16/07/2011

A Impostura do Psicologismo

por Frithjof Schuon

Entendemos pelo termo "psicologismo" aquele pré-conceito de reduzir tudo a fatores psicológicos e de pôr em dúvida, não só o intelectual e o espiritual, no sentido tradicional dos termos, referindo-se o primeiro à verdade e o segundo à vida nela e por ela, senão também ao espírito humano, como tal, e logo sua capacidade de adequação e, com toda evidência, sua ilimitação interna ou sua transcendência. Esta tendência empequenecedora e propriamente subversiva faz estragos por todos os campos que o cientificismo pretende abarcar, porém sua mais aguda expressão é sem possível discussão a psicanálise; esta é por sua vez resultado e causa, como é sempre o caso das ideologias profanas, como o materialismo e o evolucionismo, dos quais a psicanálise é, no fundo, uma ramificação lógica e fatal e um aliado natural.

A psicanálise merece duplamente o qualificativo de impostura, primeiro porque pretende ter descoberto fatos que eram conhecidos em todos os tempos e que não podiam não sê-lo, e, em segundo lugar, e acima de tudo, porque atribui-se funções de fato espirituais e erige a si mesma praticamente como religião. O que chama-se "exame de consciência" ou, entre os muçulmanos, "ciência dos pensamentos" (ilm al-khawâtir), investigação (vishara) entre os hindús, com pequenos matizes, não é mais que uma análise objetiva das causas próximas e distantes de nossas maneiras de atuar ou reagir que repetem-se automaticamente sem que conheçamos os motivos reais disso, ou sem que discernamos o caráter real de tais motivos. Ocorre que o homem comete habitual e cegamente os mesmos erros nas mesmas circunstâncias, e fá-lo porque leva em si mesmo, em seu subconsciente, erros baseados no amor próprio ou traumas; agora bem, para curar-se, ao homem, deve detectar estes complexos e traduzi-los em fórmulas claras, portanto deve fazer-se consciente dos erros subsconscientes e neutralizá-los por meio de afirmações opostas. [...] Neste sentido Lao Tsé disse: "Sentir uma enfermidade é já não tê-la", e a Lei de Manú: "Não há água lustral comparável ao conhecimento", quer dizer, à objetivação pela inteligência.

O que é novo na psicanálise e dá-lhe sua originalidade sinistra, é o pré-conceito de reduzir todo reflexo ou toda disposição da alma a causas mesquinhas e excluir todos os fatores espirituais e, daí, a tendência bem notória a ver saúde no que é vulgar, e neurose no que é nobre e profundo. O homem não pode escapar aqui por baixo das provas e das tentações; sua alma está, portanto, forçosamente marcada por uma certa tormenta, a menos que possua uma serenidade angélica, o que ocorre em meios muito religiosos, ou, pelo contrário, de uma inércia a toda prova, o que ocorre em todas as partes; porém a psicanálise em vez de permitir ao homem sacar o melhor partido de seu desequilíbrio natural, e em certo sentido providencial, e o melhor partido é o que aproveita para nossos fins últimos, tende ao contrário a reduzir o homem a um equilíbrio amorfo, um pouco como se quisesse evitar a um pássaro jovem as angústias do aprendizado cortando suas asas. Analógicamente falando, quando um homem inquieta-se por uma inundação e busca o meio de escapar dela, a psicanálise suprimirá a inquietude e deixará que o paciente afogue-se; ou todavia mais: em lugar de abolir o pecado, abolirá a má consciência, o que permite-lhe ir serenamente ao inferno. Isto não significa que não ocorra nunca que um psicanalista descubra e suprima um complexo perigoso sem por isso desbaratar o paciente; porém do que aqui trata-se é do princípio, cujos perigos e erros superam infinitamente as vantagens aleatórias e as verdades fragmentárias.

De tudo isto resulta que para o psicanalista médio um complexo é ruim porque é um complexo; não qur dar-se conta de que há complexos que honram o homem ou que são-lhe naturais em virtude de sua semelhança a Deus e que há por conseguinte, desequilíbrios necessários e destinados a encontrar sua solução por cima de nós mesmos e não por baixo. Outro erro, que no fundo é o mesmo: admite-se que um equilíbrio é um bem porque é um equilíbrio, como se não houvesse equilíbrios feitos de insensibilidade ou perversão. Nosso próprio estado humano é um desequilíbrio, posto que estamos existencialmente suspensos entre as contingências terrestres e a chamada inata do Absoluto; nem tudo consiste em desembaraçar-se dele. Não somos substâncias amorfas, senão movimentos em princípio ascensionais; nosso bem-estar deve estar proporcionado a nossa natureza total, sob pena de reduzir-nos à animalidade, o que precisamente o homem não suporta sem perder-se. Por isso um médico da alma há de ser um pontifex, logo mestre espiritual no sentido próprio e tradicional da palavra; um profissional profano não tem nem a capacidade nem, por conseguinte, o direito de tocar a alma mais além de dificuldades elementais para cuja resolução basta o sentido comum.

