tal como se formara parte da família, sem importar de onde venha, nem as fronteiras que os separam. Outro exemplo chave é o fato que conduz à Guerra de Tróia, a falta da hospitalidade de Paris (Alexandre) frente a Menelau ao raptar Helena.

A luta de Nietzsche

 O fascínio do filósofo pelo grego parte já de sua infância, na época em que vive com seu avô materno, quem o aproximará ao grego a partir das leituras de Homero que realiza. É neste ponto que o grego se converte em um refúgio para Nietzsche, quem detesta a educação petista na que cresceu, já que o grego se converte na antítese e anti-utopia frente á miséria de sua existência cotidiana cristã-protestante. A partir deste fascínio surge uma imagem do grego que irá contra o pensamento filológico de sua época, para quem a essência do grego se daria no século V ateniense, em pleno Classicismo. Para Nietzsche isto não é o grego, mas o pré-clássico, principalmente assentado no pré-socrático e em Homero.

O que se relaciona com as afirmações de Arsênio Ginzo em seu artigo “Nietzsche e os gregos”: “Nietzsche havia chegado cedo à conclusão de que a visão da Grécia transmitida pelo Classicismo alemão era instatisfatória. Já com anterioridade à publicação de O nascimento da tragédia, Nietzsche havia distanciado da imagem da Grécia dos clássicos alemães (...) A partir de 1869, quando começa sua atividade como professor em Basiléia, Nietzsche mostra claramente que resulta insatisfatória essa imagem da Grécia (...) A razão do rechaço nietzschiano consistia em que primeiro os clássicos e depois seus epígonos nos haviam transmitido uma imagem falsa da Antiguidade, uma <<falsa Antiguidade>>, idealizada, unilateral, domesticada” [13].

Este distanciamente o leva a afirmar que o centro de gravidade do grego já não é o século de Péricles, como afirmava o resto dos filósofos alemães de sua época, mas antes o século VI ou talvez antes: “Aqui se encontrariam a seu juízo os verdadeiros gregos, uma cultura grega todavia não falsificada nem debilitada, aqui residiria a <<origem criadora>> de uma cultura ocidental, a modo de referente paradigmático que lamentavelmente havia caído em esquecimento ou bem havia diluído seus perfis”[14].

Partindo desta imagem do grego contextualizada na época arcaica vemos que Nietzsche descobre neste o melhor exemplo da vontade de poder, a idéia de luta, de sobrepor-se ao outro, que define ao ser humano, o que estaria representado em Homero. E é neste contexto que se percebe a crueldade, a inveja, um gosto pela destruição, dando conta que a destruição é algo próprio do ser humano. Os gregos não forma deshumanos, mas os homems mais humanos dos tempos antigos. Aceitam, não inventam nada papra criar outra humanidade alternativa. A luta para Nietzsche é antes o fim da cultura e educação. E isto é o que afirma em seu texto A luta de Homero, onde a força do agon é o valor mais transcendente dentro da sociedade homérica. Esta imagem apontaria no pensamento do filósofo à noção de um grande desenvolvimento cultural, que só se havia logrado em tal sociedade. Ele não queria pensar na humanidade da antiga Grécia sem sua selvageria, na cultura em sua vigorosa natureza, nem na beleza de seu mundo sem todo o terrível e feio que formavam parte dele:

Assim vemos que os gregos, os homens mais humanos da antiguidade, apresentam certos traços de crueldade, de frieza destrutiva; traço que se reflete de uma maneira muito visível no grotesco espelho de aumento dos helenos (...) Quando Alexandre perfurou os pés de Batis, o valente defensor de Gaza, e atou seu corpo vivo ás rodas de seu carro para arrastá-lo entre as provocações de seus soldados, esta soberba nos parece como uma caricatura de Aquiles, que tratou o cadáver de Heitor de uma maneira semelhante (...)” [15]

Ao afirmar isto vai contra o otimismo do progresso que foi instaurado a partir do Iluminismo. Para Nietzsche o grego é a antítese do que odeia de sua época. Para ele os gregos seguem sendo o que haviam sido para os clássicos: paradigmas da humanidade, cultura do homem político, mas a imagem que tinha começou a oscilar entre a simplicidade da concepção clássico e o vigor, inclusive a atrocidade de uma cultura pagã, cujos valores representavam a antítese da história cristã.

É em meio a este ideal que começa a afirmar seu projeto de desmascaramento da cultura ocidental como uma luta, uma conquista e a partir disto se homologa com a sociedade homérica. Para ele tudo é visto como uma missão, os gregos eram construtores de cultura, de sua cidade, este não era um agon pessoal. De aí que Nietzsche não entenda o conceito de fama só como um reconhecimento egoísta que se comprova através dos bens materiais. E sim antes é outorgada pela coletividade. Por exemplo, a fama à que apela Aquiles tem que ver antes com a doxa, o que nos fica clarro através da idéia que os aqueus veem possível triunfo em Tróia se Aquiles não decide voltar a lutar. A partir deste exemplo podemos situar a idéia da individualidade que representa o herói para Nietzsche:

Cada ateniense, por exemplo, devia desenvolver sua individualidade naquela medida que podia ser mais útil a Atenas e que menos pudesse prejudica-la (...) cada jovem pensava no bem-estar de sua cidade natal, quando se lançava, bem à carreira, ou a tirar ou cantar; queria aumentar sua fama entre os seus; sua infância ardia em desejos de mostrar-se nas lutas civis como um instrumento de salvação para sua pátria (...)” [16] 

Analisando o texto O Estado grego de Nietzsche se visualiza seu ideal de um Estado orientado para a cultura, mas que deve ser fundamentalmente hierarquizado e fundamentado em base à escravidão. Nietzsche glorifica a pólis grega antiga como um arquétipo anti-socialista e anti-liberal. Uma sociedade hierarquicamente estruturada, cruelmente opressiva, cuja excelência cultural provém da implacável exploração dos escravos. Este ideal iria contra a organização burguesa da modernidade. Finalmente, quando conclui seu ensaio louva Platão como o grande teórico do Estado, mas o critica por ser o artífice da Idéia, que será o que ficará na criação do Cristianismo e uma filosofia metafísica. [17]

Outro dos pontos que resgata neste texto em relação á sociedade homérica é a noção de indivíduo excepcional que de desprende da imagem do herói, que possui virtude (aretê) e que é quem logra levar a cabo a culminaçãp da grande cultura e determinam o curso da história.

Em relação a esta idéia do homem excepcional podemos tomar em contra a noção do herói homérico seguindo as afirmações de Moses Finley em seu texto O mundo de Odisseu: “A idade dos heróis, tal como entendia Homero, foi, pois, uma época em que os homens superavam os padrões sucessivos de um grupo de qualidades específicas e severamente limitadas” [18].

A partir dessa noção de Finley podemos relacionar a visão do termo da individuação e por sua vez a imagem do gênio excepcional afirmada por Burckhardt.

