07/01/2011

Gabrielle D'Annunzio

por Kerry Bolton

"Nós artistas somos apenas testemunhas assombradas de aspirações eternas, que ajudam a elevar nossa linhagem ao seu Destino."

Gabrielle D'Annunzio, combinação única de artista e guerreiro, nasceu em 1863 em uma família de comerciantes. Ele era um Renascentista por excelência. Esse Guerreiro-Bardo teria um impacto crucial sobre a ascenção do fascismo apesar de ele não ter estado sempre de acordo com a maneira pela qual ele se desenvolveu.

O garoto que em anos posteriores viria a ser fortemente influenciado por Friedrich Nietzsche demonstrava uma vontade férrea desde tenra idade. Aprendendo a nadar, ele nadava contra a corrente ou buscava as ondas maiores para descobrir seus limites. Sua carreira como poeta começou cedo. Aos 16, ele já era conhecido em Roma como um poeta promissor. Aos 19 D'Annunzio viajou à Roma, vivendo um estilo de vida boêmio, trabalhando como colunista de fofocas, e escrevendo seu primeiro romance 'Il Piacere'. Um conjunto de pequenos contos se seguiu, 'Le novelle della Pescara', celebrando o sensual e violento. Então veio seu romance 'Le Vergini Delle Rocce', que foi importante por introduzir a Itália ao ideal do Übermensch Nietzscheano.

A primeira visita de D'Annunzio à Grécia em 1895 o inspirou a escrever um épico nacional que ele esperava trouxesse a Itália ao séc.XX como uma grande nação. "Eu estava para escrever um volume de prosa poética que será um grito de guerra dos povos Latinos". 'Laus Vitae' expressava um ethos pagão, Nietzscheano, de "Desejo, Voluptuosidade. Orgulho e Instinto, a Quadriga Imperial."

À essa época, novos ideais para o século vindouro estavam emergindo, especialmente entre os jovens artistas que estavam rejeitando o liberalismo burguês do séc.XIX. 

Em resposta à burguesia ansiosa por conforto e segurança e aos políticos-comerciantes, os jovens artistas, escritores e poets demandavam nacionalismo e Império. Eles eram representados pelo 'Movimento Futurista' com seu estilo provocativo e manifestos abrasivos, e liderados pelo poeta Marinetti demandando uma rejeição do "passadismo". Eles defendiam uma nova era baseada na velocidade, dinamismo e valor marcial. D'Annunzio escreveu sua peça 'La Nave' que celebrava a cidade renascentista de Veneza e clamava por Ação com o slogan: "Armem a proa e naveguem na direção do vento."

O impacto da peça foi tão poderoso com os atores trocando socos reais e a população romana gritando seus slogans. O Rei parabenizou D'Annunzio, e a Áustria fez um protesto oficial junto ao Ministério de Relações Exteriores Italiano. D'Annunzio agora era uma das principais influências sobre a juventude italiana e os Futuristas. O clima criado pelo movimento e por ele mesmo e pelos Nacionalistas Italianos permitiu que o Primeiro-Ministro Crispi embarcasse em aventuras imperiais na África, que culminaram com o ressurgimento de um Império Italiano na África sob Mussolino várias décadas depois. D'Annunzio inspirava tanto a população em geral como os soldados italianos com seus escritos.



Apesar de não se encaixar nem na Direita, nem na Esquerda convencionais, o que também poderia ser dito do movimento nacionalista italiano emergente, D'Annunzio entrou para o Parlamento em 1899 como um conservador não-doutrinário com idéias revolucionárias. Mesmo assim, ele sentia desprezo pelo Parlamento e pelos parlamentares como "rebanho eleito".

Ele havia escrito em 'La Vergine': "Um Estado erguido com base no sufrágio popular e igualdade nos votos, não é apenas ignóbil, mas precário. O Estado deve sempre não ser mais que uma instituição para favorecer a elevação gradual de uma classe privilegiada na direção de sua forma Ideal de existências." 

Ele tomou seu assento e forçou uma nova eleição em 1900 ao cruzar o tablado e se unir à Esquerda para quebrar um impasse político. Então ele defendeu o Partido Socialista, entre cujos líderes à época estava Mussolini, apesar de continuar a discursar sobre uma "Consciência Nacional" que era contrária ao internacionalismo dos Socialistas oficiais, como de fato Mussolini também viria a fazer. Apesar de não ter sido reeleito D'Annunzio contribuiu para a formação de uma síntese intelectual, junto com os nacionalistas e futuristas que várias décadas depois transcenderia tanto a esquerda como a direita, e emergiria como o Fascismo. D'Annunzio expressou a nova síntese da política vindoura assim:"Tudo na vida depende do eternamente novo. O Homem deve ou se renovar, ou ele mesmo perecer."

