31/05/2011

O trabalho

"Mas é no plano da ética que o processo de degradação é particularmente visível. Enquanto a primeira época se caracterizava pelo ideal da «virilidade espiritual», pela iniciação e pela ética da superação do vínculo humano; enquanto na época dos guerreiros ainda se fundavam no ideal do heroísmo, da vitória e do senhorio, na ética aristocrática da honra, da fidelidade e da cavalaria, na época dos mercadores o ideal torna-se a economia pura, o lucro, a prosperity e a ciência como instrumento de um progresso técnico-industrial ao serviço da produção e de novos lucros na sociedade de consumo — até que o advento dos servos eleva ao nível de uma religião o princípio do escravo: o trabalho. E o ódio do escravo vai até ao ponto de proclamar sadicamente: Quem não trabalha não come», e a sua idiotice glorificando-se a si própria, fabrica incensos sagrados com as exalações do suor humano: O trabalho eleva o homem, A religião do trabalho, O trabalho como dever social e ético, O humanismo do trabalho."

(Julius Evola
in "Revolta Contra o Mundo Moderno")

30/05/2011

A Quem Interessa o Desarmamento?

por Leonardo Arruda

É óbvio, para qualquer pessoa mais ou menos esclarecida, que essa campanha de desarmamento nada tem a ver com a criminalidade ou a tal “violência”. No entanto, para a maioria das pessoas não são evidentes os motivos de tal campanha. Tentaremos, nessas poucas linhas, explicar o que está acontecendo. 

Imagine o leitor que você colocou todas as suas economias em ações de uma determinada empresa. Um belo dia você recebe a informação que a empresa está a beira da falência. O que você faria? Bem, em primeiro lugar trataria de manter segredo total sobre a situação da empresa e diria para todo mundo que a empresa vai muito bem, obrigado. Enquanto isso, tentaria vender os papéis o mais rapidamente possível, para recuperar o dinheiro aplicado, e cuidaria de aplicá-lo em ativos reais, tipo uma casa ou um terreno. Não é assim que todos agem? 

Agora imagine que grandes grupos econômicos descobriram que existe uma “bolha especulativa” de alguns trilhões de dólares no sistema financeiro mundial. Essa montanha de dinheiro não corresponde a nenhuma riqueza, isto é: não passa de papel pintado, sem lastro. 

Tal como você faria, esses grupos tentam manter segredo sobre o assunto enquanto tratam de converter esse papel em ativos reais. O problema é que converter essa incrível quantidade de dinheiro em ativos não é fácil. É preciso transformar esse papel em bens que mantenham seu valor no caso do sistema financeiro mundial entrar em colapso. O ideal é comprar coisas que sempre terão valor enquanto existir a humanidade, por exemplo: minérios, petróleo, terra fértil, empresas de energia elétrica, grandes redes de telecomunicações, etc. 

Mas para adquirir essas riquezas alguns obstáculos precisam ser removidos. O maior deles são os estados nacionais. Fora dos EUA, a regra geral é esses bens estarem sob controle dos estados, na maioria das vezes sob o manto de grandes empresas estatais. Diversas estratégias foram adotadas por esses grupos para acabar com as barreiras que os diversos países criaram para proteger suas riquezas (reserva constitucional, barreiras alfandegárias, tarifas preferenciais, monopólios, leis excludentes, etc.). 

Para não precisar empregar força militar (até porque os interesses desses grupos nem sempre coincidem com o interesse nacional de algum país poderoso), foram adotadas as seguintes estratégias: 

1) Controlar as agências internacionais de fomento (Banco Mundial, BID, FMI, etc., além, é claro, da ONU)
2) Aumentar os juros de forma a endividar os países mais pobres e força-los a vender seus ativos;
3) Financiar pessoas e instituições contrárias a presença do estado na economia, favoráveis ao conceito de soberania limitada e a livre movimentação de capitais;
4) Acabar com toda legislação que fomente empresas nacionais;
5) Adquirir os meios de comunicação (ou subornar seus proprietários) de forma que apenas pessoas e idéias favoráveis a seus interesses tenham divulgação;
6) Promover campanhas de descrédito contra pessoas e instituições que oponham resistência a seus interesses;
7) Subornar políticos para aprovarem as mudanças adequadas;
8) Premiar e condecorar pessoas e instituições que apoiam as teses anteriores;
9) Difamar e enfraquecer os grupos nacionalistas e as forças armadas;
10) Enfraquecer o estado fomentando radicalismos e desavenças internas;
11) Promover mudanças políticas que consolidem as conquistas obtidas;
12) Desarmar a população de forma a não haver riscos de uma revolta popular armada. 

Esse receituário é válido para todos os países e foi aplicado, com maior ou menor sucesso, no mundo todo e não apenas no Brasil. Não vamos discorrer sobre como essas táticas foram empregadas em nosso país, mas se observarmos a história recente veremos que todos os itens acima foram implementados com grande sucesso e todas as nossas riquezas (sejam estatais ou privadas) foram alienadas para grandes grupos estrangeiros. Não é mera coincidência que o presidente que promoveu essa liquidação do patrimônio nacional seja o mesmo que deseja o desarmamento da população. 

O momento atual é de consolidar essas conquistas. O único grande grupo nacionalista que restou no país são as forças armadas e suas auxiliares. É importante, portanto, mantê-los fracos e sob constante ataque. Assim reduzem-se as verbas, o armamento, os salários e qualquer forma de estímulo a carreira militar. Daí a campanha de torná-las forças policiais; Daí a campanha para desacreditá-las - assim como as polícias – principalmente a Polícia Militar; Daí a reabertura de processos arquivados há muito tempo, etc. Notaram o que está acontecendo nesse momento com a Brigada Militar do Rio Grande do Sul? 

Se isso não for suficiente, estimula-se a formação de grupos guerrilheiros locais, tal como estamos vendo no México, Peru, e Colômbia, de forma a dar uma "ocupação" aos militares e impedí-los de pensar nos outros tipos de saques que estão acontecendo no país. Outra vantagem dessa tática é que, se tiver sucesso, pode colocar o país de joelhos e forçá-lo a pedir uma “ajuda” militar internacional (tal como estamos vendo acontecer na Colômbia) - excelente forma de colocar tropas estrangeiras dentro do país sem oposição. 

É preciso também fazer mudanças políticas de forma a reduzir a possibilidade de um presidente nacionalista assumir o poder. É imperioso reduzir os poderes do presidente e por isso vemos (novamente) a campanha pró-parlamentarismo em ação. 

Como dissemos, a forma preferencial de impor as idéias anti-nacionais é através do fomento de pessoas e instituições que comungam com os interesses alienígenas. O papel das Organizações Não Governamentais (ONGs) é importantíssimo nesse aspecto. São elas que, aproveitando-se da boa fé de algumas pessoas, divulgam e implementam as políticas anti-nacionais e enfraquecem o papel das instituições do estado. Notaram como elas estão sempre contra militares e policiais? Notaram que direitos humanos são só para os bandidos e não para os policiais e suas famílias (ou mesmo para as vítimas)? Notaram como não falta dinheiro para suas atividades? 

Segundo a revista Veja de 09/fev/94, existem (existiam, na época) 5000 ONGs atuando no Brasil, com orçamento anual de 700 milhões de dólares, dos quais 80% provêm de doações do exterior. Nelas trabalham cerca de 80 mil profissionais, dos quais 60 mil em tempo integral e a maioria possui curso superior. Não é interessante vermos como esses grupos estrangeiros são bonzinhos e estão preocupados com nossos problemas? 

No caso do desarmamento brasileiro, a ONG intitulada Viva Rio ocupa papel de destaque. O Viva Rio surgiu em 17 de novembro de 1993, alguns dias depois do seminário internacional intitulado “Cidadania Participativa, Responsabilidade Social e Cultural em um Brasil Democrático” onde o maior destaque foi a presença do banqueiro David Rockefeller, ex-presidente do Chase Manhattan Bank, proferindo o discurso inaugural. É curioso notar que o banqueiro, hoje filantropo, foi um dos principais responsáveis pela implantação da política neo-liberal causadora da proletarização da classe média e do agravamento da concentração de renda brasileira. Por coincidência, estava presente no seminário o então chanceler Fernando Henrique Cardoso. 