Burckhardt em seus estudos relacionados com o Renascimento começa a afirmar que esta é a época em que surge a imagem do gênio, a idéia do desenvolvimento da individualidade do artista, elemento que romperia com o anonimato presente na arte da Idade Média. O que para ele se entenderia a partir do descobrimento do homem como homem. O artista agora aspira à fama terrestre, já não à espiritual tal como se via na Idade Média. Seu móvel é a glória, ser reconhecido por seus logros artísticos. Se perde totalmente a idéia medievalista do homem que vê a atividade terrestre como um passo ou preparação à vida celestial. O homem moderno ou renascentista para Burckhardt vê antes que a atividade que realiza  recai em seu presente e em suas glórias futuras, é antes um benefício imediato ao que pode ascender. É assim como Burckhardt afirma que este novo homem já não é passivo e receptivo, mas que antes se transforma em um grande criador. Um produtor de cultura. [19].

Esta idéia logo é aplicada por Nietzsche, quem entende a este gênio como um indivíduo excepcional que surge em toda sociedade como o artista ou militar. Tomando esta idéia, Nietzsche afirma o princípio de individuação que estará presente em sua obra O nascimento da tragédia. Este princípio se relaciona com a vontade individual que propõe Schopenhauer, a qual se relaciona com a denominada volição individual que é antes uma maniestação limitada da vontade que se daria a nível do mundo objetivo. Portanto, a vontade seria algo inconsciente que se manifesta no amor à vida de cada um dos indivíduos. A partir destas idéias afirma que o mais importante é entender que todos os fins que persegue o homem estão impulsionados por uma vontade que é original. A essência do mundo é a vontade, levada à vida mesma, sendo esta algo íntimo do ser, o que relacionamos com a noção do núcleo do indivíduo, com sua natureza humana [20].

E é neste sentido que se afirma que o Estado deve preocupar-se deste indivíduo excepcional, que afirma uma vontade natural de aspirar à glória, seguindo as afirmações de Burckhardt. Devido a sua genialidade, Nietzsche afirma que o resto do povo (laos) deve se submeter, já que graças a esta escravidão estes gênios podem ter o tempo suficiente para o ofício e em meio dele criar cultura:

Com o fim de que haja um terreno amplo, profundo e fértil para o desenvolvimento da arte, a imensa maioria, ao serviço de uma minoria e mais além de suas necessidades individuais, há de submeter-se como escrava à necessidade da vida a seus gastos, por seu plus de trabalho, a classe privilegiada há de ser subtraída à luta pela existência, par que crê e satisfaça um novo mundo de necessidades” [21].

Ao ofício a que se refere Nietzsche não é o que atualmente entendemos como Estado de não atividade, senão que pelo contrário tomando a noção de ofício grega em que os artistas só se dedicavam a produzir cultura. É a partir desta idéia que Nietzsche nos propõe que para os gregos o trabalho era vergonhoso e frente a isto os disse:

O trabalho é uma vergonha porque a existência não tem nenhum valor em si: mas se adornamos esta existência por meio de ilusões artísticas sedutoras, e lhe conferimos deste modo um valor aparente, ainda assim podemos repetir nossa afirmação de que o trabalho é uma vergonha, e por certo na segurança de que o homem que se esforça unicamente por conservar a existência não pode ser um artista” [22].

Neste texto também podemos ver que se desprende esta defesa da moral agonística grega, da luta, o uso da violência para poder criar cultura, de aqui que para ele a escravidão se converta em uma horrível necessidade:

Os gregos se revelaram com seu certeiro instinto político, que ainda nos estágios mais elevados de sua civilização e humanidade não cessou de advertir-lhes com acento bronzeado: “o vencido pertence ao vencedor, com sua mulher e seus filhos, com seus bens e com seu sangue. A força se impõe ao direito, e não há direito que em sua origem não seja demasia, usurpação violenta” [23]. 

Por sua vez através desta visão violenta, de destruição e força, Nietzsche nos afirma como exemplo Iliáda: “a expressão triunfal de tigres que mostravam ante o cadáver do inimigo; em suma, a incessante renovação daquelas cenas da guerra de Tróia, em cuja contemplação se embriagava Homero como puro heleno” [24].

Em relação à imagem do gênio extraordinário, Nietzsche toma Homero, o qual se afirma em seu texto Homero e a filologia clássica. Neste trabalho, apresentado na inauguração de sua cátedra de filologia em Basiléia, não se mete na questão homérica, senão que antes interessa o que este como figura em si simboliza. Deste ponto de vista para o filósofo, Homero se converte em um modo de viver, uma política, um ideal religioso e na criação de um panteão de deuses.

Resgata Homero como o indivíduo excepcional que logra sublimar  a tradição, posto que já não é o poeta quem possui uma vontade racional, portanto, nega o conceito de tradição homérica. Há para Nietzsche o desenvolvimento dinâmico de um poeta que se eterniza em um futuro. Para os filólogos da época, Homero recolhe uma tradição de muitos séculos, a concretiza e a escreve. Mas Nietzsche disse que Homero não é isso, que não há uma vontade, e sim uma dinâmica. Para ele a única forma de abordar Homero é através da arte, não da razão, escrevê-lo através da experiência: “a possibilidade de um Homero se faz cada vez mais necessária. Se desde aquele ponto culminante voltamos atrás, encontramos logo a concepção aristotélica do problema homérico. Para Aristóteles é o artista imaculado e infalível que tem perfeita consciência de seus meios e de seus fins; com isto se revela também com a ingênua inclinação a aceitar a opinião do povo que adjudicava Homero a origem de todos os poemas cômicos, um ponto de vista contrário á tradição oral na crítica histórica (...) é necessário perguntar-se se existe uma diferença característica entre as manifestações do indivíduo genial e a alma poética de um povo” [25].

A excelência da alma individual que não inventa nada, que eleva a outra categoria à alma popular. O que nos leva a entender que personagens como Homero não são mais uns, senão que sublimam, que são excepcionais e que levam a outra categoria a uma tradição, dado por sua individualidade, seu caráter excepcional: “Agora se compreende pela primeira vez o poder sentido das grandes individualidades e das manifestações de vontade que constituem o mínimo evanescente da Humanidade; agora se compreende que toda verdadeira grandeza e transcendência no reino da vontade não pode ter suas raízes no fenômeno efímero e passageiro de uma vontade particular; se concebem os instintos da massa, o impulso inconsciente do povo como a única primavera, como o único palanque da chamada história do mundo” [26].

Para Nietzsche. Homero não só recompilou a poesia oral, visto que sem a figura do bardo não existiria Ilíada Odisséia: “Nós acreditamos em um grande poeta autor da Ilídia e Odisséia; sem embargo, não acreditamos que este poeta seja Homero” [27]. Esta é uma visão muito distinta da que afirmam os estudiosos da questão homérica. Nietzsche afirma uma terceira visão, diferente da noção que foi afirmado, em que se vê Homero como um personagem qualquer. Nietzsche ao invés disso disse que suas obras são produto de uma excepcionalidade, o que se relacionaria com o princípio de individualidade que aparece em o nascimento da tragédia. De onde se desprende a idéia que os personagens individuais determinam o curso da história.