D'Annunzio estava morando na França quando começou a Guerra. Ele visitou o Front, e resolveu voltar à Itália para agitar pela entrada de seu país na guerra. Como Mussolini e Marinetti, D'Annunzio viu a guerra como a oportunidade para que a Itália tomasse seu lugar como uma das grandes potências do séc.XX. D'Annunzio foi convidade para discursar perante uma multidão durante a inauguração oficial do Monumento à Garibaldi, declamando seu próprio 'Sermão da Montanha': "Benditos aqueles que, tendo ontem gritado contra esse evento, aceitarão hoje a suprema necessidade, e não quererão ser os Últimos mas os Primeiros! Benditos os jovens que, famintos por glória, serão satisfeitos! Benditos os misericordiosos, pois eles serão convocados para satisfazer um esplêndido jorrar de Sangue, e irão se trajar com maravilhosas feridas..."

A multidão estava em êxtase.

Aos 52 anos de idade e considerado um tesouro nacional, havendo reestabelecido a literatura nacional italiana, houve pressão para dissuadi-lo de se alistar no Exército, mas ele foi comissionado nos "Lanceiros de Novara", e tomou parte em mais de 50 combates. Tamanhas eram as ousadias de suas aventuras que a principal figura literaria da Itália logo se tornou seu maior herói de guerra. 



Ele sobrevoou várias vezes os Alpes em uma época em que tal feito era considerado extraordinário. Os austríacos colocaram um prêmio em sua cabeça. Ele respondeu entrando no porto de Buccari com um pequeno bando de homens seletos em um bote, disparando seus torpedos e conteineres de borracha, cada um contendo uma mensagem lírica em tinta indelével. D'Annunzio era especialmente notado por suas excursões aéres sobre as linhas inimigas lançando panfletos de propaganda. Foi durante um desses vôos que ele pela primeira vez usou o grito de guerra, "Eia! Eia! Alala!"

Dizia-se que esse era o grito usado por Aquiles para atiçar seus cavalos. Posteriormente foi adaptado pelos póprios Legionários de D'Annunzio quando eles tomaram Fiume e eventualmente pelos Fascistas. Após sérios danos a um olho, lhe foi dito para não voar novamente, mas após alguns meses ele voltou ao ar e recebeu uma medalha de prata. Ele então marchou no assalto de Castagna até o mar. Ele voltou da Guerra como herói internacional; tendo recebido uma medalha de ouro, cinco de prata, uma de bronze, e a cruz dos Oficiais da Ordem Militar de Savóia. Ele também recebeu a Cruz Militar da Grã-Bretanha com muitos outros países lhe rendendo medalhas.

Após a vitória Aliada, a Itália não recebeu as recompensas que ela havia esperado. Fiume era um ponto particular de contenção. Veneziana em cultura e história, a cidade portuária havia sido ocupada por tropas francesas, inglesas, americanas e italianas; porém o Governo Italiano preferiu entregar sua administração à Iugoslávia. Mussolini, Marinetti e D'Annunzio novamente juntaram forças para agitar pela causa comum de que a Itália deveria anexar Fiume. Jovens oficiais formaram um exército com o mote: "Fiume ou Morte!" D'Annunzio foi chamado para liderar uma expedição para recuperar a cidade para a Itália.

Ao amanhecer de 12 de Setembro de 1919, D'Annunzio marchou a frente de uma coluna de 287 veteranos. Conforme eles marchavam ao longo da Itália até Fiume, eles recrutavam soldados e conseguiam suprimentos. 

No momento em que a cidade foi alcançada ele havia reunido um exército de 1.000 homens. D'Annunzio confrontou o Comandante italiano da cidade e, apontando para suas próprias medalhas declarou, "Atire primeiro nisso." Os olhos do General Pittaluga se encheram de lágrimas e ele respondeu: "Grande Poeta! Eu não quero causar o derramamento de sangue italiano. Estou honrado em lhe encontrar pela primeira vez. Que seu Sonho possa se realizar." Os dois se abraçaram e entraram em Fiume juntos. Assim que D'Annunzio havia tomado Fiume outros de toda a Itália correram para ele, nacionalistas, anarquistas, futuristas, sindicalistas, soldados e homens das artes. "Nesse mundo vil e louco, Fiume é o símbolo da Liberdade", declarou D'Annunzio.