O crime espiritual e social da psicanálise é, portanto, o usurpar o lugar da religião ou da sabedoria, que é o de Deus, e eliminar de seus procedimentos toda consideração de nossos fins últimos; é como se, não podendo combater a Deus, tomasse a alma humana, que pertence-lhe e está-lhe destinada, envilecendo a imagem divina à falta do Protótipo. Como toda solução que esquive o sobrenatural, a psicanálise substitui a sua maneira o que aboliu: o vazio que produz por suas destruições voluntárias ou involuntárias dilata-o e condena-o a um falso infinito ou à função de pseudo-religião.

A psicanálise, a fim de poder sair à luz, tinha necessidade de um terreno apropriado, não somente desde o ponto de vista das idéias, senão também do dos fenômenos psicológicos; queremos dizer que o europeu, que sempre foi cerebral, tornou-se muito mais cerebral desde dois séculos; agora bem, esta concentração de toda a inteligência na cabeça tem algo de excessivo e anormal, e as hipetrofias que disso resultam não constituem uma superioridade, apesar de sua eficácia em certos tempos.

Normalmente, a inteligência deve assentar-se não somente na mente senão também no coração, e deve repartir-se por todo o corpo, como é o caso dos chamados homens "primitivos" (porém muito superiores em certos aspectos); seja como seja, aonde queremos chegar é que a psicanálise, em grande parte, está em função de um desequilíbrio mental mais ou menos generalizado em um mundo onde a máquina dita ao homem seu ritmo de vida e inclusive, o que é mais grave, sua alma e seu espírito.

A psicanálise fez sua entrada mais ou menos oficial no mundo dos "crentes", o que constitui verdadeiramente um sinal dos tempos; resulta disso a introdução, na suposta "espiritualidade", de um método que é contrário à dignidade humana, e que encontra-se em contradição com a pretensão de ser "adulto" ou "emancipado". Brinca-se de ser semideus e ao mesmo tempo trata-se a si mesmo como irresponsável; por causa da menor depressão causada, quer seja por um ambiente demasiado trepidante, quer seja por um gênero de vida demasiado contrário ao bom sentido, corre-se ao psiquiatra, cujo trabalho consistirá em inspirar-lhe algum falso otimismo ou aconselhar-se um pecado liberador. Não parece suspeitar nem por um momento que somente há um equilíbrio, o que nos fixa em nosso centro real e em Deus.

Um dos efeitos mais odiosos da adoção da psicanálise pelos "crentes" é o desdém ao culto da Santa Virgem; este culto não pode menos que molestar a uma mentalidade bárbara que pretende-se "adulta" a todo custo e recria-se no trivial. À censura de "ginecolatria" ou de "complexo de Édipo" respondemos que, como qualquer outro argumento psicanalítico, não vê o problema, posto que a questão que apresenta-se não é saber qual pode ser o condicionamento psicológico de uma atitude, senão ao contrário, qual é o resultado. Quando dizem-nos, por exemplo, que alguém escolhe a metafísica a título de "evasão" ou "sublimação" e por causa de um "complexo de inferioridade" ou de uma "repressão", isto não tem nenhuma importância, já que bendito seja o "complexo" que constitui a causa ocasional da aceitação do verdadeiro e do bem! Porém há isto, ademais: os modernos, fatigados que estão das doçuras artificiais que arrastam sua cultura e sua religiosidade desde a época barroca, trasladam (segundo seu costume) sua aversão à noção mesma de doçura e cerram-se assim, quer seja a toda uma dimensão espiritual se são "crentes", quer seja inclusive a toda humanidade verdadeira, como demonstra-o certo culto infantil à grosseria e ao estrépito.

Pelo demais, não basta perguntar o que vale determinada devoção em certas consciências, há que perguntar também por que coisa substitui-se, posto que o lugar de uma devoção suprimida jamais fica vazio.

"Conhece-te a ti mesmo" (Helenismo), diz a Tradição, e também "quem conhece sua alma, conhece a seu Senhor" (Islã). O modelo tradicional do que deveria ser, ou pretende ser, a psicanálise, é a ciência das virtudes e dos vícios, a virtude fundamental é a sinceridade que coincide com a humildade: aquele que submerge à alma na sonda da verdade e da retidão, chega a detectar os nós mais sutis do inconsciente. É inútil querer curar a alma sem curar o espírito; o que importa, pois, em primeiro lugar, é desembaraçar a inteligência dos erros que pervertem-na, e criar assim uma base em vistas ao retorno da alma ao equilíbrio; não a qualquer equilíbrio, senão a aquele do qual leva o princípio em si mesma.

Para São Bernardo, a alma passional é "coisa desprezível" e Mestre Eckhart comina-nos a "odiá-la". O que significa que o grande remédio a todas as nossas misérias interiores é a objetividade para com nós mesmos; agora bem, a fonte ou ponto de partida desta objetividade situa-se mais além de nós mesmos, em Deus. O que está em Deus reflete-se em nosso centro transpessoal, que é o puro Intelecto; quer dizer que a Verdade que salva-nos forma parte de nossa substância mais íntima e mais real. O erro ou a impiedade é a negativa a ser o que é-se.