Como temos visto, Nietzsche é muito certeiro ao realizar uma leitura do mundo homérico, e tomar deste aquela idéia que através do ideal guerreiro se pode lograr antes de tudo produzir cultura, portanto, não é tão azaroso que em Grécia se tenha dado a grande formação da cultura de Ocidenten, o qual claramente só se pode conseguir a partir da guerra, a que eles chamavam polemos. Daqui que a educação que se recebera aludira exatamente a um ideal guerreiro baseado na noção de aretê, a qual se lograva tanto a nível de trabalho individual como por sua vez pelo simples fato de nascer nobre. Portanto, os gregos foram uma cultura que se educou e conformou na base da noção de uma moral agonística, em que sempre há um que é superior ao outro. Mas ambos heróis estão na mesma altura, já que ambos possuem as mesmas características de nobreza, entendida através do termo aristoi. Daqui que se repete potentemente a imagem de Heitor, quem Homero nos apresenta como o único herói que poderia competir com a potencialidade de Aquiles. Desde este ponto me parece interessante o resgate que realiza Nietzsche frente ao que o resto de seus contemporâneos haviam considerado dentro dos estudos filológicos o menos importante, o mais bestial, que não teria comparação com ao nível artístico do século V. E é neste sentido que depois da conclusão que se a sociedade arcaica não tivesse sido constituída a partir desta noção de agon, não se tivesse logrado mais adiante tais manifestações culturais tão magnânimas que nos tem deixado o século V ateniense.

***

*Carolina Figueroa León é bacharel em Humanidades e Ciências Sociais. Licenciada em Literatura Criativa da Universidade Diego Portais com um Menor em menção em Cultura Clássica. Estudante do Programa de Magíster em Estudos Clássicos da Universidade Metropolitana de Ciências na Educação (UMCE).

[1] Nietzsche, Friedrich, O Estado grego. (Obra Póstuma) Prólogo de um livro que não foi escrito, 1871, p. 6

[2] Ver Rodríguez Adrados, Francisco, La democracia ateniense, Editorial Alianza, España, 1998.

[3] Ibíd., p. 32

[4] Ibíd., p. 36

[5] Homero, La Ilíada, Canto VI, Editorial Plaza y Janés, Barcelona, 1961, p. 154

[6] Finley, M.I., El mundo de Odiseo, Fondo de Cultura Económica, España, 1995, p. 30

[7] Ibíd., p. 20

[8] Ver Jaeger, Werner. “Capítulo II: Cultura y educación de la nobleza homérica” en Paideia: los ideales de la cultura griega, Editorial Fondo de Cultura Económica. México, 2001, pp. 32-47.

[9] Homero, Op. cit., pp.226-228

[10] Rodríguez Adrados, Op. cit., p.39

[11] Ver Homero, La Odisea, Canto XVII. Se menciona um banquete no cual se encontram os pretendentes de Penélope.

[12] Rodríguez Adrados, Op.cit., p.38

[13] Ginzo, Arsenio, “Nietzsche y los griegos”, Polis. Revista de ideas y formas políticas de la Antigüedad Clásica, núm. 12, 2000, p.103

[14] Ibíd., p.106

[15] Nietzsche, Friedrich, La lucha de Homero. Prólogo para um libro que não foi escrito (Obra póstuma) (1871-72).

[16] Ibíd.

[17] Nietzsche, Friedrich, Op. cit., pp.1-9

[18] Finley, M. I., Op.cit., p.30

[19] Burckhardt, Jacob, La Civilización del Renacimiento en Italia, Vol. I (New York: Harper & Row, Publishers, 1958), pp.143-174

[20] Véase Schopenhauer, Arthur, El mundo como voluntad y representación, 1844 (2º Edición, con los Suplementos).

[21] Nietzsche, Friedrich, Op. cit., 1871.

[22] Ibíd.

[23] Ibíd.

[24] Ibíd.

[25] Nietzsche, Friedrich, Homero y la filología clásica. Trabalho apresentado em Basilea no ano de 1869.

[26] Ibíd.

[27] Ibíd.

30/08/2012

Manifesto da Associação Millennium


O que é Millenium?

MILLENNIUM busca ser um consórcio associativo de comunidades que, no território nacional e macrocontinental, colaboram ativamente, por meio de ações diretas, eventos culturais e informações, para um renascimento dos dois elementos fundantes de uma comunidade humana: o Povo e a Tradição. Elementos imprescindivelmente ligados, hoje aniquilados por causa do pensamento dominante liberal utilitarista e individualista. Fortalecer os laços que unem o Povo afetados pela hegemonia do grande capital e do livre-mercado através de valores, reconstruir o patrimônio da Civilização ferido pela Decadência através da ação popular: são estes os objetivos de MILLENIVM.

A via comunitária à Tradição – A via tradicional à Comunidade

Povo e Tradição são dois elementos imprescindivelmente ligados, que correm pelo mesmo trilho. Atacar a um irremediavelmente enfraquece o outro. Para erradicar a população rural dos campos e submetê-la à massificação da revolução industrial e à alienação do trabalho na fábrica, o capitalismo liberal prontamente rompeu os laços que o Povo tinha com suas tradições, com seu ambiente religioso e social fundado no respeito dos valores transmitidos pela comunidade, para substituir este horizonte de civilização com a falsa moral burguesa. O fenômeno de desconstrução dos valores milenares do homem, desenvolvido vistosamente nos dois séculos passados, é a Decadência, e se contrapõe antiteticamente à Tradição, e por Tradição entendemos geralmente tudo que o universo religioso, ritual, místico, valorativo que permeia a cultura milenar de um Povo, e é identificável com o respeito dos valores religiosos e sociais naturais e eternos que ao Povo são comuns. A Decadência é hoje a crise primária do consórcio humano, e faz sombra por extensão e por imponência cada problema econômico singular ou político mundial, dado que cada problema econômico e político é (diretamente ou indiretamente) causado por ela. Isso é o que é promovido por parte de um certo pensamento liberal e burguês para difundir a padronização e massificação entre os Povos instrumentalmente em direção ao consumismo e ao hedonismo imperantes, seja pelo desviado pensamento da parte daqueles que o promovem como filosofia de vida, eliminando a inclinação natural do homem a sua natureza, através do liberalismo nos costumes e na política; essa se difunde também por inércia, tendo já penetrado nas estruturas intelectuais do homem, subjugando-as a um pensamento dominante. É claro, a estrutura comunitária natural da sociedade é uma vítima da Decadência.

“O homem fraco e nu é tornado forte pela sociabilidade. Duas coisas Deus deu: razão e sociabilidade”, escreveu Sêneca em De Beneficiis. O homem é, por vocação, comunitário, devoto de seu próximo.