O Viva Rio integra a rede mundial de ONGs anti-armas chamada IANSA – (International Action Network of Small Arms). Os objetivos e estratégias da IANSA estão relacionados em suas diretrizes: 

Algumas diretrizes da IANSA 

1 – Reduzir a disponibilidade de armas para civis em todas as sociedades;
2 – Estabelecer regulamentações, treinamento e supervisão para assegurar o compromisso com padrões internacionais de direitos humanos por instituições estatais, forças armadas irregulares e cidadãos, no uso de armas leves;
3 – Promoção de programas para incentivar os cidadãos a entregar armas de fogo ilegais, inseguras ou indesejáveis;
4 – Relatórios regulares ao Registro de Armas Convencionais da ONU e apoio à extensão de sua abrangência para incluir algumas categorias de armas leves;
5 – Reforçar o papel da sociedade civil no monitoramento de transferências e do uso de armas leves nas esferas nacional, regional e internacional;
6 – Acompanhamento e monitoramento de transferências e movimentações de armas leves;
7 – Estabelecer sistemas políticos e legais para assegurar um efetivo controle e monitoramento civil das forças militares, polícias e outras instituições de aplicação da lei;
8 – Reduzir os gastos militares ao nível mais baixo possível;
9 – Desenvolver campanhas locais, nacionais e regionais de educação e percepção públicas, destinadas a deslegitimizar a posse de armas como parte de um processo de construção de confiança em instituições de segurança pública imparciais;
10 – Apoiar ONGs e o estabelecimento de capacidade comunitária, particularmente em regiões e localidades onde o uso de armas e a violência sejam mais problemáticos e as ONGs tenham poucos recursos, de modo a facilitar que elas possam desempenhar um papel pleno na IANSA;
11 – Assegurar que as campanhas, a mídia e o trabalho político mantenham o vínculo humano sempre que possível, por exemplo, “dando um rosto às vítimas”;
12 – Engajar, quando apropriado, o apoio de figuras públicas respeitadas e populares para transmitir mensagens de campanha para a mídia e o público;
13 – Estigmatizar ações de atores estatais e não estatais percebidos como contribuintes para o problema das armas leves e desenvolver estratégias para incentivar mudanças positivas e de acordo com os padrões internacionais. 

O item número 4 revela-nos que as ONGs querem um registro universal das armas de fogo no âmbito da ONU, o que faz parte da política de governo mundial desta entidade.

Vejam os itens 5 e 6 - por eles percebemos porque o Viva Rio está tão interessado em assumir o controle dos arquivos da Polícia Civil do Rio de Janeiro e do SINARM da Polícia Federal. Eles querem substituir Exército e Polícias no controle das armas civis.

Os itens 2 e 7 mostram claramente a intenção de controlar as Forças Armadas e as Polícias.

O item 8 confirma o que já dissemos quanto ao enfraquecimento das Forças Armadas.

Os itens 9 e 13 mostram-nos porque a Sra. Elizabeth Sussekind, do Viva Rio, nomeada Secretária Nacional de Justiça pelo ministro José Carlos Dias, defende a divulgação na Internet do número das armas e da lista de seus revendedores.

Finalmente, lendo os itens 11, 12 e 13, percebe-se de onde vem a “inspiração” para as campanhas anti-armas do Viva Rio, do SBT e das organizações Globo. 

Mas o desarmamento é mais que mera providência contra-revolucionária. A arma é um ícone da independência do cidadão diante do estado e o esteio da propriedade privada. É por isso que vemos alguns políticos "de esquerda" apoiando o desarmamento. O cidadão armado é insubmisso. Assim como ele está disposto a confrontar um bandido, ele também se dispõe a enfrentar a tirania. É por isso que, para a implantação do chamado “controle social” da população, é imperioso desarmar os cidadãos. 

Colega proprietário de arma:

Não é preciso se envergonhar de ter arma. É seu direito como cidadão e sua obrigação como patriota. A defesa própria é um direito e a arma de fogo seu instrumento. Não abra mão deste direito. Como disse Jean Jaques Rousseau, “Direito tirado nunca mais retorna”.

Filie-se à Associação Nacional dos Proprietários e Comerciantes de Armas - ANPCA.

É com seu esforço que contamos.

Espetáculo

"O espectáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma parte da sociedade, e como instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, ele é expressamente o sector que concentra todo o olhar e toda a consciência. Pelo próprio facto de este sector ser separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; e a unificação que realiza não é outra coisa senão uma linguagem oficial da separação generalizada."
(Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo)

29/05/2011

Karlheinz Weißman - Anarquismo de Direita

por Karlheinz Weißman

O conceito de anarquismo de direita parece paradoxal, e verdadeiramente um oxímoro, partindo-se da suposição de que todos os pontos-de-vista "direitistas" incluem uma valoração particularmente elevada do princípio da ordem... Em verdade o anarquismo de direita ocorre apenas em circunstâncias excepcionais, quando a até então velada afinidade entre anarquismo e conservadorismo pode tornar-se aparente.

Ernst Jünger caracterizou essa conexão peculiar em seu livro Der Weltstaat (1960): "O anarquista em sua forma mais pura é aquele, cuja memória recua o mais longe: até tempos pré-históricos, até mesmo pré-míticos; e que acredita, que o homem àquele tempo preenchia seu verdadeiro propósito... Nesse sentido o anarquista é conservador-primitivo, que traça a saúde e a doença da sociedade até suas raízes." Jünger posteriormente chamou esse tipo de "prussiano"... ou "conservador anarquista", o "Anarca" e referiu sua própria desenvoltura como consistente com isso: um distanciamento extremo, que nutre a si mesmo e arrisca a si mesmo em situações limítrofes, mas que encontra-se apenas em uma relação de observação frente ao mundo, na medida em que todas as instâncias de ordem autêntica estão dissolvendo-se e uma "construção orgânica" ainda não é, ou não mais é, possível.

Ainda que o próprio Jünger tenha sido imediatamente influenciado pela leitura de Max Stirner, a afinidade de tal padrão de pensamento com o dandyismo é particularmente clara. No dandy, a cultura de decadência do fim do século XIX expressa um caráter, que por um lado era niilista e entediado, e por outro lado oferecia o culto do heróico e do vitalismo como uma alternativa aos ideais progressivos.

A recusa das hierarquicas éticas atuais, e prontidão de ser "inadequado, no sentido mais profundo da palavra, de viver" (Flaubert), revela os pontos comuns do dandy com o anarquismo; sua frieza emocional estudada, seu orgulho, e sua apreciação pela boa moda e boas maneiras, bem como sua afirmação de constituir "um novo tipo de aristocracia" (Charles Baudelaire), representam a proximidade do dandy com a direita política. A isso adicione-se a tendência dos dandys politicamente inclinados a declararem parcialidade em relação à Revolução Conservadora ou seus predecessores, como por exemplo Maurice Barrès na França, Gabrielle D'Annunzio na Itália, Stefan George ou Arthur Moeller van den Bruck na Alemanha. O autor japonês Yukio Mishima pertence as seguidores tardios dessa tendência.

Além dessa tradição de anarquismo de direita, existiu outra tendência mais velha e completamente independente, conectada com circunstâncias especificamente francesas. Aqui, ao fim do século XVIII, nos estágios posteriores do Ancien Régime, formou-se um anarchisme de droite, cujos protagonistas clamavam para si mesmos uma posição "além do bem e do mal", uma vontade de viver "como os deuses", e que não reconheciam nenhum valor moral além da honra pessoal e a coragem. A visão-de-mundo desses libertinos estava intimamente ligada com um ateísmo agressivo e uma filosofia pessimista da história. Homens como Brantôme, Montluc, Béroalde de Verville, e Vauquelin de La Fresnaye tinha o absolutismo como uma mercadoria que infelizmente opunha-se aos princípios do velho sistema feudal, e que apenas servia aos desejos do povo por assistencialismo. Atitudes, que no século XIX seriam novamente encontradas com Arthur de Gobineau e Léon Bloy, e também no século XX com Georges Bernanos, Henry de Montherlant e Louis-Ferdinand Céline. Essa posição também apareceu em uma versão especificamente "tradicionalista" com Julius Evola, cujo pensamento girava ao redor do "indivíduo absoluto".