D'Annunzio o Homem Renascentista recriou Fiume como uma Cidade-Estado renascentista no século XX. Seria o catalisador para uma "Liga das Nações Oprimidas" para se contrapôr à Liga das Nações das potências burguesas. O Estado Livre de Fiume foi proclamado com o "Estatuto de Carnaro". Ela instituía treinamento físico para os jovens, pensões de aposentadoria, educação universal, instrução estética, e seguro desemprego. A propriedad privada era reconhecida mas sob a condição de seu "uso apropriado, contínuo e eficiente." Corporações e Guildas à maneira medieval foram estabelecidas para representar trabalhadores e produtores, substituindo os velhos partidos políticos. Tanto a liberdade de religião como o ateísmo foram protegidos. Um "Colégio de Ediles" foi eleito com discernimento entre homens de gosto e educação, que manteriam os padrões estéticos na arquitetura e construções da cidade-estado. O parlamento, ou "Conselho dos Melhores", era instruído a minimizar o palavreado inútil, com sessões realizadas com "brevidade notadamente concisa". Uma câmara superior era chamada o "Conselho dos Provedores". D'Annunzio supervisava todo o edifício como o 'Commandante'. A Música foi elevada como "uma instituição social e religiosa" pelo Estatuto. 

Por 15 meses, o Commandante resistiu contra protestos aliados e o bloqueio erguido pelo próprio Governo da Itália.



O Governo italiano eventualmente fortaleceu seu bloqueio, que resultou em escassez de comida em uma época de ápice da gripe espanhola na Europa. Para se contrapôr ao bloqueio D'Annunzio formou os Uscocchi (de um antigo nome adriático para um tipo de piratas), que capturavam navios, armazéns, roubavam carvão, armas, carne, café e munição, até mesmo cavalos, em saques ousados por toda a Itália. D'Annunzio planejava marchar sobre Roma e tomar o país todo. De fato, a canção dos Legionários tinha o refrão, "com a bomba e a adaga entraremos na Quirinália". D'Annunzio havia esperado pelo apoio dos Fascistas de Mussolini, que haviam feito a propaganda pela ocupação de Fiume por D'Annunzio, mas Mussolini considerava uma Marcha sobre Roma prematura, e possivelmente considerava D'Annunzio como rival de seus próprios objetivos.

Tropas do governo avançaram na direção de Fiume. D'Annunzio ordenou uma mobilização geral. Ele esperava que as tropas italianas não disparariam contra seus irmãos de sangue. Tal noção repugnava a D'Annunzio, como também ao General Pittaluga quando ele havia permitido a ocupação de Fiume por D'Annunzio. Operações militares começaram em 24 de Dezembro de 1920. "O Natal de Sangue" como D'Annunzio chamou. 20.000 tropas começaram a avançar contra os 3.000 de D'Annunzio. O 'Andrea Dona' navegou até uma distância próxima. D'Annunzio recebeu um ultimato para se render ou sofrer bombardeio. Após começarem os bombardeios sobre a cidade, mulheres vierem carregando seus bebês, gritando, "Esse, Itália! Levem esse. Mas não D'Annunzio!"

O Commandante reuniu seu Gabinete e anunciou sua capitulação. Apesar de que seus homens haviam derrotado as tropas do governo por cinco dias, a cidade não poderia resistir a bombardeio pesado. "Não posso impor a este cidade heróica sua ruína e destruição certas", disse D'Annunzio. 



D'Annunzio se retirou para uma casa reclusa que ele chamou "Altar das Vitórias Italianas". Ele voltou a escrever. Permaneceu como a figura italiana mais popular, que tanto Fascistas como anti-fascistas tentaram recrutar. Apesar do que ele considerava uma traição de Mussolini por conta de Fiume, ele se recusou a apoiar os anti-fascistas. Em 27 de Outubro de 1922, os Fascistas marcharam sobre Roma. O novo regime estebeleceu com bases mais pragmáticas e realistas os ideais românticos e visionários que D'Annunzio havia realizado em Fiume. Muitos dos aspectos do Movimento Fascista foram estabelecidos pela primeira vez por D'Annunzio, incluindo o resgate da Saudação Romana e o uso da 'Camisa Negra'. Mussolini adotou o estilo de falar ao povo, de D'Annunzio, a partir de balcões com a multidão respondendo.

A Itália foi organizada como um Estado Corporativo (Guildas) como Fiume havia sido, e figuras culturais eram particularmente estimadas. Em 1924 a maior parte de Fiume foi tomada da Iugoslávia. Isso e iniciativas como o 'Eixo Roma-Berlim', a saída da 'Liga das Nações' e a Invasão da Abissínia (Etiópia) levaram D'Annunzio a se aproximar do regime Fascista.

Apesar de ele ter evitado de participar na vida pública, o regime agraciou D'Annunzio com várias honras, tornando-o Príncipe, publicando suas Obras Completas, e tornando-o General Honorário da Força Aérea e Presidente da Academia da Itália. Em 1º de Março, D'Annunzio morreu subitamente de uma hemorragia cerebral. No funeral de D'Annunzio, Mussolini disse: "Você pode ter certeza de que a Itália chegará ao cume com o qual sonhastes." 

Tradução por Raphael Machado