A solidariedade sempre esteve na base da concepção orgânica da sociedade tradicional, onde, na completa diferenciação meritocratica de papéis, havia consenso em propósito e ideais e serviço ante cada membro da comunidade e o bem comum em si. Isso fazia de cada comunidade um corpo com uma única vontade, onde o papel social se extinguia unicamente na perspectiva do serviço, sem cancelar a individualidade, porém sublimando-a na escolha de doar sua contribuição pessoal à comunidade.

O individualismo moderno, oposto ao espírito comunitário, é genealogicamente derivado da mentalidade burguesa e iluminista, e do mesmo modo dá vida à concepção capitalista de lucro pessoal às custas de outros indivíduos, contra uma concepção justa e solidária da economia.

MILLENNIUM se identifica com a rota tradicional à Comunidade, porque através do redescobrimento dos valores do direito natural e do ordenamento de uma sociedade tradicional se reconstruirá o espírito de corpo e solidariedade que devem inspirar à sociedade, se redescobre a identidade do povo no fervor de um sentir comum que sublima o indivíduo na Comunidade. Do mesmo modo, através dos ensinamentos da Tradição, se propõe a combater a degeneração social do capitalismo, do individualismo, do mundialismo e do imperialismo econômico.

Ao mesmo tempo, MILLENNIUM se identifica com um caminho comunitário à Tradição, consciente do fato de que através dos séculos sempre foi o povo o que alça seus escudos contra o avanço da Decadência, opondo a ela a forte barreira de um pensamento comum vinculado à Tradição e aos valores inegociáveis, um sentir comum intransigente em relação a toda degeneração. Através dessas categorias MILLENNIUM se propõe a combater o racionalismo, o materialismo e o pensamento burguês, liberal e utilitário.

Povo e Espírito de Pertença

MILLENNIUM confia profundamente no sentido de pertença do Povo e na específica identidade regional, étnica e nacional unidas por uma aversão à decadência do mundo moderno e ao avanço da atual padronização cultural, a qual mata a especificidade em função do domínio do consumismo nos Povos, e destrói os valores tradicionais em função de um totalizante pensamento liberal e relativista. A Tradição é primeiro a recuperação da identidade entendida como patrimônio cultural de um Povo. Longe de um endurecimento simplista, MILLENNIUM defende a preservação dessas identidades. Se hoje segue havendo algo a ser defendido, é agora mais do que nunca que vale a pena fazê-lo.

MILLENNIUM então busca formar uma rede de resistência multipolar ao deletério modelo político e cultural atual, em uma ótica de profunda crítica ao ocidentalismo e ao atlantismo, ao liberalismo econômico e o excessivo poder do Capital.

MILLENNIUM ao mesmo tempo reconhece a profunda unidade espiritual e estratégica que deverá unir firmemente no dia de hoje a Europa e Ásia no papel de vontade de ferro e ímpeto liberador do Mundo do pensamento dominante e da Decadência, e se propõe como um mediador do pensamento eurasiático e a promover de todos os modos uma auspiciosa união eurasiática.

MILLENNIUM reconhece na Itália um farol milenar para a cultura europeia e eurasiática e atribui a ela uma identidade complexa, detalhada, profunda e preciosíssima a ser preservada arduamente, compreendendo nessa a gentilitas, a tradição católica, e todo o espírito latino.

Ação

MILLENNIUM se propõe a atuar em várias frentes, seja política como culturalmente, seja em defesa da identidade do Povo como na ação política.

MILLENNIUM se propõe a canalizar o ardor juvenil para a formação de uma juventude forte nos princípios e focada na ação, de visão reta e vontade firme. Ao mesmo tempo se propõe a unir pessoas de diversos entornos intelectuais alinhados com seu pensamento, para a formação de uma comunidade heterogênea, mas compacta.

MILLENNIUM também se propõe a colaborar com cada movimento com os quais compartilha ideias, ou batalhas, para fazer uma frente comum contra um inimigo comum.

Porém acima de todas as coisas MILLENNIUM sustenta que será a sua ação que a qualificará aos olhos do Povo como seu instrumento.

Livres das cadeias do caos econômico e cultural, recriando uma ordem a uma escala humana, este é o propósito de ação de MILLENNIUM.

28/08/2012

Epistemologia e a Nova Direita

por Mark Dyal

 

"Se constrói-se uma ilusão enquanto tal, a vontade - se ela quer continuar a existir - deve construir uma nova" - Nietzsche

Após examinar as duas resenhas da American Renaissance postadas no Counter-Currentes em 1 de agosto de 2012 eu não pude deixar de sentir como eu sempre sentia quando eu também era parte da academia americana. Eu ficava assombrado pela inabilidade dos pesquisadores em considerar o papel representado pela ordem prevalescente de conhecimento em sua conceitualização e implementação de pesquisa. A maioria das pessoas da academia fala apenas das "hipóteses intelectuais" de pesquisadores, buscando desentranhar os "preconceitos e equívocos" sustentados por aqueles envolvidos no estudo que possam afetar suas descobertas. Porém, os próprios entendimentos essenciais e culturais do humano - e do que significa ser humano - jamais são questionadas, e a realidade burguesa liberal (hoje monoliticamente antirracista, antibranca e multicultural) acrescenta outra pedra a sua fortaleza. Assim, o estudo de gêmeos não tem necessidade de criticar modelos burgueses de realização; como o estudo sobre altruísmo entendia a normalidade, legitimidade e decência do multiculturalismo.

É claro isso faz muito sentido quando consideramos que cada modo de vida sempre educou seus membros a incorporar seu critério particular de ser humano. Isso somente se torna um problema quando este critério de ser humano cria degenerados mentais ou físicos; ou quando homens como nós nos situamos fora da ordem dominante de conhecimento, ou episteme, apenas para sermos cercados pela realidade esquálida que ela cria.

Os objetos de pesquisa, especialmente na antropologia, meu antigo campo, são sempre já presumidos como sendo burgueses e liberais, mesmo quando eles existem em um dos poucos espaços que ainda não estão sob ontrole do liberalismo burguês, porque a maioria dos americanos em qualquer nível intelectual possui dificuldade em contextualizar qualquer coisa que eles saibam. Não é que é simplesmente fácil demais assumir que a mutilação genital feminina é abominável e um "problema" para todas as mulheres; que as pessoas no Irã querem apenas ser livres; ou que os fascistas italianos são paroquiais, homofóbicos e racistas; mas que os sujeitos culturais burgueses americanos e ocidentais - enquanto seres humanos - vivem, creem, conceitualizam, e portanto criam o mundo, nos termos de uma episteme específica.