Em qualquer forma que o anarquismo de direita apareça, ele é sempre impulsionado por um sentimento de decadência, por um desgosto frente a era das massas e frente ao conformismo intelectual. A relação com a política não é uniforme; porém, não raro o distanciamento transforma-se em ativismo. Qualquer unidade mais próxima é negada de pronto pelo individualismo altamente desejado pelos anarquistas de direita. Nota bene, o termo é às vezes usados por homens - por exemplo George Orwell (anarquista Tory) ou Philippe Ariès - que não exibem sinais relevantes de uma ideologia anarquista de direita; enquanto outros, que objetivamente exibem esses critérios - por exemplo Nicolás Gómez Dávila ou Günter Maschke - não fazem uso desse conceito.

Robert Steuckers - Sobre a Revolução Conservadora

por Robert Steuckers


Quando o termo Revolução Conservadora é usado na Europa é sobretudo no sentido que lhe deu Armin Mohler no seu famoso livro Die Konservative Revolution in Deutschland 1918-1932. Mohler apresentou uma longa lista de autores que rejeitaram os pseudo-valores de 1789 (desprezados por Edmund Burke como meros blue prints), exaltaram o papel do «germanismo» na evolução do pensamento europeu e recolheram a influência de Nietzsche. Mohler evitou, por exemplo, conservadores puramente religiosos, fossem católicos ou protestantes. Para Mohler a marca essencial da «Revolução Conservadora» era uma visão não linear da História. Mas ele não toma simplesmente a visão cíclica do tradicionalismo. Depois de Nietzsche, Mohler acredita numa concepção esférica da História. O que significa isto? Isto significa que a História não é simplesmente uma repetição dos mesmos padrões com intervalos regulares nem um caminho reto que conduza à bem-aventurança, ao fim da História, ao paraíso na terra, à felicidade, etc., mas que se assemelha a uma esfera que pode girar (ou ser empurrada) em todas as direções, de acordo com os impulsos que receba de fortes personalidades carismáticas. Tais personalidades carismáticas dirigem o curso da História através de algumas vias muito particulares, vias que não estão previamente fixadas pela mão da providência. Neste sentido, Mohler nunca acreditou em doutrinas políticas universalistas mas sempre em tendências particulares e pessoais. Tal como Jünger, queria lutar contra tudo o que fosse «geral» e apoiar tudo o que fosse particular. Mais, Mohler expressou a sua visão das dinâmicas particulares usando o algo invulgar termo nominalismo. Para ele, nominalismo era a expressão que melhor indicaria como as personalidades fortes seriam capazes de abrir novas e originais vias para si e seus seguidores na floresta da existência.

As principais figuras do movimento foram Spengler, Moeller van den Bruck e Ernst Jünger (e o seu irmão, Friedrich-Georg). Podemos acrescentar a este triunvirato os nomes de Ludwig Klages e Ernst Niekisch. Carl Schmitt, como advogado católico e constitucionalista, representa outro aspecto importante da chamada Revolução conservadora.

Spengler ficará como o autor de um brilhante fresco das civilizações mundiais que inspirou o filósofo britânico Arnold Toynbee. Spengler falou da Europa como civilização fáustica, melhor representada nas catedrais góticas, a intersecção da luz e das cores dos vidrais, as tormentas de neve com nuvens brancas e cinzentas de muitas pinturas holandesas, inglesas e alemãs. Esta civilização é uma aspiração da alma humana face à luz e ao autocompromisso. Outra importante ideia de Spengler é o conceito de pseudo-morfose: Uma civilização nunca desaparece completamente depois de uma decadência ou uma conquista violenta. Os seus elementos passam à nova civilização que lhe sucede e formatam-na em direção a caminhos originais. 

Moeller van den Bruck foi o primeiro tradutor alemão de Dostoievski. Deixou-se influenciar profundamente pelo diário de Dostoievski, que continha severas críticas ao Ocidente. No contexto alemão, depois de 1918, Moeller van den Bruck advogava, com base nos argumentos de Dostoievski, uma aliança russo-germânica contra o Ocidente. Como podiam os respeitáveis cavalheiros alemães, com uma imensa cultura artística, mostrar-se a favor de uma aliança com os bolcheviques? Os seus argumentos foram os seguintes: durante toda a tradição diplomática do século XIX a Rússia foi considerada o escudo da reação contra todas as repercussões da Revolução Francesa e contra a mentalidade e modos revolucionários. Dostoievski, enquanto antigo revolucionário russo que mais tarde admitiria que a sua opção revolucionária fora um erro, considerava mais ou menos que a missão da Rússia no mundo era apagar na Europa o rasto das ideias de 1789.Para Moeller van den Bruck a revolução de Outubro de 1917 foi apenas um câmbio de vestes ideológicas: A Rússia continuava a ser, apesar do discurso bolchevique, o antídoto à mentalidade liberal do Ocidente. Derrotada, a Alemanha deveria aliar-se a esta força antirevolucionária para se opor ao Ocidente, que aos olhos de van den Bruck, é a encarnação do liberalismo. O liberalismo, expressa Moeller van den Bruck, é sempre a doença terminal dos povos. Após algumas décadas de liberalismo um povo entrará inexoravelmente numa fase de decadência final.

O caminho seguido por Ernst Jünger é sobejamente conhecido. Começou como um ardente e galante jovem soldado na primeira guerra mundial, saindo das trincheiras sem qualquer pistola, apenas com uma granada de mão, manejada com a mesma elegância com que um típico oficial britânico usava a chibata. Para Jünger, a primeira guerra mundial foi o fim do pequeno mundo burguês do século XIX e da «Belle Époque», onde toda a gente era como devia ser, isto é, comportando-se de acordo com normas estabelecidas por professores ou sacerdotes, exatamente como hoje temos de nos comportar de acordo com as autoproclamadas regras da correção política. Debaixo das tempestades de aço o soldado podia afirmar a sua insignificância, o seu mero ser biológico, mas esta afirmação não podia, a seu ver, levar a um pessimismo inepto, ao medo e desespero. Havendo experimentado o mais cruel dos destinos nas trincheiras, debaixo do bombardeamento de milhares de armas de artilharia que sacudiam a terra, vendo tudo reduzido ao elementar, o soldado de infantaria conheceu melhor que outros o atroz destino humano sobre a face da terra. Toda a artificialidade da vida civilizada urbana surgiu de repente como pura impostura. No pós guerra, Ernst Jünger e o seu irmão Friedrich-Georg, tornam-se os melhores escritores e jornalistas nacional-revolucionários. Ernst evoluiu para uma espécie de cínico, irónico e sereno observador da humanidade e dos factos da vida. Durante um bombardeamento sobre um subúrbio parisiense, onde as fábricas estavam a produzir material de guerra para o exército alemão, na segunda guerra mundial, Jünger ficou aterrorizado com a anormal rota aérea, reta, tomada pelas forças norte-americanas. A linearidade das rotas aéreas sobre Paris era a negação de todas as curvas e sinuosidades da vida orgânica. A guerra moderna implicou a destruição dos ondulantes e serpenteantes traços do orgânico. Ernst Jünger começou a sua carreira como escritor fazendo a apologia da guerra. Depois de haver observado os irresistíveis assaltos dos B-17 americanos ficou totalmente enojado pela falta de nobreza da forma puramente técnica de conduzir uma guerra. Depois da segunda guerra mundial, o seu irmão, Friedrich-Georg, escreveu o primeiro trabalho teórico que levaria ao desenvolvimento do novo pensamento alemão crítico e ecologista, «Die Perfektion der Technik» (A Perfeição da Técnica). A ideia principal deste livro, em meu entender, é a crítica da conexão. O mundo moderno é um processo de intenções de conexão das comunidades humanas e dos indivíduos a grandes estruturas. Este processo de conexão destrói o princípio da liberdade. És um pobre operário acorrentado se estás conectado a uma grande estrutura, ainda que ganhes 3000 libras por mês, ou mais. És um homem livre quando estás completamente desconectado desses enormes tacões de aço. Em certo sentido Friedrich-Georg escreveu a teoria que Kerouac experimentou de forma não teórica escolhendo largar tudo e viajar, convertendo-se num cantante vagabundo.