Para um racialista, raça é tudo; para um culturalista, é a cultura; para mim, o conhecimento é tudo - especialmente como ele é produzido e como ele opera para motivar comportamentos. E quanto a forças políticas e econômicas? O materialismo é uma ideologia - um esquema que torna algumas coisas cognoscíveis e possíveis e outras coisas incognoscíveis e impossíveis. É o mesmo para a história, biologia, física, psicologia e cada disciplina na academia. Cada disciplina e ideologia opera dentro de uma episteme. Cada episteme é um conjunto coerente de valores e valorações que limitam e dirigem as condições da possibilidade humana. Epistemes o fazem por causa de um fato básico sobre o animal humano: nós somos uma espécie narrativamente impulsionada. Nós dizemos a nós mesmos quem, o que, onde, quando, e como, nós somos. Não há um único aspecto do comportamento humano que não recebe conteúdo através de uma narrativa. Comer, procriar, defecar, dormir, apenas para mencionar os comportamentos mais naturais, todos fazem sentido por causa da narrativa. Dizer isso não diminui a importância dos aspectos materiais de ser humano. Ao invés, aponta a um modo mais profundo de entender porque fazemos o que fazemos.

Enquanto outros como Alain de Benoist, Alexander Dugin, Pierre Krebs, Guillaume Faye e Tomislav Sunic (sem mencionar Nietzsche, Evola e Sorel) discutem o liberalismo e a forma de vida burguesa epistemicamente, ninguém na Nova Direita americana forneceu um esquema para compreender como o conhecimento opera e como o conhecimento burguês nos mantém enredado em sua rede. Estranhamente este é um problema inerente ao nome "nova direita" e sua contradistinção da "velha direita". Pois a que apontamos com tal distinção é nada menos que uma transição epistêmica, ou revolução conceitual.

Enquanto alguns acadêmicos entre nós ainda se apegam à idéia de que ler os clássicos ou nossos contemporâneos é importante apenas para sabermos o que eles disseram (usualmente para serem refutados e melhorados), vendo nosso problema epistemicamente - como um problema de conhecimento - torna importante ler o pensamento da Nova Direita de modo a continuar a tarefa - começada pela clássica e contemporânea Nova Direita europeia - de criar uma nova episteme, em resumo, uma nova ontologia que crie as possibilidades conceituais de nossa grandeza. Eu proponho que fazê-lo dará à Nova Direita americana um ímpeto revolucionário, e enquanto tal, um propósito superior do que meramente embranquecer a América.

Em essência, este trabalho está argumentando em duas frentes. Na primeira, é uma explicação um tanto simplista de como o conhecimento é produzido e como ele funciona. É uma curta síntese de uma vida acadêmica de teoria e filosofia do conhecimento, poder e transvaloração. Ela nos convida a compreender as consequências de nosso uso continuado de conceitos burgueses, liberais e modernos de "ser humano". Na segunda, ela nos convida a sermos mais como nossos pares europeus, que com sucesso herdaram e construíram sobre o pensamento de Nietzsche, Evola e Sorel (meus Três Grandes - sinta-se livre para acrescentar Schmitt, Ludovici, Jünger, etc.) para combater o homem moderno e pós-moderno em uma guerra de conhecimento e conceitos. Por que isso nunca aconteceu aqui, até agora, é tornado claro em Homo Americanus de Sunic, e talvez em Por que não há Socialismo nos Estados Unidos de Werner Sombart. Talvez os americanos "não tenham a aptidão" para criticar o homem burguês, mas eu me recuso a crer que nossa Nova Direita queira ser "americana". De outro modo, nós estaríamos simplesmente fazendo campanha para os republicanos e estaríamos contentados com "retomar nosso país".

Antes que nos atolemos discutindo epistemes, vamos tentar compreender como o conhecimento opera.

Como o conhecimento opera?

O conhecimento é afetivo. Ele produz ação. Pura e simplesmente, ele é a história necessária para motivar uma espécie narrativamente orientada - como a nossa - a agir.

Ele é a força uqe molda nosso daemon em formas e direções úteis para qualquer seja o rebanho entre o qual vivamos. Gilles Deleuze e Felix Guattari, pós-estruturalistas franceses que teorizaram o impacto do capitalismo e do desejo capitalista no corpo, usaram um modelo territorial para explicar como nossa energia corpórea, puissance, ou o que os gregos chamaram de daemon, é codificado e disciplinado a desejar por diferentes formas de expressão e redenção, na forma do pouvoir. (É possível conceber a expressão metaforicamente como forma e redenção como conteúdo - mas esta é muito mais importante e imbuída de valor do que isso. Ela é moral em conteúdo, mas ela é mais uma questão de que processo de acumulação é considerado óptimo em uma forma de vida. Pode ser dito que a vida grega homérica oferecia redenção heroica, o cristianismo medieval oferecia redenção espiritual, e a modernidade liberal burguesa oferece a redenção material para aqueles que abracem mais plenamente seu sistema de verdades e valorações). Qualquer um que tenha lido Genealogia da Moral de Nietzsche sabe que ele explicou a função do conhecimento moralista em termos similares, mas deixando de lado a linguagem pós-modernda hipnótica de Deleuze e Guattari.

Essa energia primordial e corpórea talvez originalmente existia como modo de garantir a procriação e a autopreservação, o que é comumente chamado de "lutar ou correr". Com o desenvolvimento da linguagem, porém, ela se tornou amarrada com a comunicação e a manipulação social do desejo. Ela foi, nos termos de Deleuze e Guattari, desterritorializada - trazida de seu domínio corpóreo de sexo e violência - e reterritorializada em algo útil para um agregado de pessoas mais complexo.

Ainda que essa descrição nos faça visualizar um processo repressivo e manipulativo, na verdade ele é criativo e gentil. Nietzsche falou sobre a vontade da mente de ordenar, organizar, controlar, reprimir, dirigir, impor limites e finalmente de disciplinar a informação sensória. Deleuze e Guattari subsumiram essa forma da vontade na produção corpórea de desejo, assim explicando que a subordinação e ordenamento da puissance não é uma imposição cursória nos modos nos quais se espera que vivamos, mas a própria produção da realidade e experiência vivida. Da perspectiva do desejo, a vida (puissance) e o governo da vida (pouvoir) são uma e a mesma coisa. Com a impossibilidade da coisa-em-si na mente, o pouvoir seria a única maneira pela qual nós podemos conscientemente conhecer o desejo - como um desejo por. Em outras palavras, o conhecimento dirige, organiza e disciplina o desejo, e ao fazê-lo normaliza o governo da vida. Assim, nós não podemos ser liberados desse processo, mesmo que o liberalismo tente nos fazer crer de outro modo, como eu explicarei abaixo.

De onde vem o conhecimento?