Ludwig Klages foi outro filósofo da vida orgânica contra o pensamento abstrato. Para ele a principal dicotomia era entre Vida e Espírito (Leben und Geist). A vida é esmagada pelo espírito abstrato. Klages nasceu no norte alemão mas migrou enquanto estudante para Munique, onde passou o seu tempo livre nos pubs de Schwabing, local onde artistas e poetas se encontravam (ainda hoje). Tornou-se amigo do poeta Stefan Georg e um estudante da figura mais original de Schwabing, o filósofo Alfred Schuler, que acreditava ser a reencarnação de um antigo colono romano nas terras do Reno. Schuler tinha um genuíno sentido teatral. Disfarçava-se com a toga de um imperador romano, admirava Nero e montava peças evocativas do antigo mundo grego ou romano. Mas para além da sua faceta fantasiosa, Schuler adquiriu uma importância cardinal na filosofia desenvolvendo, por exemplo, a ideia de «Entlichtung», ou seja, o gradual desaparecimento da Luz desde o tempo das antigas cidades-estados da Grécia ou Roma. Não há progresso na História: Pelo contrário, a Luz está a desaparecer como a liberdade do cidadão para definir o seu próprio destino. Hanna Arendt e Walter Benjamin, na esquerda e no campo conservador-liberal, foram inspirados por esta ideia e adaptaram-na para audiências diferentes. O mundo moderno é o mundo da completa escuridão, com pouca esperança de encontrar períodos «iluminados» novamente, exceto se personalidades carismáticas, como Nero para Schuler, dedicadas à arte e a um estilo de vida dionisíaco, marcassem uma nova era de esplendor que duraria apenas o tempo abençoado de uma primavera. Klages desenvolveu as ideias de Schuler, que nunca escreveu um livro completo, depois da morte deste em 1923 devido a uma cirurgia mal conduzida. Klages, pouco antes da primeira guerra mundial, pronunciou um famoso discurso na colina Horer Meissner, na Alemanha Central, para os movimentos da juventude (Wandervogel). Este discurso teve o título de «Homem e Terra» e pode ser visto como o primeiro manifesto orgânico de ecologia, com uma clara e compreensível, mas sólida, base filosófica.

Carl Schmitt começou a sua carreira como professor de direito em 1912 e viveu até à respeitosa idade de 97 anos. Escreveu o seu último ensaio aos 91.Não posso enumerar todos os pontos importantes do trabalho de Carl Schmitt neste espaço. Resumamos dizendo que Schmitt desenvolveu duas ideias principais, a de decisão na vida política e a de «Grande Espaço». A arte de moldar a política em geral ou uma boa política em particular está na decisão, não na discussão. O líder tem de decidir para liderar, proteger e desenvolver a comunidade política de que está à frente. A decisão não é ditadura como diriam hoje em dia muitos liberais na nossa era do «politicamente correcto». Pelo contrário, uma personalização do poder é mais democrática, no sentido que um rei, um imperador ou um líder carismático é sempre um mortal. O sistema que ele eventualmente imponha não é eterno, já que ele está condenado a morrer como qualquer ser humano. Um sistema monocrático, ao invés, procura eternizar-se, mesmo se os acontecimentos correntes e inovações contradizem as suas normas ou princípios. O segundo grande tópico no trabalho de Schmitt é a ideia de Grande Espaço Europeu (Grossraum). As forças externas devem ser impedidas de interferir nesse Grande Espaço.Schmitt queria aplicar à Europa o mesmo princípio simples que animava o presidente norte-americano Monroe. A América aos americanos. Ok, dizia Schmitt, mas apliquemos a ideia de Europa aos europeus. Schmitt pode ser comparado aos «continentalistas» americanos, que criticaram a intervenção de Roosevelt na Europa e na Ásia. Os latino-americanos também desenvolveram similares ideias continentalistas, tal como os imperialistas japoneses. Schmitt deu a esta ideia de Grossraum uma forte base jurídica.

Niekisch é uma figura fascinante no sentido em que começou a sua carreira como líder comunista no «Conselho da República da Baviera» de 1918-19, que foi destruído pelos Freikorps de von Epp, von Lettow-Vorbeck, etc. Obviamente Niekisch ficou desapontado pela ausência de uma visão histórica entre o trio bolchevique na Munique revolucionária (Lewin, Leviné, Axelrod). Niekisch desenvolveu uma visão euroasiática, baseada na aliança entre a União Soviética, a Alemanha, a China e a Índia. A figura ideal que deveria ser o motor humano desta aliança seria o camponês, adversário da burguesia ocidental. Um certo paralelo com Mao Tse-Tung surge aqui evidente. Nos jornais que Niekisch editou descobrimos todas as tentativas alemãs de apoiar movimentos anti-britânicos ou anti-franceses nos impérios coloniais ou na Europa (Irlanda contra a Inglaterra, Flandres contra uma Bélgica francófona, nacionalistas hindus contra o Reino Unido, etc.).

28/05/2011

Anamnese

"Nos preocuparemos pouco em discutir e demonstrar. As verdades que permitem compreender o mundo tradicional não são das que se 'aprendem' ou 'discutem'. São ou não são. Somente pode-se recordá-las e isso produz-se quando o indivíduo liberta-se dos obstáculos e preconceitos que representam as diversas construções humanas (e em primeiro lugar os resultados e os métodos dos 'investigadores' autorizados) e quando se há suscitado a capacidade de ver desde este ponto de vista não-humano que é o ponto de vista tradicional."
(Julius Evola)


27/05/2011

Navio de Tolos

por Theodore Kaczynski

Era uma vez, um capitão e os imediatos de um navio que ficaram tão vaidosos de sua marinheiraria, tão cheios de insolência e tão impressionados com eles mesmos, que eles enlouqueceram. Eles viraram o navio para o norte e velejaram até eles encontrarem com icebergs e campos de gelo, e eles continuaram a velejar para o norte para águas mais e mais perigosas, somente para dar-lhes oportunidades para realizarem façanhas cada-vez-mais-brilhantes de marinheiraria.

À medida que o navio alcançava latitudes cada vez mais altas, os passageiros e a tripulação ficaram cada vez mais desconfortáveis. Eles começaram a terem disputas entre eles e a se queixarem das condições em que viviam.


"Meus ossos tremem", disse um marinheiro hábil, "se essa não é a pior viagem que eu já estive. O convés está escorregadio com gelo; quando eu estou de vigia o vento corta pela minha jaqueta como uma faca; toda vez que eu enrolo as velas eu quase congelo meus dedos; e tudo que eu ganho com isso são miseráveis cinco xelins por mês!"


"Você acha que está mal!" disse uma dama passageira. "Eu não consigo dormir à noite por causa do frio. As damas nesse navio não têm a mesma quantia de cobertores do que os homens. Não é justo!"


Um marinheiro mexicano soou junto: "¡Chingado! Eu só estou ganhando a metade do salário dos Anglo marinheiros. Nós precisamos de bastante comida para nos mantermos quentes nesse clima, e eu não estou ganhando a minha parte; os Anglos ganham mais. E o pior de tudo é que os imediatos sempre me dão ordens em Inglês ao invés de em Espanhol."


"Eu tenho mais razão para reclamar do que todos," disse um marinheiro Índio Americano. "Se os cara-pálida não tivessem me roubado de minhas terras ancestrais, eu nem estaria nesse navio, aqui entre icebergs e ventos árticos. Eu só estaria remando em uma canoa em um lago agradável e plácido. Eu mereço compensação. No mínimo, o capitão deveria permitir que eu organizasse um jogo de dados para que eu pudesse ganhar algum dinheiro."


O contramestre falou: "Ontem o primeiro imediato me chamou de "fruta" só porque eu chupo paus. Eu tenho direito chupar paus sem ser chamado de nomes por isso!"


"Não são apenas os humanos que são maltratados nesse navio," exclamou um amante de animais entre os passageiros, sua voz tremendo de indignação. "Ora, semana passada eu vi o segundo imediato chutar o cachorro que vive no navio duas vezes!"
 

Um dos passageiros era um professor universitário. Apertando suas mãos ele exclamou,


"Isso tudo é terrível! É imoral! É racismo, sexismo, especismo, homofobia, e exploração da classe trabalhadora! É discriminação! Nós temos que ter justiça social: Salários iguais para o marinheiro Mexicano, maiores salários para todos os marinheiros, compensação para o Índio, cobertores iguais para as damas, um direito garantido para chupar paus, e não mais chutar o cachorro!"


"Sim, sim!" gritaram os passageiros. "Ai-ai!" gritou a tripulação. "É discriminação! Nós temos que exigir nossos direitos!"


O camaroteiro limpou sua garganta.


"Ha-ham. Todos vocês têm boas razões para se queixar. Mas me parece que o que nós realmente precisamos fazer é virar esse navio e rumar de volta para o sul, porque se nós continuarmos indo para o norte nós com certeza iremos cedo ou tarde naufragar, e então seus salários, seus cobertores, e seu direito de chupar paus não vão te adiantar nada, porque nós todos iremos afogar."


Mas ninguém prestou atenção nele, porque ele era apenas o camaroteiro.


O capitão e os imediatos, de seus postos na popa, estavam observando e ouvindo. Agora eles sorriam e piscavam-se entre si, e com um gesto do capitão o terceiro imediato desceu da popa, passeou para onde os passageiros e a tripulação estavam reunidos, e abriu caminho entre eles. Ele fez uma expressão muito séria em sua face e disse exatamente assim:


"Nós oficiais temos que admitir que algumas coisas realmente indesculpáveis têm acontecido nesse navio. Nós não havíamos percebido o quão ruim a situação estava até ouvirmos suas queixas. Nós somos homens de boa vontade e queremos fazer o certo para vocês. Mas - bem - o capitão é um tanto conservador e tem seus modos, e talvez tenha que ser cutucado um pouco antes dele fazer quaisquer mudanças substanciais. Minha opinião pessoal é que se vocês protestarem vigorosamente - mas sempre pacificamente e sem violar quaisquer das regras do navio - vocês irão tirar o capitão da inércia e forçá-lo a ele dar atenção aos problemas dos quais vocês se queixam tão justamente."


Tendo dito isso, o terceiro imediato dirigiu-se de volta para a popa. Enquanto ele ia, os passageiros e a tripulação gritaram para ele, "Moderado! Reformista! Bom-liberal! Bobo do capitão!" Mas contudo eles fizeram como ele disse. Eles se reuniram em um grupo ante a popa, gritaram insultos aos oficiais, e exigiram seus direitos: "Eu quero maiores salários e melhores condições de trabalho," clamou o marinheiro hábil. "Cobertores iguais para as mulheres," clamou a dama passageira. "Eu quero receber minhas ordens em Espanhol," clamou o marinheiro Mexicano. "Eu quero o direito de organizar um jogo de dados," clamou o marinheiro Índio. "Eu não quero ser chamado de fruta," clamou o contramestre. "Sem mais chutar o cachorro," clamou o amante de animais. "Revolução agora," clamou o professor.
 

O capitão e os imediatos se amontoaram e deliberaram por vários minutos, piscando, concordando com a cabeça e sorrindo uns aos outros enquanto isso. Então o capitão deu um passo à frente da popa e, com uma grande demonstração de benevolência, anunciou que o salário do marinheiro hábil seria aumentado para seis xelins por mês; o salário do marinheiro Mexicano seria aumentado para dois-terços dos salários dos Anglo marinheiros, e a ordem para enrolar as velas seria dada em Espanhol; as damas passageiras iriam receber um cobertor a mais; o marinheiro Índio seria permitido de organizar um jogo de dados nos Sábados à noite; o contramestre não seria chamado de fruta contanto que ele mantivesse a sua chupação de pau estritamente privada; e o cachorro não seria chutado a menos que ele fizesse algo realmente malcriado, como roubar comida da cozinha do navio.


Os passageiros e a tripulação celebraram essas concessões como uma grande vitória, mas na manhã seguinte, eles estavam novamente se sentindo insatisfeitos.


"Seis xelins por mês é uma ninharia, e eu ainda congelo meus dedos quando enrolo as velas," resmungou o marinheiro hábil. "Eu ainda não estou ganhando os mesmos salários dos Anglos, ou comida suficiente para esse clima," disse o marinheiro Mexicano. "Nós mulheres ainda não temos cobertores suficientes para nos manterem aquecidas," disse a dama passageira. Os outros tripulantes e passageiros exprimiram queixas similares, e o professor os encorajou.


Quando eles terminaram, o camaroteiro falou - mais alto dessa vez para que os outros não pudessem ignorá-lo facilmente:


"É realmente terrível que o cachorro seja chutado por roubar um pedaço de pão da cozinha do navio, e que as mulheres não tenham cobertores iguais, e que o marinheiro hábil tenha seus dedos congelados; e eu não vejo porque o contramestre não deva chupar paus se ele quiser. Mas olhem quão densos os icebergs estão agora, e como o vento sopra cada vez mais severo! Nós temos que virar esse navio de volta para o sul, porque se nós continuarmos indo para o norte nós iremos nos naufragar e afogar."


"Oh, sim," disse o contramestre, "É realmente horrível que nós continuemos rumando ao norte. Mas porque eu tenho que continuar chupando paus no armário? Porque eu tenho que ser chamado de fruta? Eu não sou bom como todos os outros?"


"Velejar ao norte é terrível," disse a dama passageira. "Mas você não vê? É exatamente por isso que as mulheres precisam de mais cobertores para mantê-las aquecidas. Eu exijo cobertores iguais para as mulheres agora!"


"É realmente verdade," disse o professor, "que velejar para o norte impõe grandes apuros em todos nos. Mas mudar o rumo em direção ao sul seria irrealístico. Você não pode voltar o relógio. Nós devemos encontrar um modo maduro de lidar com a situação."


"Olhem," disse o camaroteiro, "Se nós deixarmos esses quatro loucos lá na popa fazerem como querem, nós todos nos afogaremos. Se nós conseguirmos retirar esse navio do perigo, então nós poderemos nos preocupar com as condições de trabalho, cobertores para mulheres, e o direito de chupar paus. Mas primeiro nós temos que virar essa embarcação para o outro lado. Se alguns de nós nos juntarmos, fizermos um plano, e demonstrarmos alguma coragem, nós podemos nos salvar. Não seria preciso muitos de nós - seis ou oito dariam. Nós poderíamos atacar a popa, atirar aqueles lunáticos ao mar, e virar o navio para o sul."
 


O professor elevou seu nariz e disse austeramente, "Eu não acredito em violência. É imoral."


"Não é ético usar violência jamais," disse o contramestre.


"Eu tenho pavor de violência," disse a dama passageira.


O capitão e os imediatos estavam observando e ouvindo durante tudo aquilo. A um sinal do capitão, o terceiro imediato desceu para o convés principal. Ele passou pelos passageiros e a tripulação, dizendo que ainda haviam muitos problemas no navio.


"Nós fizemos muito progresso," disse ele, "Mas resta muito ainda a ser feito. As condições de trabalho para o marinheiro hábil ainda são duras, o Mexicano ainda não está ganhando os mesmos salários dos Anglos, as mulheres ainda não têm o mesmo tanto de cobertores que os homens, o jogo de dados aos Sábados à noite do Índio é uma compensação insignificante por suas terras perdidas, é injusto para o contramestre que ele tenha que manter sua chupação de pau no armário, e o cachorro ainda é chutado às vezes."


"Eu acho que o capitão precisa ser cutucado novamente. Iria ajudar se vocês todos fizessem outro protesto - contanto que ele permaneça não-violento."