O conhecimento vem na forma de narrativa, seja popular, acadêmica, política, artística ou religiosa. Para epistemologistas, além de modelos tentados de conhecimento-implementação interpessoal (por exemplo, por que o capitalismo é capaz de nos manter buscando uma série infinita de objetos de consumo "definidores de personalidade", ao ponto de nós efetivamente liberarmos endorfina quando compramos e consumimos), os alvos mais valiosos de investigação são os regimes de verdade que produzem a informação mais útil e importante na episteme. Assim, no mundo burguês moderno, as ciências atraem a maior atenção. Tendo vindo a essa forma de investigação altamente filosófica a partir dos Estudos Afro-Americanos, eu sempre estive mais preocupado com a criação de altruísmo do que com a criação de diagnósticos psicológicos e médicos. Em qualqeur caso, um regime de verdade é um método de produzir, impor e proteger a verdade e as bases epistêmicas de ser humano. Foucault cunhou o termo "regime de verdade" de modo a tornar sensata sua hipótese de que a ciência e o conhecimento científico estão ligados a fontes de poder epistêmico. Não são apenas política e economia que controlam o que conhecemos, mas um sistema que que tornam nossas crenças verdadeiras e justificam seu status como conhecimento. Porque a vasta maioria dos homens modernos não estão lendo Foucault, mas sim assistindo a Fox News, eles ainda opdem supor que o status epistemológico das afirmações de conhecimento são independentes das operações de poder. Para nós, porém, é imperativo que começamos a pensar nosso projeto como um rompimento epistêmico.

Interessantemente, Foucault foi motivado em seu intelectualismo por Nietzsche, e foi um dos principais proponentes do "Nietzsche como democrata pós-moderno". Não obstante, o que permanece do "nosso Nietzsche" em Foucault é normalmente colocado em ótimo uso. Por exemplo, em "Verdade e Poder", Foucault explica que o problema político fundamental (com o qual nos deparamos, nós da Nova Direita) não é meramente criticar o que atualmente se passa por verdade, ou mudar a consciência das pessoas, mas separar "o poder da verdade das formas de hegemonia, social, econômica e cultural, na qual elas operam atualmente". Em outras palavras, nós devemos começar a criação de um novo regime de verdade; e a questão política se torna uma questão de uma nova narrativa. Onde Nietzsche está presente, aqui, é na suposição de que a verdade recebe poder epistemicamente e que qualquer vitória para nós só pode estar fundada em uma nova episteme.

Como estamos começando a ver, o conhecimento opera dirigindo nossas energias primais, e o conhecimento é produzido em acordo com as bases epistêmicas de formas de vida. O conhecimento é sempre um sistema que faz sentido. Enquanto tal, algumas coisas são cognoscíveis e outras são incognoscíveis. Outrora, nossa condição atual estava para além do reino da possibilidade.

As coisas mudam, porém. Há um pequeno punhado de estudiosos associados com a proeminente professora da Universidade de Stanford Sylvia Wynter que estudam as transições epistêmicas que culminaram com a criação da escravidão e do humano racial. Partindo do uso papal de Aristóteles para "entender" os nativos do Novo Mundo, para a transformação do feudalismo em capitalismo, eles leem a história da espécie como um caminho em direção ao altruísmo universalizado. Para esses estudiosos, a modernidade é um problema, mas não como ela é para nós. Enquanto nós experimentamos a modernidade como uma época construída sobre a domesticação do homem europeu e a destruição de suas tradições e capacidades para a auto-defesa violenta (entre outras coisas), eles experimentam a modernidade como aqueles que estão desesperados para crer na Revolução Francesa. Em outras palavras, eles querem que o Ocidente seja mais moderno - mais livre, igualitário, e universalmente fraternal. Eu menciono isso não apenas para ressaltar como é possível compreender nossa situação epistemicamente, mas para demonstrar como o regume de verdade do antirracismo ajudou sua causa. Pois nenhuma das críticas acadêmicas dirigidas a Wynter e seus companheiros jamais mencionou a natureza política de sua pesquisa ou questionou a moralidade de promover o altruísmo universal como progressivo. A episteme (e seus vários regimes operativos de verdade) tornaram essas preocupações incognoscíveis.

O linguista Philip Lieberman, uma das fontes favoritas de Wynter, buscou explicar o relacionamento entre valoração e altruísmo descobrindo de onde os dois entram na experiência humana. Seu trabalho é assombroso por duas razões: o quão claramente ele explica o poder da narrativa e a relação entre altruísmo e moralidade, e por falhar em contextualizar seu trabalho epistemicamente. Resultando do desenvolvimento biológico do cérebro e das ferramentas supralaríngeas necessárias para produzir a fala humana, ele deduziu que um novo tipo de capacidade cognitiva evoluiu. Essa era a habilidade humana de construir linguisticamente comportamentos codificaos como os controlados por sistemas de moralidade e ética. "Esses desenvolvimentos nos permitiram induzir os modos de altruísmo que nos ligam como grupos. Em consequência...no lugar de programas genéticos que regulam os comportamentos de todas as espécies orgânicas, nós desenvolvemos...programas culturalmente específicos pelos quais nossos comportamentos humanos - cognoscitivos, afetivos e acionais - vieram a ser...regulados".

Essa é a mesma conclusão alcançada por Nietzsche. Após primeiro explorar o elo entre linguagem e consciência, e concluir que o pensamento consciente, aquilo que assume a forma de linguagem, é a forma mais superficial de pensamento porque ela é construída apenas para conectar uma pessoa a outra, Nietzsche então busca compreender como a consciência está conectada a formas sociais humanas. "A consciência", ele diz, "pertence não à existência do homem como um indivíduo, mas sim à comunidade e aos aspectos gregários de sua natureza; ela é desenvolvida apenas em relação a sua utilidade para o rebanho. Consequentemente, nós somente podemos nos conhecer através do que é mediano e cognoscível desde a perspectiva do rebanho. Nós conhecemos exatamente tanto quanto seja útil para o rebanho humano".

Lieberman continua sua explicação do desenvolvimento do altruísmo para demonstrar como a tecnologia permitiu que o humano saísse de suas pequenas comunidades para povoar cada continente e para canalizar as forças da natureza. Nós o fizemos, porém, tendo ultrapassado a estreiteza dos modelos atruísticos ainda operacionais dos séculos anteriores. Enquanto a escravidão, por exemplo, era outrora um componente universal das formas de vida humanas, ela é agora "universalmente ilegalizada" (graças a nossos progressistas sistemas de ética e moral). Infelizmente, ele diz, a raça, a maldição de uma de suas variantes posteriores - a escravidão racial americana - ainda permanece "inconquistada".

Ao falar assim, Liberman demonstra não apenas que os sistemas ético-comportamentais eram narrativamente impulsionados, mas também que eles continuam a ser. Pois em lugar algum em seu livro sobre a evolução dos comportamentos altruístas e sua relação com a moralidade ele sente a necessidade de quantificar suas próprias posições morais - nem seu uso dessas posições para justificar a ideia de que a espécie está progredindo por causa de sua aversão ético-moral à escravidão. Nem, obviamente, ele sente a necessidade de explicar por que o "preconceito racial" é abominável.