Enquanto o terceiro imediato caminhava de volta à popa, os passageiros e a tripulação gritaram insultos para ele, mas eles mesmo assim fizeram o que ele disse e se reuniram à frente do convés da popa para outro protesto. Eles discursaram e se enfureceram e brandiram seus punhos, e eles até mesmo atiraram um ovo podre no capitão (que ele se esquivou habilmente).


Após ouvir as queixas, o capitão e os imediatos se amontoaram para uma conferência, durante a qual eles piscaram e ficaram amplamente risonhos entre eles. Então o capitão deu um passo à frete do convés da popa e anunciou que seria dado luvas ao marinheiro hábil para manter seus dedos aquecidos, o marinheiro Mexicano iria receber salários iguais a três-quartos dos salários de um Anglo marinheiro, as mulheres iriam receber mais um cobertor, o marinheiro Índio iria poder organizar um jogo de dados nas noites de Sábados e Domingos, o contramestre seria permitido a chupar paus após escurecer, e ninguém poderia chutar o cachorro sem permissão especial do capitão.


Os passageiros e a tripulação estavam em êxtase sobre essa grande vitória revolucionária, mas pela manhã seguinte eles estavam novamente se sentindo insatisfeitos e começaram a resmungar sobre os mesmos velhos sofrimentos.


O camaroteiro dessa vez estava ficando furioso.


"Seus tolos malditos!" ele gritou. "Vocês não vêem o que o capitão e os imediatos estão fazendo? Eles estão mantendo vocês ocupados com suas queixas triviais sobre cobertores e salários e o cachorro sendo chutado para que vocês não pensem sobre o que realmente está errado com esse navio --- que ele está indo cada vez mais longe para o norte e nós todos iremos nos afogar. Se somente alguns poucos de vocês recuperarem a razão, se juntarem, e atacarem o convés da popa, nós poderemos virar esse navio de volta e nos salvarmos. Mas tudo o que vocês fazem é choramingar sobre questões insignificantes e triviais como condições de trabalho e jogos de dados e o direito de chupas paus."


Os passageiros e a tripulação estavam exasperados.


"Insignificantes!!" gritou o Mexicano, "Você acha que é razoável que eu ganhe somente três-quartos dos salários de um Anglo marinheiro? Isso é trivial?"


"Como você pode chamar minha queixa de trivial?" gritou o contramestre. "Você não sabe quão humilhante é ser chamado de fruta?"


"Chutar o cachorro não é uma "questão insignificante e trivial!" berrou o amante de animais. "É insensível, cruel, e brutal!"


"Tudo bem então," respondeu o camaroteiro. "Essas questões não são insignificantes e triviais. Chutar o cachorro é cruel e brutal e é humilhante se chamado de fruta. Mas em comparação com o nosso problema real - em comparação com o fato de que o navio ainda está rumando ao norte - suas queixas são insignificantes e triviais, porque se nós não virarmos esse navio logo, nós todos iremos nos afogar."


"Fascista!" disse o professor.


"Contra-revolucionário!" disse a dama passageira. E todos os passageiros e a tripulação soaram um após o outro, chamando o camaroteiro de fascista e de contra-revolucionário. Eles o afastarampra longe e voltaram a resmungar sobre salários, e sobre cobertores para mulheres, e sobre o direito de chupar paus, e sobre como o cão era tratado. O navio continuou a navegar para o norte, e após um tempo ele foi esmagado entre dois icebergs e todos morreram.

 

26/05/2011

Cai a Noite sobre o Cabo Horn


por Jean Mabire

Durante toda a nossa juventude procurámos os caminhos difíceis. Vagabundeáramos pelos pólos onde as últimas manchas brancas do mapa do mundo flutuam como icebergs sobre o azul pálido dos atlas e dos mares frios. Seguíramos os cães de trenó, no Alasca, com os heróis de Jack London e perdêramo-nos, corpos e bens, ao largo da Islândia no «Pourquoi pas?» do comandante Charcot. Vivêramos com Byrd, Nobile, Scott e Amundsen. E choráramos de raiva sobre as velhas gravuras dos nossos livros de eleição porque os grandes veleiros apodreciam nos portos e nós não dobraríamos jamais o Cabo Horn à vela.

Ao dobrarem o Cabo Horn, os marinheiros d’outrora haviam conhecido a coragem e o que está para além da coragem, a alegria e o medo ao mesmo tempo. As ondas eram tão altas e a bruma tão espessa que deixávamos mesmo de ver as falésias cobertas de neve e esses rochedos que arrombavam os navios de Hamburgo, de Liverpool e de Bordéus…Existiram, dantes, homens nestas ilhas. Eram-nos mais estranhos que os da pré-história. Tripulantes nos navios dos nossos sonhos, não prestávamos atenção senão aos nossos capitães e aos nossos marinheiros. Eram os nossos irmãos maiores, homens dos nossos litorais. Falavam flamengo, bretão ou basco, como os pescadores dos pequenos portos onde passávamos as férias.

Em 1953 senti brutalmente, folheando as páginas de «La Nuit Commence au Cap Horn», o ardor do sal, o sibilo do vento, e essa vertigem da solidão no grande silêncio branco, quando nada parece sobreviver ao interminável crepúsculo polar. É um desses livros inolvidáveis que nos introduzem, como nunca, num outro universo. E esse universo é o nosso, a milhares e milhares de quilómetros das nossas costas temperadas. Banidos das nossas ruas e das nossas praias pelos pequenos intelectuais frágeis, pelo seu vício pobre, pelo seu amor imoderado aos proletários e ao Whisky, pelo seu snobismo social, não sabíamos mais em que exílio se encontravam os verdadeiros escritores. André Malraux não fazia já falar senão o silêncio e Montherlant desaparecia. Restava-nos o escutismo literário de Brasillach e Saint-Exupéry. Por vezes seguíamos os Hussardos nas suas cavalgadas, mas não tinham o fascínio dos cavaleiros de Hedjaz e do Arizona. Para nos perdermos no desconhecido refugiávamo-nos no cinema. 



E depois houve Saint-Loup. Que Furacão! Foi primeiramente o que vi neste livro: um sopro que vinha de um outro mundo, no outro lado da Terra. E este mundo era o nosso mundo, aquele da vontade de poder e do espírito de sacrifício, aquele dos homens que escolhem a sua aventura e se dão até à morte a um herói que trazem no fundo do seu coração e que não tem outro nome que o deles mesmo. O livro de Saint-loup cortava a árvore morta da literatura como um machado. Não se tratava já de julgar este homem segundo as regras habituais da crítica. Por fim estávamos para lá da escrita, numa alvorada incerta que anunciaria o despontar de um dia assombroso. Ao ler «La Nuit Commence au Cap Hord» tínhamos a impressão de regressar à superfície, rumo à luz e ao sol, como esses mergulhadores que lentamente emergem de águas tenebrosas. Não devia ser o único a deixar-me levar por este livro. Mesmo os especialistas sentiam a respiração cortada. E é a corrida aos prémios…Francis Carco lança o livro na lista dos «Goncourt». Muito rapidamente conquista metade dos votos. Colette telefona mesmo ao director literário das Edições Plon para lhe dizer que estava ganho e que «La Nuit Commence au Cap Horn» seria o prémio Goncourt de 1953.

Mas o «Fígaro Littéraire» (e imobiliário) publica uma nota revelando que Saint-Loup não é outro senão Marc Augier, antigo animador dos albergues de juventude, chefe de redacção de «La Gerbe» de Châteaubriant, combatente voluntário na Frente Leste e condenado à morte, à revelia. Um polícia copiará o dossier do Tribunal Militar e apresentá-lo-á a Roland Dorgelès: E o prémio Goncourt é atribuído a Pierre Gascar por «Le temps des morts». Doze anos mais tarde ninguém pensa mais neste laureado de circunstância. A «Les Presses de la Cite», pelo contrário, acaba de fazer reaparecer «La Nuit Commence au Cap Horn». O livro de Saint-Loup não será certamente repescado para o Goncourt de 1965. Mas terá dezenas de milhares de leitores.

Fumando o seu cachimbo, Saint-Loup evoca esse ano de 1948 em que beneficiará do seu posto de conselheiro técnico de questões de montanhismo no exército argentino para partir à descoberta do Chile Austral: - Entre os padres salesianos de Magalhães compreendi por que as populações indígenas haviam desaparecido: Quiséramos fazê-las viver num quadro que não era o seu. Foi um verdadeiro genocídio. Os missionários que evangelizaram essas tribos quiseram transgredir a lei que faz os homens diferentes. Ele levanta-se, mostra-me as fotografias de montanhas atingidas pelo vento: - Não brincamos com a lei do paralelo 55 Sul. A verdadeira liberdade é respeitar a natureza. Querer deformar os países e os homens é o pior dos crimes. – E o teu livro? – Escrevi-o durante o Inverno de 1950-51 em Itália, em Courmayeur. Nevava quase todos os dias. Eu não havia deixado o Cabo Horn…este romance, escrito depois de tantas aventuras, é do melhor Saint-Loup. Descobrimos em cada página o homem de acção. Aviador que sobrevoou florestas e motociclista que devorou quilómetros, esquiador na Lapónia e combatente na Ucrânia, alpinista, explorador, cavaleiro. Um homem digno de uma peça, escritor, montanhista, historiador, viajante. E, com ele, nós seguimos, passo a passo e dia a dia, o pastor Duncan Mac Isaac. Há cem anos este missionário metodista tentava o impossível, pretendendo converter ao cristianismo os índios da Terra do Fogo. Ele quer negar o real, esquecendo que os homens são determinados pela sua raça antes de o serem pela sua religião. E ao querer salvar as almas ele vai destruir várias tribos. Este romance é o maior requisitório contra o colonialismo… «La Nuit Commence au Cap Horn», que descreve a agonia de uma raça, encontra-se na linha do realismo biológico mas não corresponde de todo à ideia que os «anti-racistas» fazem do racismo. Estarão em dificuldades para descobrir ali a menor «apologia do crime». Bem pelo contrário, Saint-Loup demonstra – e com que aura épica – que é o universalismo que é um crime, a religião uma miragem e que a verdadeira liberdade, para cada homem e para cada povo é, antes de tudo, o direito de ser o que são.


25/05/2011

Tecnicismo e Materialismo comunista/capitalista


Os financeiros americanos e os bolchevistas russos encontram-se juntos no combate pelo pensar econômico, isto é, no combate contra os políticos e os juristas. (...) Nenhum sistema político pode sobreviver sequer a uma geração com simples técnica e afirmação de poder. Ao político pertence a ideia, pois não há nenhuma política sem autoridade e nenhuma autoridade sem um ethos de convicção.

(Carl Schmitt, ''Catolicismo Romano e Forma Política'')

24/05/2011

Canto de Ronda e Patrulha

por Rodrigo Emílio


Às costas, levo a mochila;
ao ombro, a arma de fogo;
a tiracolo, o cantil;
o képi, sobre o sobrolho;
e, em perfeita simetria,
um bom par de carregadores
afivelados à cinta
com amor. (Com muito amor...)

Implantadinhas, a fio,
sobre o cinturão de couro,
como laranjas, cintilam
granadas verde-azeitona.

Dorme o sabre na baínha;
e, a completar a panóplia,
o metálico perfil
da clássica pistola.
(Sua forma se adivinha
pela linha de contorno
que a recorta, que a define,
que lhe molda vulto e corpo
— de objecto clandestino,
ou meramente de adorno?!... —
‘à sombra e á revelia
do cabedal que a esconde).
 
À vista, é negra retinta:
tem a aparência de um corvo
pintado a tinta-da-China,
e ao delandão sobre a coxa.

— Levo, sim, levo comigo,
cativa a bordo do coldre,
a 7,65
que lá dorme a sono solto,
como uma ave no ninho,
tão pronta a levantar vôo
ao mais pequeno ruído,
como a Walter a abrir fogo
ao menor sinal de perigo.

Porque disso é que ela gosta:
não andar senão aos tiros;
camuflar-se num bosque
p’ra jogar às escondidas
com a vida e com a morte,
com a morte e com a vida;
polvilhar, à sua volta,
tudo de pólvora e alarido;
esperar pela resposta
que lhe dê o inimigo
e, de encosta para encosta,
ouvir ladrar o gatilho.

Disso, sim, é que ela gosta
— e não de fazer turismo,
por conta cá do janota.
(Às costas, levo a mochila;
em bandoleira, a canhota).
 
Ao som de esporas, espigas
— uma após outra — despontam,
como loiras raparigas
a prestar-me guarda-de-honra.
Filmo-as no ponto-de-mira
da minha metralhadora,
perfiladas em sentido,
cada qual lá no seu posto.

Sou alferes de infantaria.
(— Estou de ronda ou ando a monte?...)
Já não sei que mais vos diga,
Senão que — mesmo de longe —
dá gosto passar revista
à guarnição do horizonte!...
 
 

Tradição e Sangue

"Não: o nosso nascimento não deve ser uma casualidade para nós! Esse nascimento é o acto que nos radica no nosso reino terrestre, o qual, com milhares de vínculos simbólicos, determina o nosso posto no mundo. Com ele convertemo-nos em membros de uma nação, por meio de uma comunidade estreita de laços nativos. E daqui vamos depois ao encontro da vida, partindo de um ponto sólido, mas prosseguindo um movimento que teve início muito antes de nós e que muito depois de nós terá o seu fim. Nós percorremos apenas um fragmento desta avenida gigantesca, neste trecho, todavia, não devemos transportar apenas uma herança inteira mas devemos estar à altura de todas as exigências do tempo."
(Ernst Jünger)


23/05/2011

Comunidade e Sociedade

por Alberto Buela

Assim como a distinção propriamente política é a oposição entre as categorias “amigo” e “inimigo” público, da mesma maneira o contraste entre “comunidade” e “sociedade” vem a ser a distinção fundamental de todo o pensamento sociológico. Seja que uns valorizem mais a categoria de “comunidade” e outros a de “sociedade”, o certo é que ninguém escapa a tal oposição e acabam enunciando-a com diferentes termos. Assim temos: sociedade aberta e sociedade fechada em Karl Popper, comunidade e sociedade em Ferdinand Tönnies, sociedade tradicional e sociedade moderna em Max Weber, solidariedade orgânica e solidariedade mecânica em Emile Durkheim, comunidade de sangue e comunidade de eleição em Martin Buber, sociedade homogénea e sociedade heterogénea em Herbert Spencer, etc. Há já uma década defendemos a esse respeito que: “O certo é que a ideia de comunidade enuncia no seu sentido original a participação dos homens que a compõem num núcleo aglutinado de valores (“bens”) que lhes são comuns. Ao passo que a sociedade enuncia antes a aceitação por parte dos seus membros de um conjunto de normas (“deveres”) que regulam a relação entre eles” (Alberto Buela, 1987). Notamos como a teoria liberal coloca, como o fez desde Kant a Rawls, a primazia do “dever e do direito” sobre o “bem”, enquanto a teoria social-comunitária desde Aristóteles a McIntyre outorga a prioridade do “bem” sobre o “direito”.

A ideia de comunidade supõe a existência de bens ou valores que são comuns ao seus membros e dado que ante os valores existem apenas duas atitudes: preferi-los ou preteri-los – não há lugar para a conduta neutra como a proposta liberal de Estado neutro –, a vinculação dos membros na comunidade é existencial.

A ideia de sociedade está vinculada à de contrato social enquanto a de comunidade à de “estado” social. A solidariedade é subjectivamente sentida pelos seus membros (Weber) enquanto na sociedade se limita ao prescrito pelas normas legais e pode, no máximo, entender-se como filantropia. A noção de sociedade está relacionada com a ideia de “humanidade civilizada e progressista” própria dos filósofos do iluminismo (Diderot, Condorcet, Montesquieu, Kant, Herder, Goethe, Schiller, Schaftesburg, etc.) enquanto o conceito de comunidade refere-se sobretudo à união orgânica e natural do homem à sua pátria.