De fato, a linguagem não é epifenomenica em relação às estruturas sociais nas quais ela opera, mas uma parte essencial dessas estruturas. Alexander Dugin afirma que o humano não é derivado de qualquer coisa-em-si mas da política. O sistema político, ele diz, "nos dá nossa forma". Este é um processo narrativamente impulsionado, dado que "o sistema político possui um poder intelectual e conceitual...para moldar o paradigma, integrado na sociedade através de instituições estatais". Esse paradigma, ou episteme, ele continua, é o que "nos constitui...a Política nos fornece nosso status político, nosso nome, e nossa estrutura antropológica". Ele conclui sua demolição epistêmica da primazia do homem burguês explicando que a transição do Estado tradicional para o moderno não foi apenas marcada por uma transformação de instituições políticas mas por uma "transformação do homem ao nível mais fundamental". Cabe a nós, ele diz, nos movermos similarmente para além da concepção moderna (e pós-moderna) operativa de nossa espécie. Fazê-lo, porém, não pode ser alcançado materialmente.

Fernand Hallyn concorda, propondo que "estruturas de significação" organizem "poeticamente", isto é, através da linguagem e da gramática, para fornecer, entre outras coisas, as fronteiras e limites entre "nós e eles". Ele chama esse processo de "poética do propter nos" - o "nós" por quem "nós" agimos. Para o desapontamento da Nova Direita americana, Francis Parker Yockey compreendeu que a raça é um conceito que só pode ser entendido no contexto do liberalismo. Como Michael O'Meara eplica, "o conceito científico de raça emergiu como a visão auto-interessada da burguesia anti-cultural, cujo materialismo negava a importância do espírito, da alma e da identidade - desprezadas não apenas como formas de privilégio aristocrático, mas como meros subprodutos superestruturais de um mundo inerentemente 'irracional'". Em outras palavras, o conceito do humano biologicamente racial nos deixa irrevogavelmente amarrados à forma de vida que tornou possível este conceito.

Pierre Krebs faz uma abordagem similar da questão de povos e raças. Como um europeu, Krebs tem toda uma vida de interação com aqueles grupos culturais e linguísticos fechados que se entendem como povo. Esses povos hoje se tornam a base das resistências europeias à padronização. Assumindo sua perspectiva, Krebs é capaz de selecionar diversos regimes de verdade - história, humanidade e mesmo raça - e mostrar como seu encaixe epistêmico não apenas determina seu poder criativo (pense: a metodologia sempre gerará os resultados que ela foi feita para produzir) mas também problemas para aqueles de nós que buscam viver em uma sociedade "racial" e não em uma multirracial ou multicultural. No caso da Europa, a "brancura" é difícil de se vender. Ela é americana demais - associada demais à demolição capitalista da singularidade e da particularidade para fazer sentido - ligada epistemicamente à América em excesso, isto é.

A critica de Krebs à raça deriva de uma abordagem epistêmica de nosso problema e de uma leitura correta de Nietzsche. Krebs é consciente, como Heidegger disse, que nomear uma coisa é chamá-la à existência. Se nós nos chamarmos à existência através das verdades epistêmicas do mundo que buscamos destruir, nós seremos finalmente menos bem sucedidos do que presumimos. Pois os conceitos que usamos atualmente para conhecer e criar o homem e o mundo estão inerentemente ligados à episteme que combatemos. Nestes termos, a insistência de Nietzsche de que pensemos diferentemente de nossos inimigos se torna menos abstrata, como é a chamada de Sunic por descolonização mental.

Com a explicação de Lieberman e Wynter sobre a origem e funcionamento do altruísmo acima, nós temos um exemplo decente de como os regimes de verdade liberal operam - e um exemplo irônico, considerando o quão prontamente eles selecionam e escolhem o que atacar na modernidade. Para prosseguirmos em direção a uma conclusão, eu quero contrastar como o liberalismo e o fascismo compreender o conhecimento. Isso também tornará minha posição mais clara.

Como o liberalismo entende o funcionamento do conhecimento?

O conhecimento, como tudo mais na forma liberal de vida, foi castrado e empacotado para consumo de massa. Ele é seguro. Ele é horizontal. Ele é neutro. Ele não tem valor e não tem ligação com o poder, muito menos com regimes de verdade. A suposta neutralidade do conhecimento é aparente quando dizem aos pais que "ler é essencial para o desenvolvimento de seus filhos". Primeiro, desenvolvimento é um dos conceitos favoritos do regime de verdade psicológico liberal. Ele inevitavelmente trará à existência um tipo particular de pessoa - um cujas conquistas serão medidas monetariamente e cuja felicidade será medida por uma falta de agressão, violência ou pensamento excessivamente crítico. Em segundo lugar, ler jamais possui valor neutro. Cada palavra que passa pelos nossos olhos e ouvidos é construída para impactar o fluxo de desejo - para fazer você se mover, e normalmente em direção a um shopping. O liberalismo burguês nos faz acreditar que o conhecimento é neutro, e então nos faz matar uns aos outros por um X-Box. Em resumo, o conhecimento liberal não possui qualquer função além de ser consumido.

O liberalismo herdou o que Nietzsche descreveu como o regime de verdade original: o Deus judaico-cristão. A verdade recebeu uma fonte, e uma tão infalível que questioná-la significaria queimar pela eternidade. A ciência moderna, com seu raciocínio teleológico e poder criativo herético, herdou o trono de Deus como fonte única de verdade. Como Deus, ela também cria seres a sua imagem: frouxos psicologizados, automatos geneticamente determinados, e escurinhos etnicamente relativos mas "mais reais do que brancos".

A ciência que nos dá essas verdades acredita sem ironia que suas metodologias são apolíticas e não relacionadas com os resultados que sempre milagrosamente demonstra que o humano é inerentemente burguês. (Ops, vê quão fácil é escorregar? O humano DEVE por definiçã oser burguês, pois nada pode preexistir a sua conceitualização.) O mais óbvio e egrégio dos ofensores científicos é a História. Pode-se notar que eu jamais escrevo história. Aqueles com um sentido para o "problema da História", aqueles talvez apenas parcialmente epistemicamente resignados, dirão, "a história é o que realmente ocorreu, enquanto a História é aquilo que escrevemos sobre isso", mas eventos não fazem História - apenas historiadores fazem; e a História não é sobre nada senão valoração.

Um exemplo perfeito de como a Nova Direita tenta abordar esse problema epistêmico é o ensaio de Greg Johnson sobre revisionismo do holocausto. Primeiro, o dr. Johnson separa "história de Historiografia", uma separação que eu acho supérflua, sendo motivada, enquanto tal, por uma concepção materialista (burguesa) do processo histórico e fenomenológico. Em segundo lugar, eme brilhantemente aponta que é a narrativa do holocausto que é usada como cassetete moral e não qualquer evento associado a ele; demonstrando assim que os efeitos disciplinares do holocausto podem ser compreendidos melhor como um regime de verdade. Ele torna certas coisas cognoscíveis e outras incognoscíveis.

Finalmente, porque o liberalismo assume que o conhecimento é naturalmente neutro e que a verdade é livre de valores, ele nos faz crer que apenas seus inimigos (como nós) "manipulam" o conhecimento. Essa manipulação eles chamam de propaganda. Na melhor das hipóteses, porém, a propaganda deveria meramente designar o conhecimento, porque o modo como os estudiosos liberais a descrevem é exatamente como o conhecimento opera, ponto. É irônico que o liberalismo acusou o fascismo de propaganda, porque longe longe de propagandizer, ele meramente demandava que seus súditos entendessem que o conhecimento manipula e aceitassem as possibilidades de manipulação.



Como o fascismo entende o funcionamento do conhecimento?

Enquanto o capitalismo e o comunismo, as duas filosofias políticas liberais dominantes, assumem que as bases biológicas e econômicas de ser humano, a igualdade humana e a primazia da busca do conforto (capitalismo) ou produção mecânica (comunismo), o fascismo assume que o humano é uma criatura narrativamente impulsionada que deve ser inspirada ao sacrifício, ao compromisso e à disciplina. Para muitos, ver o comunismo descrito como uma filosofia política liberal pode parecer absurdo. Mas, quando ele é estudado epistemicamente, se descobre que não há nada no comunismo que desafie o homem econômico liberal e sua dissociação da Tradição e da valoração heroica. Longe das estratégicas econômicas de "terceira via", essa é a diferença crucial entre liberalismo e fascismo.

O conhecimento fascistas nunca é neutro. Ele jamais produz nada acidentalmente. E ele jamais vem sem um preço. Derrida cunhou a expressão "lógica de parergonalidade" para nomear o modo pelo qual o establishment de qualquer sistema como um sistema sugere um para além de si; consistindo naquilo que o sistema exclui seja por virtude do que ele não pode compreender ou do que ele proíbe de modo a realizar seus objetivos sistemáticos. Os intelectuais fascistas sob a tutela de Giovanni Gentile utilizaram uma conceitualização e uma crítica da verdade burguesa liberal similares. Gentile, então encarregado da criação de uma pedagogia fascistas - e assim semeando a própria base de uma episteme fascista - estava preocupado com o que a compreensão liberal do conhecimento deixava de fora, e mais importante, o que ela produziu com o que ela incluía. Ele concluiu, como Nietzsche, que a forma burguesa de vida (especificamente anglo-saxônica) estava construindo os limites de possibilidades humanas nos termos mais medíocres e vulgares, assim normalizando e mesmo exaltando a covardia, a ganância e a indiferença.

O fascismo entendeu que o "povo italiano" precisava ser criado, mas apenas em termos muito específicos. De modo a fazê-lo, eles se dispuseram a controlar e dirigir os regimes de verdade da nação. Assim como o sistema burguês liberal de produção da verdade garante que nos valoremos o materialismo e o conforto acima de tudo, o governo fascista buscou limitar o conhecimento disponível àquilo que inspira o povo ao orgulho, à responsabilidade, à identidade concentrada e a um altruísmo estreitamente definido. Através da Romanità, o culto da grandeza romana, os fascistas literalmente tentaram implementar a bela formulação nietzscheana da História: "A História deve falar apenas do grande e único, do modelo a ser emulado". Isso não era propaganda vulgar ou lavagem cerebral, mas ao invés um uso mais nobre e heroico do conhecimento.

Recentemente um leitor do Counter-Currents me admoestou por sujeitar meu filho a uma restrição e direção similares do conhecimento e do desejo. A suposição dele ou dela, eu presumo, era de que "não se pode pensar pelos filhos e se deve deixá-los livres para que se tornem quem eles podem ser". Um entendimento mais burguês do conhecimento eu dificilmente poderia imaginar. Eu tive que assumir enquanto olhava espantado para o site que esta pessoa acreditava que entregar meu filho para o liberalismo e permitir que ele - o porta-estandarte de nossa espécie, o futuro do nome de minha família - vague sem direção de um estacionamento de shopping a outro é algo mais nobre, e mais valioso para nossa espécie, do que ensiná-lo sobre Grécia, Roma, SEUS Deuses, e os milhares sobre milhares de exemplos de coragem, honra, decência, brilhantismo, maestria e irmandade nutridos por nosso povo. Não, você está certo caro leitor, Rua Sésamo e sua moralidade multicultural nos servem muito melhor. Mas eu estou divagando.

"Que extraordinária falta de livros exsudando força heroica em nosso tempo", meditou Nietzsche, enquanto ele ponderava a "luta de conhecimento contra conhecimento". É essa luta na qual devemos estar engajados - não necessariamente a luta para limpar etnicamente a America liberal. Greg Johnson uma vez disse "Em uma sociedade nacionalista branca nós ainda estaremos discutindo sobre legalização das drogas, direitos homossexuais, ambientalismo, aborto, etc..." E ele está certo, a não ser que nós descontruamos epistemicamente a concepção burguesa do humano que torna o Estado-nação moderno possível. Lembre, as verdades, os conceitos que possuem a mais alta autoridade na forma de vida liberal, não são construídos apenas para manter essa forma de vida, mas para criar um certo tipo de humano. Se nós criarmos um Estado liberal totalmente branco, nós não teremos feito absolutamente nada para evitar o declínio de nossa espécie. Porém, se nós pudermos reconceitualizar nossa guerra em termos nietzscheanos, com um entendimento profundo de nosso verdadeiro inimigo, nós ao invés criaremos uma pátria na qual um homem baseado em direitos em guerra com o mundo natural e seus próprios instintos será impensável e incognoscível.

O fascismo foi fundado sobre o pensamento heroico e aristocraticamente radical do Contra-Iluminismo (um termo simpático, mas discutível, para as correntes de pensamento europeu que se opuseram aos vários movimentos em direção à padronização e degradação culminando na modernidade oitocentista) e buscou ressacralizar a vida através de mitos, lendas e narrativas de grandeza, força e honra. Ele criou uma política para reestabelecer a hierarquia, a vontade e uma estimativa mais natural do humano - tudo com uma vontade de criar um novo homem. Em outras palavras, ele estava rompendo com a episteme liberal, não para liberar um mercado, mas para criar um homem mais nobre, heroico e viril. O fascismo compreendeu que todo conhecimento é construído para manipular entendimento e comportamento. Nenhum conhecimento é neutro.

Um famoso cristão disse, "a verdade o libertará". Nós sabemos, porém, que ela apenas o libertará para ser manipulado por outra verdade. Já passou o tempo para que nós "imaginemos o inimaginável", para que transvaloremos os valores liberais, e abracemos completamente o Contra-Iluminismo - o único inimigo epistêmico que o liberalismo já conheceu - e o poder revolucionário da Nova Direita. Como Evola explica, até que uma escolha e comprometimento de tal magnitude sejam feitos, nós podemos ser utilidade para a episteme "democrática, burguesa e humanista" que corresponde "com o advento de um tipo humano inferior", mas nunca para um no qual o homem é natural, hierárquico ou obediente à dureza e exatidão na qual a grandeza prospera.