A sociedade, na definição clássica do sociólogo Ferdinand Tönnies (1855-1939), é um círculo de indivíduos que, apesar de viverem pacificamente uns ao lado dos outros, não estão “essencialmente unidos, mas essencialmente separados” (1944). Numa palavra, a ideia de sociedade vincula-se à de capitalismo demo-liberal-burguês, onde a satisfação egoísta das necessidades do homem-indivíduo deixa de parte toda a referência ao próximo, enquanto que a categoria de comunidade vincula-se com a de sociedade pré-moderna.

Do ponto de vista filosófico foi Hegel (1770-1831) que nos brindou com a mais profunda caracterização de sociedade quando na sua Filosofia do Direito no-la descreve e logo nos mostra a sua superação pela ideia de comunidade.


A Direita Moderada e o Sistema


 por Didier Lefranc

Se o conjunto do establishment político faz prova da sua impotência para enfrentar os desafios do presente, a eficiência da «direita estabelecida» surge, ao longo do tempo, menor do que a da esquerda, que, ela ao menos, conseguiu transformar a sociedade conforme a sua ideologia (exemplo: impor a sua ideologia penal ou pedagógica) enquanto a direita permaneceu, na segunda metade do século XX, abalada pelos acontecimentos e pelas correntes ideológicas. Isso deve-se principalmente ao facto de que a direita adopta em geral um comportamento menos político que a esquerda.

Ao contrário da esquerda, que sempre procurou demarcar-se da direita (mesmo quando esta última se tornou, na realidade, apenas mítica) a «direita estabelecida» sempre procurou o compromisso com as ideias de esquerda. É o «complexo de direita» próprio dos «moderados» que remonta ao pacto político da Libertação: A direita não é tolerada senão com a condição de adoptar os valores da esquerda e de se refugiar na gestão. Caso contrário é diabolizada e reenviada para o inferno do fascismo e da colaboração (hoje em dia do «populismo»).


A «direita estabelecida» foi incapaz de sair desta prisão no último quarto do século XX, em particular porque ela não se preocupou suficientemente com as questões ideológicas. Isso conduziu-a a vários erros estratégicos:

1-Recusar o conflito de valores com a esquerda e, em consequência, não ter delineado uma estratégia de fundo, isto é, contestar a esquerda no plano das suas finalidades e não somente dos meios que ela utiliza.

Isto traduziu-se no facto de a «direita estabelecida» ter adoptado o essencial do vocabulário da esquerda, o que representa a adesão aos seus valores( exemplo: luta contra a «exclusão», contra as «discriminações», pelos «sem-papéis», etc.); a direita está assim afectada pelo mimetismo ideológico e portanto pela incapacidade estratégica. Desta forma tornou-se incapaz de toda a ruptura com o «sistema», por causa da conivência ideológica.

A direita, ademais, aliou-se à dominação dos valores mercantis, dominação à qual estamos sujeitos desde o fim do século XX. Mas o facto de se ter, em parte, ligado ao discurso neo-liberal( isto é, à ideologia do mercado e dos direitos do homem) não a conduziu minimamente à emancipação da tutela ideológica da esquerda: porque esta ideologia neo-liberal vincula-se ao mito igualitário de outra maniera (é preciso não esquecer que a ideologia do Maio de 1968 serviu de «quebra-gelo» ao neo-capitalismo deslegitimando todas as instituições que poderiam ser obstáculo ao triunfo dos valores mercantis: que é a única verdadeira revolução da segunda metade do século XX). É o que explica também que a esquerda tenha aderido ao mercado na segunda metade do século XX.


Adoptando em parte a ideologia dos proponentes do neo-capitalismo, que afirmam que a função de regulação do poder político é sempre menos eficaz que a do mercado e que o único futuro das sociedades humanas é o da abolição das fronteiras, desenvolvimento do comércio e triunfo das democracias de mercado de modelo anglo-saxónico (cf.Francis Fukuyama e o pretenso «fim da história») a direita não parou de perder a sua identidade.

De facto, o que continuamos, por comodidade, a chamar direita, nos media ou nas sondagens, tomou uma forma pouco diferenciável da esquerda, recentrada ao mesmo tempo sobre a economia de mercado. De resto, um homem político «de direita» não é hoje:

- Alguém que diz tudo e o seu contrário porque procura sempre uma aprovação da esquerda?
- Que não respeita os compromissos assumidos perante o seu eleitorado?
-Que cita sempre homens de esquerda em defesa das suas propostas?

2-Distanciar-se do povo: enquanto a base sociológica da esquerda se pulverizava à medida que reduzia o emprego industrial, a direita mostrou-se incapaz de elaborar uma estratégia de substituição. Pior, acabou por adoptar a estratégia anti-popular da esquerda, preferindo apostar numa lógica de nichos, de fracções e de minorias de opinião (ao contrário da estratégia «gaulista» de agregação): os árabes, os homossexuais, etc.

A direita instituída aliou-se claramente a esta estratégia e privou-se assim de poder apelar ao povo para superar os bloqueios do sistema. Ela encontra-se, de facto, sempre em situação de inferioridade face a uma esquerda que continua a dispor de numerosos esteios (organizações sindicais e associativas, media), mesmo se em declínio.

O establishment, primeiro à esquerda depois à direita, veio assim a desconfiar do «político» depois que se apercebeu que o povo se arriscava a votar «mal», isto é, a votar nos partidos «populistas».


Por que vota o povo mal? Porque o sistema é cada vez mais disfuncional e porque é principalmente o povo, e não o establishment, que paga o custo.

Claramente, a despolitização tornou-se um objectivo estratégico do sistema institucional; este procura promover um povo e consumidores dóceis que não se revoltem contra o sistema (o desporto de massas é uma invenção do século XX que visa o mesmo objectivo – cf. O filme «Rollerball», de Norman Jewison -: substituir a paixão política para a neutralizar; veja-se também o papel da música, o ruído mediático e a ideologia da comunicação: reduzir o espaço do silencio individual significa reduzir o espaço de reflexão que poderia ser propício à revolta).

No plano metapolítico esta estratégia viu-se instrumentalizada na ideologia da libertação individual (libertação dos costumes provocada pela ruptura cultural do Maio de 1968). Porque esta ideologia é encorajada pelo establishment: com efeito, em troca do «direito» a dar livre curso às suas pulsões individuais e hedonistas os indivíduos perdem progressivamente, na realidade, os seus poderes colectivos. Isto traduz-se nomeadamente na perda dos atributos da cidadania e da soberania.

(…) Daí também o desprezo pelo povo enquanto tal no discurso do establishment de direita como de esquerda: O desprezo do «populismo» exprime a recusa do establishment em conduzir uma política que considere o povo como uma entidade orgânica (conformemente à doutrina mercantil e ao dogma igualitário: não existem senão indivíduos e átomos sociais cambiáveis). Podemos também juntar a isso a moda do «arrependimento» e do dever de memória «das horas sombrias da nossa História» na qual o establishment parece deleitar-se: porque é sempre a nação que é julgada, nunca o establishment (que faz o papel de procurador).


É por isso que passámos do «tudo é político» dos anos 60 a uma despolitização das questões societais e inclusive a uma vontade deliberada de recusar todo o verdadeiro debate político( cf. A segunda volta das eleições presidenciais francesas de 2002: a recusa de Jacques Chirac em debater com J.-M. Le Pen; esta recusa de uma confrontação ritualizada é impolítica por natureza).

Resulta disto uma crise maior do sistema político que, por outro lado, é um factor de impotência colectiva.

Porque a impotência política permite também que o sistema fuja do confronto político transparente e se esforce por não submeter nada mais de crucial ao julgamento do povo. É o que lhe permite conduzir imperturbavelmente políticas que o povo não apoia. O sistema político não desempenha senão marginalmente o seu papel de impulsionamento, regulação e de sanção. É de resto por esta razão que o establishment político se mantém apesar do seu fracasso global; é o seu único verdadeiro sucesso duradouro: ter-se transformado numa máquina de conservação do poder mas que não o exerce ao serviço da sociedade.